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Poesias-->PRECE AO SENHOR ANTIPIRINA -- 30/04/2002 - 15:35 (Leonardo Almeida Filho) |
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para Anna Beatriz
Ah! Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!
(O Deus-verme, Augusto dos Anjos)
ó senhor Antipirina
deus dos ratos, coelhos e raposas
que mira as raízes das cidades todas
a sutileza ocidental de nosso espírito paquidérmico
a lógica dogmática judaico-cristã, o espectro de carne
símio, deus dos símios
de mãos de longos dedos de imundas unhas
tateando a pele semiótica da civilidade
os outdoors à beira da outstrada
os retirantes mortos na outstrada
os anúncios de neón das megalópolis
- beba coca cola até a morte -
que traz nos dentes a luz da mordida saborosa
o brilho dos caninos-uivo raivosos
a fome de peitinhos, as tetas da sabedoria
deus dos cavaleiros e dos moinhos
das minhocas que passeiam em terras férteis
vestido de destino e de passado.
ouve a minha prece, ó Antipirina, puro Dioniso
baco embasbacado
que guarda a torre indivisível
o farol dos sensitivos
em praias que o suor dos cérebros nos conduz
ultrapassando as infindáveis linhas do vídeo japonês
e o hamburguer - da máquina, do boi, da vaca, do pasto, dos vermes, do BLADEX 3500 - do nosso Xburguer
muito além do pálido e viscoso líquido do calor das noites no banco dos automóveis
de nossas tardes tão tardes
nessa Gaia terceira que cheira à miséria e revolta.
escuta o som das tribos festejando
o ritual da criação do mundo
a lualcoviteira soluçando por amantes
a projeção de slides, os sussURROS
escuta, Mega
o nosso amor na boca do cinema
refletindo em fotogramas nossas desavenças
as plataformas de petróleo no mar do Norte
não sabem do meu sangue nos Pontiacs
nem nunca saberão da minha dor
da nossa dor de poetas apaixonados
tarados inveteradamente celibatários
nunca saberão do meu ... do teu tesão pela vida
de nossa cara de otários nas Malvinas
de nosso ronco sob o peso de tanta mata e tanto Andes
tanta e tonta América , tenta!
ó senhor Antipirina
que ninguém vê, toca, sente, sabe
e que no entanto prepara o encanto no que é podre
no que apodrece em brilho em cadafalsos
no que apodreceu por nossa máxima culpa
no que apodrecerá ante nossa recusa
pelos tantos e tantos anos de história
onde a bárbarie culta de nossa humanidade
enaltece a escrotidão do vigente bicho-homem.
foda-se Platão, dane-se Aristóteles.
não quero o piso das calçadas
em cujo pêlo, o sal dos pés, brilha
e uma gotícula de febre, tecendo aterros, arde.
não, não quero o verso fácil, o pão de mão beijada
tenho fé nas coisas que estão por fazer
nos braços que irão consumar
os portos, as pontes, o espiritual astrolábio
nas mãos que virão consumir
a pele em carícias febris
molhadas pelo suor de um país
sob os teus segredos.
creio na colheita e, antes dela, no arado
e, antes dele, na semente e nos insumos
e ainda, antes destes, creio no trabalho.
nas vísceras de touros imolados
o teu sublime despertar cansado
e renovado nos vermes que habitam plagas cruas
os homens que constroem sepulturas.
diz, mutante, com linguagem universal e sinais de boa sina
tua voz rouca, nos motores, chama por nós
discursa o peixe eterno a lábia aquariana, a retórica celacanto
anunciando novos tempos, boas novas, mar remoto.
envia teus exércitos de vestes podres e carnes rasgadas
aniquila, ó master, nossas bibliotecas e o que fizemos de melhor
cortai a orelha direita do servo do sumo-sacerdote
fazendo com que nos restem apenas
gafanhotos e mel como alimento.
que o teu olhar, invadindo a sala da família
exponha o pai fodendo a filha
a mãe, o filho
derrubando, pedra por dólar, o velho homem
disseminando a praga da renovação.
ó senhor Antipirina, pai de todos os Alephs, filho de todos os Borges, mãe de todas as Pessoas, irmão de todos os Rosas,
que as salas de aula, incubadeiras
ventres lânguidos de fêmeas parideiras de yuppies
consumam-se na fogueira que alimentam
crava, pois, as tuas garras nas igrejas
naqueles que traíram nossas chagas
nos templos, vendas dessa nossa raça
mostra, enfim, a tua face ante os cogumelos que forjamos
não quero julgamento, nem silêncio
fizemos nossos próprios des(a)tinos
e tu, Antipirina, assim sorrindo
dentro de cada um de nós
um feto pequenino e luminoso
de nossa luminosa gravidez.
tenho fé no mar, onde tudo começa
e onde tudo termina
o fluxo e o refluxo das marés nos corpos
o delírio sem fim dos teus poetas
inspira a epopéia de toda a raça humana pelo cosmo
sugada, finalmente, pelas trevas do quasar
a volta ao ventre
a concentração
o início.
tenho fé no homem que virá
do homem que ficou sem fé
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