A POETA E SUA GATINHA
Renato Ferraz
A Poeta tinha o hábito de escrever seus poemas,
lendo-os em voz alta. Também gostava de ouvir
música bem baixinho enquanto escrevia.
Ensaiar a leitura diante do espelho, gesticulando;
era outra prática comum, durante o processo.
Sua gatinha estava sempre presente, ali ao seu redor,
fazendo-lhe companhia. A impressão que se tinha
era a de que ela ouvia, entendia e acompanhava
tudo atentamente.
Seu olhar fixo e a forma como se comportava,
Comprovava a sua participação.
Às vezes ela se aproximava, miava diferente,
ficava passando o rabinho nas pernas da poeta,
como se a alisasse carinhosamente.
Em alguns momentos de maior emoção,
a poeta se dirigia à companheira,
fazia de conta que ela era uma pessoa
e recitava o poema, olho no olho.
A gatinha gostava e retribuía-lhe o carinho
miando e alisando seus pés.
E o mais importante é que além de prestar atenção,
respondia às suas incitações.
Certa vez a poeta resolveu provocar-lhe e confirmou.
Começou a ler o poema e fiou atenta às reações
da sua gatinha:
SAUDADE
No meio da noite,
num açoite,
chega sem avisar
e acaba de falar
que não tem hora
para ir embora.
Pousou de mansinho
como pássaro no ninho.
Mas, por que é assim?
Oh, saudade, tem pena de mim!
Quando concluiu a leitura falou o seguinte:
"---Ó querida amiga, quanta alegria você me dá,
ao participar desses momentos felizes! É importante
saber que você gosta da minha poesia!
Sou grata por tê-lo em minha vida”.
A gatinha retribuiu-lhe o carinho.
Olhou para a poeta, miou, piscou
e deixou cair uma lágrima, no cantinho do olho.
Em seguida resmungou algo, miou diferente do habitual.
A poeta traduziu a sua resposta como um agradecimento:
" É, a poesia realmente dá outro sentido à vida,
principalmente a minha".
A Poeta Já havia se acostumado com a reação de quem ela resolvia contar.
Ninguém acreditava. Sempre que falava, desdenhavam dela.
Antes, ela se aborrecia, agora não liga mais.
Porém o que mudou é que as pessoas passaram a acreditar,
se emocionam com o que a poesia é capaz de fazer,
e com a sensibilidade de um animal querido.
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