-- Mãe, eu não fiz por querer! Juro que foi sem intenção, eu não queria!
-- Filho, Deus sabe o que se passa no seu coração. Ele sabe se você usou de má fé.
Como pode?! Só eu é que sei o que vai lá no fundo de meu coração. Só eu sei o que se passa comigo. Como Deus pode penetrar no fundo de mim e saber coisas que só eu penso?
O menino sentou-se na soleira da porta e pôs-se a indagar como podia alguém saber o que se passava lá no seu íntimo.
Se ele mesmo tantas vezes agia impensadamente, ele mal se conhecia. Como podia Deus saber dele?
Achou que era exagero da mãe.
Como alguém podia saber que ele pusera fogo na palha por maldade? E às vezes em que bulira nos ninhos, quando quebrara as vidraças do "Seu Dito"? Pisara por querer ou não nos pezinhos de Joana? Se nem ele mesmo se lembrava mais das "artes" que aprontara ao longo de seus oito anos.
Será que Deus ia perder seu tempo anotando numa caderneta; feita àquelas que ele levava na venda do "Seu Manuel"; anotando tudo que era coisa errada que ele aprontava. E as coisas boas? Será que as boas também seriam anotadas para dar um pouco de crédito? Ele na certa estaria em débito. Gostava demais de aprontar das suas.
A vida seria monótona demais se fosse o todo certinho como a mana Joana. Era um tal de queridinha pra cá, queridinha pra lá.
Cruzes! Ele é que não queria ser um chato de galocha feito a irmã!
Aquela vozinha doce, aquele jeitinho dengoso. Ele era muito macho, tinha que ser "danado da breca"!
Deus era seu amigo! A professora de catecismo afirmara isso tantas vezes; e a mãe também lhe dizia.
Como que um amigo pode ficar de marcação com a gente? Amigo é amigo. Então ele não havia perdoado o Trombada? E olha que o Trombada fora mais que arteiro ao lhe quebrar o mais novo barquinho! O amigo fora cruel! E ele perdoara, quase chegara a esquecer. Esquecer seria pedir muito, porque o barquinho era motorizado.
Voltou a se perguntar como Deus podia entrar dentro de seus pensamentos. Chutou uma lata de cerveja vazia e saiu caminhando na manhã gelada. Quando crescesse mais um pouco pensaria no assunto. O que precisava de imediato era ganhar uns créditos, pra se garantir.