|     
				| LEGENDAS |  | ( 
					 * )- 
					Texto com Registro de Direito Autoral ) |  | ( 
					 ! )- 
					Texto com Comentários |      |   | 
	|
 | Poesias-->PRINCESAS EM SÃO PAULO -- 12/08/2014 - 04:06 (PAULO FONTENELLE DE ARAUJO) |  |  |  |  |  |
 | Hoje noite de gala no teatro Municipal. 
 Informa o cartaz
 
 estreia nova atração do corpo de baile:
 
 a fábula da Bela Adormecida,
 
 
 
 Imagino a dança,
 
 em uma cena apenas
 
 o príncipe entra,
 
 descobre a princesa dormente,
 
 - sangue europeu imobilizado entre heras -
 
 e cede o beijo de amor na face da mórbida.
 
 
 
 Retiro-me do Municipal,
 
 desço as escadarias e reparo
 
 homens sanduíches dançam com placas
 
 e anunciam Abreugrafias,
 
 mistérios do corpo  na radiografia  a revelar-se.
 
 
 
 O antigo homem sanduíche bem servia à população.
 
 
 
 Inspiro-me e percebo.
 
 Alguém está enclausurado
 
 na praça Ramos de Azevedo.
 
 Dorme por aqui
 
 e na mesma condição da Bela princesa,
 
 alguém dessa multidão
 
 sempre fixa na praça
 
 - camelôs, crentes, mendigos, desempregados .
 
 Gente que parece se eternizar,
 
 marcar o asfalto,
 
 devastar a terra
 
 em volta do castelo que o teatro representa
 
 e prostrarem-se no chão
 
 como quem se aplica a um pasto pobre.
 
 
 
 Mas o que é isso?
 
 Essa dança que surge agora e vejo.
 
 O que são aqueles braços lançados na esquina?
 
 Imagens da chapa de raio X enfim revelada,
 
 delírios surgidos da agudização de um tumor?
 
 Não! São índios, índios ali também,
 
 que reencarnam em motocicletas,
 
 rodopiam nos espelhos, nas vitrines,
 
 e brincam
 
 ao som de um tamboril.
 
 Índios em cocares a florescer,
 
 em miçangas a girar suspensas,
 
 enquanto  brilha o meio-fio das ruas.
 
 
 
 Porém, a clausura da turba real da praça
 
 não percebe a dança.
 
 As bocas entregues a monotonia do dia,
 
 passantes em romaria,
 
 não  dão conta do bailado.
 
 Vejo perto da loja Mappim
 
 um quilombo e outros departamentos,
 
 vejo negros escravos a inventar estrelas,
 
 golpes, piruetas e giros de luta africana
 
 atravessam os faróis da rua Xavier de Toledo
 
 e completam-se no fundo do Vale do Anhangabaú.
 
 
 
 De súbito quero gritar,
 
 percebo em mim a concretude de altar,
 
 de pedra fundamental
 
 que me faz calar,
 
 porque todos os negros, todos os índios
 
 são príncipes da cidade aberta para a noite
 
 e  a praça Ramos de Azevedo
 
 solta um cheiro de jasmim,
 
 o mesmo de uma  praça de cidadezinha,
 
 com o seu chafariz de anjo
 
 e coqueiros tombados pela municipalidade.
 
 
 
 O teatro abre uma  porta.
 
 Lembro-me do ósculo do príncipe
 
 no  rosto tenro da Bela Adormecida
 
 e ocorre que os índios  e os negros
 
 beijarão agora as princesas.
 
 
 
 Os  índios beijam e se aproximam,
 
 beijam e já me intimam:
 
 “Levante o véu, por favor”!
 
 
 
 DO LIVRO:"A CIDADE POSSÍVEL"
 
 
 | 
 |