07.07.2014
Dia de Jogo
Cheguei...
Enfim, sós:
Eu e muitos quem sou.
Eu, destes, quem ora me sou,
Depois de uma hora e trinta e sete minutos de ida,
Vindo de volta para casa,
Atravesso, de um lado ao outro, a cidade, e
Chego.
É dia de jogo.
Ruas repletas de automóveis,
Gente, guiando automóveis,
A dirigir-se de volta para casa.
O mais, os sem automóveis a caminharem por calçadas,
Os calçados e os descalços.
É dia de jogo.
Joga-se às favas ternos e gravatas.
No meu automóvel, eu e minha alma, a outra.
A menina dos meus olhos:
Uma das irmãs, meninas,
Meninas dos olhos meus...
Ah, elas brilham...
Como se inda fossem criancinhas, ou
Aquela juventude própria, ida,
Ora rediviva!
Ao vê-las refletidas no retrovisor do meu carro, eu as vejo:
Saídas de um tempo ido: vivas e vívidas.
É dia de Jogo.
Joga-se às favas ternos e gravatas.
Ao meu lado, aquela alma, a poesia,
Um livro de poemas.
Num só poema, dois ou três, eu leio
Toda a poesia do livro – o livro
De toda a gente que eu vejo e o daquela que eu não vejo; de
Toda a gente amotinada em seus carros, nas ruas,
Num fluxo intenso de idas e vindas,
Muita gente.
Fervilhante ilusão.
É dia de jogo.
Jogue-se às favas ternos e gravatas.
Eu leio tudo e toda a poesia do mundo.
Nesta hora do dia, retraído, eu penso
Na poeta; em sua vida e seu livro, penso.
Penso em quem escreve,
Qualquer coisa, escreve;
Invejo.
Mortalmente eu quero a criatividade daqueloutra:
O gênio artístico.
Repudio a mim mesmo;
Odeio não ser capaz de escrever e descrever
Qualquer coisa o que quer que é dimensão
Dessa ilusão desiludida:
O tamanho, a forma e a cor,
O cheiro, o calor e o fervor.
O encantamento:
A menina de olhos cintilantes.
E é dia de jogo.
Joga-se às favas os ternos e as gravatas.
Penso nas estrelas, na estrela ao meu lado;
Na entrelinha das entrelinhas
De todo verso escrito.
Dos lidos e dos não lidos.
Penso nas estrelas do alto,
Dos mistérios noturnos, da profunda escuridão.
Solitárias elas cintilam, ainda assim,
As solitárias estrelinhas cintilam.
- Elas não escrevem, coitadinhas...
Embora tudo lá já esteja escrito.
Até mesmo o dia como um dia de hoje, que
É dia de jogo
Em que se joga às favas os ternos e as gravatas.
Penso na gente que não se perde na escrita:
Coisa alguma escreve, infelizes,
Mas seguem a esbanjar felicidade...,
Felizes por aí, seguem.
Pois é dia de jogo.
Seguem felizes.
Seguem simplesmente sendo
Criaturas pobres e mortais
Metidas em seus ternos engomados, e
Gravatas bem atadas.
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