Um boto nadava nas águas do rio Araguaia quando ouviu um choro. Seguiu o som e, entre algas e corais, encontrou um peixe piau-três-pintas debulhando-se em lágrimas.
- Qual é a razão das tuas lágrimas, amigo? – perguntou o boto.
- Ontem eu perdi uma das minhas pintinhas. Veja como estou feio com essa falha no meu lado direito! Estou tão diferente...
- Não se vive só de beleza. Continuas lindo, e não perdeste a capacidade de nadar que é a coisa mais importante – disse o boto gentilmente.
- Podes me ajudar a encontrar a minha pintinha? – perguntou o piau-três-pintas choramingando.
O boto concordou. Saíram os dois perguntando a todos do rio se haviam encontrado uma pintinha preta que pertencia ao lado direito do peixe. A resposta era: Não! O boto, que já estava cansado, disse:
- Vamos encerrar a busca. Eu penso que tu terás de viver sem uma das pintinhas que te enfeitam. Afinal, isso não é uma catástrofe!
O piau-três-pintas, triste, escondeu-se entre as fendas de um coral. O boto ficou por ali, comendo uma coisinha e outra, antes de ir descansar. O sol já estava indo para casa, depois de um dia escaldante, quando chegou um velho pirarucu com seu filho cego de um dos olhos. O filhote nadava, com dificuldade, por entre as algas, até que parou em frente ao coral onde estava o peixe piau-três-pintas, e piscando o olho bom, para enxergar melhor, chamou:
- Papai, venha ver um piau diferente.
O pirarucu velho se aproximou, olhou e disse:
- É filho, é diferente mesmo. Falta uma pinta no lado direito.
- Isso é ruim? Ele não pode nadar? – perguntou o filhote.
- Nada disso, filho. É só questão de estética, beleza, vaidade. Ele pode nadar como qualquer outro peixe. Pior seria se lhe faltasse um dos olhos arrancado por um anzol.
- Que bom papai! Ainda bem que ele não precisa do pai para nadar por aí como eu de você.
Depois da partida do pai e do filho, o piau-três-pintas, que ouvira a conversa, se pôs a analisar a sua situação, comparando-a com a do filhote do pirarucu.
- Ainda bem que perdi só uma pinta e não os olhos. Pensando bem, acho que, sem querer, lancei uma nova moda no reino da peixarada. Um piau-três-pintas com duas pintas do lado direito.
E nadou velozmente para o local onde o boto dormia, cantando em alto som:
- Acorda boto amigo
Eu sempre contei contigo
Vem ver como é ser feliz.
Faltou pr’eu fugir um triz
Por causa da perda da pinta,
Tão negra retinta,
Ficando essa falha ridícula,
Mas que pode ser extinta
Com bela camada de tinta.