A moça de blazer caro apareceu na porta do escritório e olhou para todos que estavam sentados na sala de espera. Alguns fumavam, outros liam revistas. Quase todos nervosos.
Ela consultou uma folha de papel e anotou algo. Depois chamou um dos presentes.
1 – O bom homem
O homem se levantou e foi com a moça de blazer caro até a sala desta, uma sala de escritório muito arrumada, com móveis de primeira, ar-condicionado e uma grande janela com persianas que deixavam finos raios de sol passarem para dentro da sala, naquela manhã, lá pelas nove horas.
Ficava num edifício, no nono andar. A vista da janela era a da grande cidade, que tinha seu intenso movimento àquela hora. Edifícios, fábricas, avenidas, trânsito.
O homem se sentou na cadeira em frente à mesa onde a moça se sentou. Ele vestia uma camisa barata, listrada, e uma calça jeans meio velha. Seu rosto era jovem, alegre, esperançoso, mas ele não era muito jovem, devia ter uns trinta e poucos.
Ele pigarreou.
Por cima das lentes dos óculos, a moça observava a postura do entrevistado.
- Vamos começar?
- Vamos – respondeu ele, sorridente mas um pouco nervoso.
- Qual o seu nome completo?
- Adalberto.
- Seu nome completo, por favor – repetiu ela, paciente.
- Ah, é Adalberto Parreira Júnior.
- Ótimo. Vou fazer-lhe perguntas gerais, começando pela empresa onde trabalhava antes...
- Eu tava na Vieira & Cia., uma firma pequena na Zona Norte... que mexe com materiais diversos, principalmente borracha...
- Qual era o seu cargo, Adalberto? – perguntou a moça, anotando algumas coisas.
- Eu cuidava do controle das entregas, anotava pedidos, ia no banco, esse tipo de coisa.
- Certo. E por quanto tempo esteve lá?
- Fiquei lá três anos.
- Hum. E antes trabalhou em outras empresas?
- Sim. No correio, em supermercados como segurança, como Office-boy em várias firmas pequenas e fiquei um ano e meio trabalhando na Granja Lamar, de médio porte. Lá eu era gerente.
- Muito bom – disse ela, sem muita ênfase. Apenas anotava - Bom, vamos falar um pouco sobre o emprego para o qual você veio, Adalberto. Não lhe informaremos ainda o nome da firma ou empresa que é, por normas do cargo ao qual você irá concorrer.
- Certo. Mas é a área financeira, né?
- Isso... bom, gostaria que me dissesse, sinceramente, duas qualidades positivas suas...
- Qualidades positivas?
- Isso. O que você acha que faz bem, ou algo sobre o seu jeito...
- Bom... eu sou um cara bem atento, moça. Eu sou assim, meio até agitado, percebe? Não sou nervoso, mas presto atenção em tudo que tá em volta, assim, umas coisas, assim, como o dinheiro, pedidos, entregas, números de compras, qualquer coisa... ah, por exemplo, quando eu ainda morava lá no interior, em Cadandura Mirim, eu era conhecido por isso, moça. Todo mundo sabia que eu era o melhor contador de mosquito bobo.
- Mosquito bobo?
- É, mosquito bobo, moça. Você sabe o que é um mosquito bobo? Pois eu vou te explicar o que é um mosquito bobo, um mosquito bobo é um mosquito que fica assim, no ar, todo tonto, quando voa – dizia Adalberto, empolgado – E aí, ele fica indo nas luz da estrada de terra, à noite, e avoando todo em volta das luz, é até bem bunito. Tem que ver. A gente via aquele montão deles tudo ajuntado em ao redor das luz, tudo torto – disse ele, fazendo gestos com as mãos, delineando o vôo do mosquito bobo – E a gente contava eles todas as noites, e eu era o melhor contador de mosquito bobo, e acho que isso que é umas qualidades positivo de mim.
Adalberto estava sem fôlego, pois a narrativa tinha sido feita numa velocidade incrível, naquele sotaque do interior, tropeçando as palavras uma por cima da outra. Ele, satisfeito, balançava a cabeça afirmativamente para a moça, calado.
