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 | Infanto_Juvenil-->A roda do infortúnio -- 16/09/2013 - 04:38 (Brazílio) |  |  |  |  |  |
 | Ser menino nos anos cinquenta, sessenta, tinha a vantagem de não ter internet. 
 Você podia dedilhar um violão, desenvolver melhor grafia, ou alguma outra
 
 habilidade que só à mão é que se fazia.
 
 Era o caso dos carrinhos de pau. Os meninos do Zemartins, já rapagotes, tinham
 
 o dom natural das artes, no todo, e nas partes. Mexiam com cerâmica, tocavam
 
 e compunham música e haviam até inventado um projetor de cinema. Mas o que
 
 mais cativava de sua produção eram os tais carrinhos, que se não davam bom
 
 lucro, `havera` de deixar muito guri malucro.
 
 Dali foi que me veio a idéia da marcenaria. Mais que idéia, foi compulsão leréia. E
 
 convencer papai e mamãe de meus propósitos competitivos nas artes e ofícios foi
 
 moleza. Já tava passando da hora de eu deixar as peladas rueiras de lado e saber
 
 aproveitar melhor meu tempo. Com uma promoção, quiçá, ao cargo de ex-lavador
 
 titular de vasilhas.
 
 Vieram a banca de carpinteiro, as ferramentas, o torno, ao encontro de minha
 
 vontade superaquecida de despertar meus adormentados talentos. E saíram, de
 
 minha assinatura madeiral, uma caixinha para guardar dinheiro, que também se
 
 assemelhava a uma fôrma de tijolo, um escorredor de pratos, feito à semelhança
 
 de modelo antigo,
 
 uma lanterna para se juntar às outras tantas que, junto aos beirais dos telhados,
 
 iluminavam nossos natais, e o projeto de uma gaiola, que reunia arames de
 
 aço retirados de pneus velhos e umas varetas que resistiam ao aplainamento e
 
 à perfuração simétricos. Mas era tudo experiência que se somava, malgrado a
 
 resistência da madeira-prima, que procedia de caixotes de sabão.
 
 Era a hora de entrar na concorrência automobilística. E foi o João, um dos meninos
 
 do Zemartins que me deu a dica: pra fazer a roda você precisa desse aparelhinho
 
 de metal, que tinha o formato de um quatro, de cabeça pra baixo. Preso na na
 
 furadeira, você vai girando a perna externa, que tem ponta laminada, em torno do
 
 eixo - que é a perna traseira e, comendo a madeira, sai a roda, inteira.
 
 Consegui o aparelhinho sob encomenda. À primeira vista não me entusiasmei muito
 
 com a rusticidade do produto. Minha suspeição se confirmou com a tentativa da
 
 prática: na melhor das hipóteses ele permitia riscar o desenho de uma roda sobre a
 
 placa de madeira. E dali não passava nem que eu gritasse besteira, ou rezasse pra
 
 padroeira. Jeito não havia. Ou era minha vocação que não se abria. Sem pendores
 
 pro breviário, dali parti pro seminário.
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