APENAS UM POEMA INACABADO
Maria José Limeira
O passar do tempo não apaga
o grande amor que me afaga,
afogado nos deslizes da memória.
Primavera, verão, quanta história...
Outono, inverno inteiro.
Passam janeiro e fevereiro...
Os séculos desembocam em foz.
Rios, águas mansas, mar bravio.
Tudo se renovou logo após.
Mas ficou em mim o que sobrou.
O meu amor estacionado.
Como velho navio encalhado.
Inda vejo o quarto escondido.
Nossos corpos tinham sentido.
Palavra murmurada era grito.
Nosso amor molhado, realizado.
Não era choro que nos umedecia.
Era ânsia que nunca arrefecia.
Inda me lembro dos lugares
e perigos que atravessamos.
Vales, quilombos, palmares.
O final da estrada era prêmio
pelo qual eu lutava e merecia,
no teu corpo, ao morrer do dia.
E como depois tudo foi saudade,
desespero e infelicidade,
quando nos separamos tristemente.
Meu corpo ficou doente.
Minha mente conheceu vale da morte.
Perdemos Sul, e depois, Norte.
Vazio, solidão, dor, escuridão.
Restos de mim brilhavam ao sol.
Como sucata num montão de lixo.
Minha caneta virou carrapixo,
na longa carta que nunca foi escrita,
onde não caberia minha desdita...
E porque não consegui dizer
toda a dor que me fez sofrer,
guardo comigo o último orgasmo,
adeus, lenço branco, lençol bordado,
todo absurdo do mundo tresloucado,
quando nosso amor foi lágrima...
Somos apenas um poema inacabado...
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