Ela estava de certa forma sem graça, pois via-se que não era bem aquilo o que ela queria saber sobre Adalberto. Não eram qualidades como aquelas... mas ela preferiu não insistir muito com ele.
- E a senhorita dona moça perguntou duas qualidade, né não? Ah, a otra é... ah, claro! Eu danço o forrózão todo Sábado aqui na zona sul, com uns amigo, a gente vem por aqui, que tem uns forró bom, por aqui, e fica a noite toda, eu danço, eu...
- Está certo, Adalberto, já entendi – disse a moça do blazer caro, gentilmente, tentando ser tolerante com a inocência do candidato – Podemos prosseguir com outras perguntas, agora.
- Tá.
- Este emprego que o senhor pretende alcançar, Adalberto, é um emprego sobre o qual vou ser muito sincera com o senhor. Bem, o senhor veio de um emprego relativamente menor do que este, entende? É claro que o senhor vai concorrer a ele com tantas chances quanto os outros, Adalberto, mas temos de admitir o seguinte: era uma função pequena a sua, na firma, se adotarmos uma visão geral da empresa, certo?
- Isso lá é verdade, moça.
- Fazemos a análise dos currículos, dos antecedentes, de cursos extracurriculares, tudo, e isso influi muito na seleção.
- Entendi.
- Mas podemos prosseguir, só queria citar este ponto referente ao seu emprego anterior.
- Jóia.
- É... bem, estando o senhor desempregado e tendo saído deste emprego que já analisamos, imaginamos que agora o senhor tenha a necessidade de um emprego estável e até superior, certo?
- Sim, vou tentar.
- Ótimo. E precisaria, provavelmente, de um salário mais alto também, não é mesmo?
- Isso é verdade.
- Sei que isso pode ser ruim de ser perguntado, mas é importante para nós, Adalberto.
- Percebo.
- Bom, quanto o senhor estima que poderia estar ganhando, no mínimo? Um número aproximado.
- Bem, isso já é um negócio que fica difícil da gente tá respondendo direto assim, mais... ah, pra falar a verdade, moça, eu acho que não iria pedir muito não...
- Aproximadamente.
- Pouco.
- Mais ou menos, pense melhor, Adalberto.
- Num sei.
- Sabe sim, Adalberto, fala.
- Não.
- Fala.
- Num dá.
- Por que, Adalberto? Por que, não dá?
- Num sei.
- Ah, seria porque o senhor está em uma má situação financeira, e desempregado, e porque na verdade queria ganhar bem mais?
- Não.
- Eu acho que é sim, Adalberto. Você quer ter um salário bem alto, muito maior do que o que ganhava antes, e queria dizer isto agora, queria dizer que quer ganhar 3 mil, mas está com vergonha de ser egoísta.
- Num é nada disso... – Adalberto abaixara a cabeça.
- Claro que é.
Houve então profundo silêncio na sala. Só se ouvia o som do ar-condicionado. A moça do blazer de braços cruzados, olhando fixamente para Adalberto, e mordendo a caneta. Ele estava cabisbaixo, brincando com a borda da mesa.
- Quanto o senhor quer ganhar, Sr. Adalberto?
Ele sentiu a pressão da pergunta, e o silêncio que se seguiu forçou Adalberto a responder de repente, levantando a cabeça todo desbravador:
- Num quero nada!
- Como?
- Olha, eu posso trabalhar e ficar sem ganhar o salário, já que a senhorita dona tá dizendo que...
- Eu ouvi direito, Adalberto? Você quer trabalhar de graça?
- É. Eu posso trabalhar sete dia por semana, sem férias, sem vale comida e vale ônibus, nadinha, e quantas hora pur dia precisá, que eu num mi importo não! – agora ele estava agitado, de bico – Só deu tá trabalhando num imprego bom desse aqui, pra mim já tá bom.
- Patético.
- O trabaio inobreci o homi.
- Nunca ouvi isso antes.
- Eu já.
A moça do blazer se levantou, e ficou de pé, meio que esperando que ele fosse embora. Estava cínica.
Ele continuou sentado de braços cruzados.
