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Poesias-->aqui -- 20/08/2005 - 22:44 (maria da graça ferraz) |
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Fala com Haroldo
que estou em casa
Um olho, choro. Outro, roxo.
Um braço engessado
Diga a Haroldo
que preciso de cuidados
de pronto-socorro
Recomende para que ele chegue
sem alarde e fale para mim
que estou bonita esta tarde
apesar da surra,
do calo, da cruz, da ruga
Conta-lhe que uso
batom cor de carne
cuja beleza só a percebe
quem não é covarde
e possui a alma leve
Avisa-lhe para que
não me beije
Uma gota apenas de saliva
dilui-me mais
Tenho que manter
à todo custo
a paz da sanidade
deste único "eu"
que ainda possuo
e ao qual agarro-me
com o único braço que me resta
Porque senão desintegro
como pó de pedra
à beira de um rio
que extravasa
Vá! Fala com Haroldo
Peça para que ele me traga
vinho branco, chá de boldo,
bilhete de amor, cavaquinho
e muitos pêssegos
Pensando melhor,
não é época de pêssegos,
que Haroldo traga-me
então framboesas -
são ácidas, enfeitam
a mesa sem vela
de toalha vermelha
Quem sabe Haroldo traga-me
florzinhas pequenas
arrancadas dos caminhos
Hoje, preciso do cheiro
da raiz ferida, ainda úmida,
tépida, verde, verde
Talvez Haroldo ensine-me
o que sempre recusei
aprender por medo
de saber que já sei
Vá! Diga a Haroldo
que estou aqui em casa
Avisa-lhe que a noite
promete ser polvo
demagogo fogo corvo
coisas que roubam e extorvam
Diga à Haroldo
Diga isto apenas à Haroldo
Apenas à Haroldo
porque...
Eu não conheço
nenhum Haroldo
Assim, protejo-me
da recusa, da negativa,
do desaforo, da desculpa
Será mais fácil
absolver a mim, a todos,
inclusive a este Haroldo
após esta noite
Vá! Fala com Haroldo!
Caso não o achares,
o que é provável,
chama o pai de Haroldo,
o primo, o sogro, o vizinho,
vá chamando,
ao longo da madrugada,
persista chamando
Haroldo, toda sua família
até que tua voz já rouca,
amanheça
E o sol exploda !
E Haroldo desapareça
como costuma desaparecer
a água que lava o corpo
no ralo, pelo rodo
E que desta noite, enfim,
eu sobreviva
aos apelos de todos os Haroldos
que existem dentro de mim |
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