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 A voz
 
 
 É minha foz
 
 
 E minha fonte
 
 
 De onde jorra
 
 
 Meu encanto
 
 
 E meu sustento.
 
 
 
 
 
 O som da minha fronte
 
 
 Que me leva adiante
 
 
 E sustém, entrementes,
 
 
 Cada tom, nota a nota.
 
 
 
 
 
 O diferencial que nem se nota
 
 
 Em meio ao vozerio ambiente.
 
 
 Mas sobressai ao microfone,
 
 
 Quando se amplifica, ambivalente.
 
 
 
 
 
 Cicia. Balbucia. Divaga.
 
 
 Soa meio doce, meio amarga.
 
 
 Silente, extravasa.
 
 
 Corta distâncias. Invade casas.
 
 
 É o dial do alento
 
 
 E da desgraça.
 
 
 
 
 
 Minha voz me diferencia
 
 
 E me guarda.
 
 
 Antecede minha figura,
 
 
 Mas sempre à retaguarda,
 
 
 Serve à mensagem sem firula
 
 
 Na ânsia do senso
 
 
 Ao qual se entrega.
 
 
 
 
 
 Nas ondas sonoras
 
 
 Surfa e navega.
 
 
 Vai de manso,
 
 
 Sem pressa,
 
 
 Rumo ao seu destino.
 
 
 À mercê do meu capricho,
 
 
 Se solta ou se detém,
 
 
 Sem descanso.
 
 
 
 
 
 Faço dela o meu remanso
 
 
 E o meu retrato.
 
 
 Meu patuá
 
 
 Secreto e franco.
 
 
 Mas também me calo.
 
 
 E nesse espaço
 
 
 De silêncio
 
 
 Falo tanto!
 
 
 E, assim, pra meu espanto,
 
 
 Encharco lares,
 
 
 Invado cantos.
 
 
 Dou recados.
 
 
 
 
 
 Faço da voz
 
 
 O meu pecado
 
 
 E acalanto.
 
 
 Porque dela sou escrava
 
 
 Sem recato.
 
 
 Recebo-a sempre em meu regaço,
 
 
 Como eflúvio inevitável.
 
 
 Corro, lesta, em seu encalço,
 
 
 Seguindo seus passos...
 
 
 
 
 
 Mas ela foge, à frente de tudo,
 
 
 E se esvai ligeira, em seu compasso.
 
 
 Por isso mesmo às vezes emudeço
 
 
 E fecho então minhas comportas.
 
 
 Mas ela irrompe todas as portas
 
 
 E vence distâncias quando morta,
 
 
 Depois de sobreviver ao meu empeço.
 
 
 
 
 
 Por ela tenho preço.
 
 
 Por ela pago.
 
 
 Minha voz é meu endereço
 
 
 E meu jazigo.
 
 
 Um bem que afago
 
 
 Qual amigo.
 
 
 Um tipo de extensão
 
 
 Do meu umbigo.
 
 
 Um alto-falante
 
 
 Que abrigo
 
 
 No seio de minhas conquistas
 
 
 Mais recônditas.
 
 
 
 
 
 Sou escrava da voz
 
 
 Que eu liberto
 
 
 Diante do microfone
 
 
 Aberto,
 
 
 Trancada numa sala
 
 
 De espuma.
 
 
 
 
 
 Vivo do sonho
 
 
 E dele me alimento
 
 
 Na imortalidade de um segundo.
 
 
 Sou produto do momento,
 
 
 Filha do mundo.
 
 
 Perdida na ionosfera.
 
 
 Vocifero meu destino
 
 
 A cada dia.
 
 
 Numa frequência
 
 
 De outra esfera.
 
 
 Sobrevivo do som e da espera.
 
 
 Na eterna sequência
 
 
 De notícia e hora certa.
 
 
 Por isso mesmo
 
 
 Sempre alerta
 
 
 Ao apagar das luzes
 
 
 Da ribalta,
 
 
 Pois minha voz se calará
 
 
 Um dia,
 
 
 Reverberando, alta,
 
 
 Em outras plagas,
 
 
 Rumo ao desconhecido.
 
 
 Em seu trajeto mais bonito
 
 
 - Livre de claves e do atrito -,
 
 
 Pronta pro voo no infinito
 
 
 Que trazemos inserto em nós.
 
 
 Calando, finalmente,
 
 
 Nesse instante,
 
 
 O sopro divino
 
 
 Chamado voz.
 
 
 
 
 
 PS.: Poema composto por ocasião da posse no Senado Federal, no cargo de Técnico Legislativo/Técnico em Locução.
 
 
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