- I otra: eu aposto dez real que, se eu fizé assim, trabaiá sem salário, o chefe lá desse imprego vai me contratá, pru que eu sei que o que ele qué é ter mais dinhero pra ele, intão vai achá que eu sô burrão, e mi contratá, mas eu num mi importo não, moça. Num sô burrão, só quero trabaiá nesse país.
- A entrevista chega ao fim agora, Adalberto. Muito obrigado pela presença, mas tenho certeza que todos lá fora são um pouquinho mais inteligentes que você, e merecem o emprego...
- Eu tamém mereço. Sô esperto, atento...
- Você é burro, Adalberto. Com esse monte de empreguinho no currículo, metade sem registro, o senhor não consegue nem trabalho de coveiro. Devo confessar na maior sinceridade que o senhor é muito ignorante e bobo, também, Adalberto...
Ele se levantou lentamente, calado, e não conseguiu dizer mais nada. Andou até a porta.
- Nossa... como você conseguia trabalhar naquela empresa de materiais como gerente? Quem te contratou?
- Eu fui aceito porque eu trabalhava de graça. Por isso o chefe gostava di mim.
- Que coisa ridícula... e como conseguiu ser despedido? – perguntou a moça de blazer caro, indignada.
- Ele dissi assim qui eu sô muito ingeno.
E saiu.
2 – O engano
- Oi.
- Bom dia, pode sentar.
- Não.
- Como?
- Não.
- OK. Seu nome, por favor?
- Não.
- O que disse?
- Não.
- Acho que não estamos nos entendo muito bem, senhor.
- Não.
- O que exatamente o senhor quer?
- Não.
- Queira se retirar.
- Não.
- Agora!
- Não.
- O que está acontecendo? Por acaso o senhor é louco?
- Não.
- Então o que?
- Moça, meu irmão disse que hoje em dia, no mercado de trabalho, um sujeito deve sempre contestar e contrariar idéias impostas à força. Eu digo NÃO!
3 – O mal entendido do “mono-termo”
- Bom dia.
- Olá.
- Pode se sentar.
- ...
- Seu nome, por favor?
- Rui.
- Como?
- Rui.
- Nome completo, por favor.
- Rui...
- Hã...
- ...Castro...
- Hã.
- ...Mendes...
- Hã!
- Faria.
- Só?
- Só.
- Idade?
- 30.
- Casado?
- Não.
- Grau de escolaridade?
- Primeiro.
- Como?
- Primeiro.
- Primeiro o quê? Primeiro colegial, primeiro grau completo, o quê? – ela já estava impaciente.
- Isso.
- Isso o quê?!
- Grau.
- O senhor tem o primeiro grau completo, está certo?
- Isso.
- E o segundo não, certo? – perguntou ela, se preparando para escrever.
- Tenho.
- Ah, você tem o segundo também?
- É.
Ela preferiu não continuar.
- Empregado?
- Não.
- Profissão?
- Dono.
- Dono?! Do quê? Seja mais específico, por favor.
- Fábrica.
- Mas o senhor trabalha...?
- Trabalho...
- Não, eu não perguntei se trabalha, perguntei com o que o senhor lida no trabalho.
- Sardinha.
- A que vaga vai concorrer?
- Isso...
- Qual vaga?!
- Advogado.
- O senhor está satisfeito com o atual emprego?
- Não.
- Quanto tempo está disposto a trabalhar por dia?
- Sete.
- Sete horas?
- Isso.
- Espere um pouco, o que há de errado com o senhor? Você chega aqui, respondendo com mono-termos, dizendo somente uma palavra de cada vez, e me diz que quer o emprego de advogado?! Sinceramente, eu nunca vi um advogado que se recusa a falar mais do que isso, francamente...
- Voz.
- Como, voz?
- Eu.
- Como...
- Dor.
- O senhor tem dor, ficou sem voz? Ah, agora eu acho que entendi, o senhor fala tanto que fica até sem voz no seu trabalho? Por isso não está falando...
- Gasp!
4 – Woman in blue
- Oi! – disse a mulher de azul, entrando na sala.
