Houve tempo em que investi horas a fio em desesperados esforços para tentar reacender os meus neurônios, que, então, se encontravam em petição de miséria. Nessa batalha - ainda inconclusa, mas de cuja fase crítica saí vivo -, estiquei pescoço, contendo cabeça e tudo (pareço uma girafa?), submeti-me à reabilitação labiríntica (quase caí do 5º. andar), fiz ortopedia de olho (para deixá-lo mais musculoso) e enchi-me de medicações das mais variadas seitas.
Num daqueles dias, reparei, durante a aplicação de laser, na presença à minha frente de um valente cavalheiro para lá de idoso. Muito animado, ora cantarolava ele uma música, fazendo acompanhar-se dos pés, ora tamborilava com os dedos (das mãos) em cima do cartão de programação dos seus exercícios fisioterápicos.
Animei-me, então, a indagar, do pobre fisioterapeuta que me atendia, quem era aquela figura que aparentava já ter chegado, no barato, à glória dos seus 80 anos. Com surpresa, fiquei sabendo que ele recém fora promovido a noventinha! Bem, essa informação me foi passada pouco depois que ele, subrepticiamente, entrou num aposento destinado à realização de algum procedimento – honesto, assim supus. Mas, antes de entrar, ele reparou na minha “roupa” e aí nós nos cumprimentamos. Seu olá! foi sorridente e amigo.
A fisioterapeuta, encarregada da tarefa inglória de tentar aliviar as minhas mazelas, revelou-me, então, que todo mundo, na Ortosul, gostava dele, pois o mesmo estava sempre brincando com as funcionárias, inclusive, quando lhe dava na telha, azarando uma ou outra.
E mais descobri - o que me levou de volta à música referida no segundo parágrafo. O velhinho tocava violão! Talvez estivesse ele fazendo fisioterapia por ter adquirido uma LER, fruto da excessiva paixão que dedicava a esse instrumento. Essa hipótese, guardei-a para mim. Mas, de qualquer forma, tratava-se de uma pessoa admirável. O meu pai, que já contava, na época, 92 aninhos, certamente não era páreo pra ele. Ainda que continuasse a fazer o que mais gostava - simplesmente ler, este um esporte solitário e ainda visto como antipático neste país carnavalesco.
Refazendo agora (antes tarde do que nunca) o raciocínio de Schopenhauer de trás para frente ou de baixo para cima - qual Marx fez com Hegel -, esse comportamento alegre e descontraído seria um indicador seguro de invejável saúde, pelo menos para a sua faixa etária (eu também gostaria de chegar lá!).
Óbvia, essa conclusão, não? Difícil é manter o bom humor quando se leva uma pedrada por dia na cabeça ou quando a bruxa não cessa de morder, desavergonhadamente, o nosso traseiro dia sim, dia também. Mas há quem consiga – os iluminados! Alguém conheceu algum?? Me apresente, “please”!”please”!
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