LEGENDAS |
(
* )-
Texto com Registro de Direito Autoral ) |
(
! )-
Texto com Comentários |
| |
|
Poesias-->LEMBRANÇAS II -- 10/04/2000 - 21:09 (Eustáquio Mário Ribeiro Braga) |
|
|
| |
Lembro-me
Lembro de muitas coisas que talvez não gostaria de lembrar
Lembro-me
Lembro de uma manhã de cinzentas nuvens, lembro.
Lembro da bolinha jazida, cozida, estorricada, lembro.
Lembro da mesma bolinha pequinês um adia antes,
nunca mais criei cães,
nem gatos,
nem sonhos que andassem,
latissem ou miassem, piassem ou cantassem
e falasse...
Lembro-me do carrinho de plástico roubado,
acho que por isto nunca tirei carteira de habilitação.
Lembro-me do primeiro furto aos três anos, quando não sabia o que era furto.
Lembro-me das casas por onde passava ou morava,
Lembro-me dos dias longos
e da fome mais longa e estéril
lembro dos mistérios,
das idas e vindas do cemitério,
lembro-me das favelas
e do gosto queimado a lenha do leite de Dona Joana,
lembro-me da falta de cama
e do excesso de sono
lembro-me do ombro
do choro
da falta de beijo
lembro-me do tombo
e do couro no lombo,
Lembro-me dos assombros.
Lembro das castiçais vazios,
dos potes e panelas
do leite ninho derramado
por muito orgulho
eu fora desmamado
e a fome virou pr outro lado,
lembro-me dos olhos,
das lágrimas e remelas,
das portas e janelas
e da tramela,
esta sim eu me lembro,
ficava trancado em casa e a vida lá fora.
E a vida insistia em roncar o meu estômago.
Lembro-me do escuro,
mas lembro-me de Tâninha
e sabia que não estava sozinho,
dividíamos o sofrimento,
e a fome,
e a mágoa,
e a raiva,
e a cólera,
e os vermes,
e o medo da fobia,
e as manias,
e as lágrimas,
e os choros,
e os berros silenciosos,
e o ócio, e vícios...e tudo e isto...
e o nada...
e o mais completo vazio...
e o insuportável medo do amanhã.
Todavia, o amanhã sempre batia à nossa porta e não adiantava dizer: NÃO, não entre...
era tarde, além de solitários,
mudos, surdos, cegos e carentes
não sabíamos que éramos gente,
mas o amanhã não nos conhecia
e não sabia o mal que nos fazia.
Lembro-me, hoje e choro o choro as lágrimas de hoje,
já não consigo contê-las, pois assim como os amanhãs elas se multiplicam sem som nem vento,
vivemos outro tempo,
pois sobrevivemos,
e matamos todas as lembranças.
Lembranças do tempo de criança,
criança ? isto não lembro ter sido,
lembro-me cão vadio sobrevivido
lembro-me do frio,
lembro-me do odor de mijo ardido
lembro-me do xixi na cama,
da falta de pijama,
e lembro... e lembro... e lembro-me.
O bom de lembrar-me de tudo é que posso escrever as lembranças,
tudo tem o seu lado positivo até o negativo.
Hoje eu tenho motivos para lembrar,
lembro-me e luto contra a fome e miséria.
Luto em favor dos excluídos,
eu que fora e não sabia,
luto contra a mal distribuição de renda,
do café com pão,
arroz com feijão,
criança quer merenda.
Enquanto lembro luto,
enquanto luto lembro.
"Lembro-me, e tudo ficou na lembrança no cerne da antiga arquitetura" de um certo poeta,
talvez o maior poeta excluído, humilhado, cuspido e sacrificado.
Todo poeta tem o seu poeta preferido,
eu tenho o meu ferido,
mas vivo.
Lembro-me e amo-te Cristo.
THACKYN
05/10/1999
|
|