- Oi, sente-se, por favor. Fique à vontade.
Ela se sentou.
- Seu nome...?
- Artura.
- Como?
- Artura.
- Não entendi.
- Artura.
- Oi?
- Artura.
- Mais uma vez.
- Artura.
- Ah. Que exótico, quem te deu esse nome?
- Minha avó. É feminino de Artur. Do Rei Artur.
- Ah... interessante – disse a moça do blazer caro – Bom, vamos começar conversando sobre seu currículo.
- Tá.
- Vejo que tem muitas aptidões, como por exemplo... informática. Aqui diz que a senhora tem conhecimentos profundos de MS-DOS, Word, Excel, Power Point, Corel Draw, Windows em geral, Internet, linguagem de programação, hardware e até conhecimento técnico da área! Estou impressionada.
- Obrigada.
- Hã... vamos ver. Vou comentar algumas coisas referentes à computação com a senhora, certo?
- Certo.
- Como explica sua facilidade para mexer em computadores?
- Bom, na verdade é uma coisa muito fácil para mim. Eu vejo muita novela, sabe, eu realmente assisto todas elas, e eu conheço muito a TV, eu vejo muito. Sei mexer bem na televisão lá do quarto, e quando fiquei sabendo que tinha esses micros, eu quis comprar um, e já sabia tudo logo de cara! É a mesma coisa que TV.
- Certo... – disse a moça do blazer caro, anotando algumas coisas – E qual é a configuração com a qual a senhora está acostumada a lidar? Por exemplo, em casa, qual o computador usado?
- Não ouvi.
- Qual o computador que a senhora usa em casa?
- Ah. Olha, ele é desses aí comum, tem a tela...
- Seria o monitor?
- Não sei se é não. Sei que é a tela do micro. Que nem a TV...
- Ah, tá, já entendi. Interessante.
- Isso. E tem os botões, o joystick de rodinha...
- Joystick?
- É, com rodinha, um que americano fala que é o mouse, não sei falar...
- Ah, certo, certo.
- Ah, e tem o caixotinho, aquele que é uma caixa, e acende as luzes quando liga... tem o som, um monte de coisa...
- Certo. Uma pergunta casual: a senhora tem e-mail?
- Meio de o quê?!
- E-mail. Bom, esquece, não era importante, vamos prosseguir. Aqui diz também que tem grandes habilidades com línguas em geral, não é mesmo?
- Yes.
- Nossa, que impressionante, gostei da espontaneidade! – disse a moça, fingindo surpresa ao ouvir a outra mulher.
- Thanks.
- Gostei de ver, mas eu preciso testar um pouco seus conhecimentos.
- Don’t problem.
- Hã... já sei. Me fale sobre você, durante um tempo, em inglês, e eu avalio o que você diz. Pronta? Pode ir.
- É... I am my name Artura Bolota, is good name, is my avó idea. Artur King, you no? É... ah, have two meninos, one quatorze other vinte e um, they study very a lot na school. My marydo has name called José Marcos, he I like very. Is good my house, big house... hã... empregada Mary help I in limpeza domést...
- OK, está ótimo, já é o bastante. Obrigado – disse a moça de repente, meio tonta. Estava ligeiramente enjoada. Se levantou e foi buscar água no bebedouro – Só um minuto.
- Você is OK? O que houve, woman? Say for I.
A moça do blazer começou a sentir tontura dentro daquela sala, e Artura foi acudi-la, sem parar de dizer frases em seu inglês exemplar.
- I did well in entrevista? How is me? How is me? – dizia, sacudindo os braços.
A moça de blazer correu para o banheiro.
5 – O exemplar
Um homem de terno azul marinho entrou na sala, com toda formalidade, e apertou a mão da moça, todo confiante. Um pequeno sorriso cortês.
Se sentou.
Todo bem penteado e barbeado, com seus óculos de aro bem fino, ele cruzou os dedos e aguardou.
- Bem, vamos começar pelo seu nome...
- Euclides.
- Completo, por favor.
- Você não havia dito.
- O que?
- Que supunha-se que eu dissesse o meu nome completo.
- Ah, sim, me desculpe...
- Euclides Hércules Fineza – disse ele, limpando a garganta em seguida. Seu olhar era calmo.
- Obrigada.
- De nada.
- Bom, Euclides, através da análise de seu currículo, podemos ver que é um trabalhador muito produtivo, capaz, organizado, muito inteligente, correto, tem senso de ética, capacidade para liderança, não tem vício nenhum e não apresenta de forma alguma características negativas. Isto está correto?
- Corretíssimo.
Ela estava chocada.
- Euclides, podemos ver que o senhor tem grande crédito devido às empresas onde já trabalhou, e às escolas onde esteve, e eu diria que a nível de...
- Perdão, desculpe interrompe-la, mas não pude deixar de notar o pequeno porém grave deslize que a senhorita cometeu ao dizer, inconscientemente, o termo “a nível de”. Note, senhorita, que o termo usado não é gramaticalmente correto, não podendo ser usado em nenhum caso, sejam quais forem as orações usadas. O “a nível de” não existe, senhorita. Pode prosseguir, por gentileza.
Em seguida ele voltou a se encostar na cadeira, sério, e atento à moça.
Ela ficou um pouco abalada, mas prosseguiu:
- Obrigada...
- De nada – respondeu ele de imediato.
- ... bom, podemos citar várias aptidões em suas habilidades, como por exemplo...
- Perdão. Só um momento, permita-me realizar uma correção necessária. “Como por exemplo” não pode ser usado. Vou fazer a explanação.
- Como?
- Explanação. Sinônimo de explicação, ensinamento. Vamos lá. O “como”, neste caso, já está demonstrando a idéia de que segue-se um exemplo. Ao dizer, depois, o “por exemplo”, estamos repetindo uma idéia já existente. Estamos dizendo duas vezes que iremos dizer um exemplo. Ou usamos o “como”, ou o “por exemplo”. Lembre-se! Pode prosseguir agora, por favor.
- Obrigada.
- De nada.
A moça estava inquieta devido à personalidade pertinente de Euclides. Resolveu acabar com aquilo, e teve uma idéia.
- Senhor Euclides, uma pergunta importante.
- Pois não?
Ela ficou um tempo aproveitando o momento, e disse, pausadamente:
- Qual desses emprego aqui o senhor acha que é os mais melhor de bom?
- Perdão...
Ela não deu tempo a ele para corrigi-la.
- Melhor de bom. Mais melhor...
- Espere, a senhorita...
- ... mais bom, mais grande, menos pequetito...
- Gasp.
- Quer que eu comece uma frase com pronome?
- Eu...
- Euclides, ouça bem: Lhe perguntei qual emprego prefere! Lhe perguntei! Lhe disse!
- Não! Não! Frase começando com pronome é covardia! Não!
- Há!
- Gasp. Meu ponto fraco! Frases começando com pronomes! Argh!
- Ah, quer dizer que achei sua fraqueza, seu defeito, Euclides? Ingnorante. Ingnorância. Proufessôra. Crianssa imbencil. Urço roza.
- Ai, o Urço roza não! Já é sujeira, sua covarde!
- Isqueite. Você anda de Isqueite? Gostas de salxixa?
- AAAAAAAAAAAAAH*
- BANG.
Ele caiu ao chão.
6 – Um estranho conhecido
Ele deu duas batidinhas espertas na porta e, sem nem aguardar resposta, já entrou, ativo e sorridente.
Ela, em sua mesa, estranhou um pouco, mas não disse nada, apenas indicou o lugar para ele se sentar.
- Bom dia! – disse ele.
- Bom dia, você é o senhor...?
- Há.
- Como?
- Há. Vai me dizer que não se lembra?
- Me lembro do quê? – ela estava confusa.
- Como é possível isso? Eu!
- Você?
- É, eu me lembro muito bem de você, como você pôde...
- Por favor, queira ser um pouco mais claro...
- Ora, eu sou o Gordo!
- Que gor... peraí – ela se concentrou, com a caneta nos dentes.
- Faz um esforço...
- Não, não pode ser você.
- Mas sou.
- O Gordo?...
- Esse mesmo.
- Mas... o gordo... ele era...
- Gordo?
- É!
- Ora, eu andei me cuidando melhor desde aquela época...
- Percebi! Meu Deus, como você está bem! E aí, como tão indo as coisas? – perguntou a moça do blazer caro.
- Ah, as coisas tão bem, eu me casei ano passado.
- Você...! Se casou?! Que maravilha, estou contente de ouvir isso! – disse ela, se levantando e abraçando o Gordo - Realmente, eu não tinha reconhecido, você era uma bola, eu lembro muito bem... você ficava se jogando em cima dos outros garotos com o seu peso, e depois, quando eles ficavam presos, você...
- Eu peidava.
- É, isso mesmo! Ah, os velhos tempos...
- Sinto saudades, também... e você, está fazendo o quê?
- Ah, você sabe, nada muito estável... terminei a faculdade de administração e arranjei uns trabalhos de secretária, auxiliar de escritório... e agora a agência de empregos me pegou...
- Ótimo, ótimo. Você também parece estar bem. Você continua muito bonitinha, sabia?
- Ah, Gordo, não vai começar, né?
- É sério, fora de brincadeira, você era a mais desejada da classe, pergunte aos outros!
- Faz tanto tempo... ah, pra falar a verdade, eu nem sei o seu nome.
- Como?
- Desculpa, é que todos sempre te chamaram de Gordo, e eu nunca...
- Tudo bem, sem problemas... eu me chamo Luís.
- Luís? Legal. Nossa, mas o pessoal sumiu mesmo, hein?
- É, nunca mais encontrei ninguém, desde a despedida no colegial...
- Aquela noite, hein? – disse ela, sorrindo.
- Pois é. Você tem visto alguém?
- Não... soube que a Cátia engravidou, o Felipe perdeu o pai...
- É, isso é muito mal. Mas gostaria de saber como está o pessoal...
- Escuta aqui, Gordo – disse ela, de repente – Você então nem me convidou para o casamento, hein, seu cabeça de vento?
- Mil perdões, Rita. Eu juro que teria chamado, teria chamado a escola inteira pra ir, mas você sabe, todo mundo perdeu contato, ficou um negócio meio difícil, pra você ver, eu nem chamei o Sérgio.
- Peraí, Sérgio... – ela fez um esforço.
- O Sérgio, o Garça!
- Ah, o Garça! E aí, o que aconteceu com ele? Ele não tava envolvido numas campanhas aí de deficientes, drogados, algo assim...?
- É, era de ajuda aos drogados...
- E o que deu?
- Ele caiu nas drogas.
A moça teve um ataque de tosse.
- O Sérgio...
- É, somos todos fracos, no final...
- Não diga isso, Gordo. Nós estamos bem, não estamos? Nem todos se deram mal...
- Bem, eu estou aqui para arranjar um emprego... – disse o Gordo, sorrindo.
- Ai, eu tinha até esquecido! Gordo, você veio pra que vaga?
- Jornalista.
- Isso. Bom, acho que a entrevista a gente já fez...
- É, acabamos conversando sobre o passado!
- Bom, Gordo, acho que já que a gente se conhece há tanto tempo, e tão bem, acho que a entrevista ia ser inútil, você não acha?
- É, acho que sim.
- Mas escuta... a gente precisa se ver qualquer dia, sem falta...
- Com certeza. Me passa o seu telefone, eu te ligo quando der, a gente chama a velha turma de sempre... nossas mulheres e maridos, todo mundo... e você, tá saindo com alguém?
- Estou, mas não é nada muito sério, estou apenas me divertindo, entendeu?
- Certo... aqui está o meu cartão, pode me ligar.
- Tudo bem.
- Então eu vou indo! Foi muito legal te encontrar, Rita! – disse ele se levantando e pegando o paletó.
- A gente se vê – disse ela.
- Peraí... e o emprego? – perguntou ele, antes de sair.
- Ah, desencana, Gordo, ele já é seu.
- Sério? Você é demais, Rita! Até mais!
- Tchauzinho.
E ele se foi, assobiando.