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Humor-->Meu irmão pescador -- 14/11/2008 - 18:29 (Fernando Werneck Magalhães) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Já pequeno, porque cresceu menos “inté” que eu, experimentou – vítima da maldição de Laio – dificuldade de expressão verbal. Nada tão acentuado, entretanto, que lhe impedisse a exibição - posto que exibido era – de um temperamento bélico, aventureiro e expansivo. Apaixonado por um bom papo, a sua gagueira apresentava, como sói acontecer, variações – discreta em situações normais, tipo “céu de brigadeiro”, afligia-o quando em estado de estresse ou êxtase sufi.

Decidiu, então, atirar pela janela abaixo – e não afora, o que, entretanto, teria igual efeito psicológico – a sua coleção de soldadinhos de chumbo e passou a levar a vida na flauta, interessando-se, tão-somente, em colecionar amizades. Embora fosse um renitente apreciador yang do ronronar de uma gata yin, no íntimo reconhecia a superioridade filosófica da mais pura e utópica amizade.

Talvez – sei lá eu, grego, que pouco sei – por ser esta totalmente desinteressada e mais facilmente descartável, além de não requerer jurados compromissos sempiternos ou contratos com cópias autênticas e firmas reconhecidas. Mais conforme, portanto, o seu temperamento dionísíaco.

Houve época de sua vida, contudo, em que (fica aqui registrado o fato para a posteridade) procurou, sinceramente, enquadrar-se no sistemão. Formou-se em Engenharia Florestal – ramo recente da conservadora ciência engenharial, mas avançado em seu conteúdo ecológico. Porém, circunstâncias familiares, suponho (mas não juro) levaram-no a desistir de recolher-se a meditações em ambiente silvático. Interessou-se, pasmo eu!, por computação – e pluf! – virou analista de sistemas, aproveitando, suponho, a maior facilidade de arrumar emprego na “urbis’ desta “orbe”.

Pôs até terno e gravata – época heróica, essa, hein?! – e submeteu-se a regime de trabalho forçado em escritório por quase dez anos. Enfrentou banco e uma primeira estatal, da qual foi demitido ex-officio para, segundo consta, abrir alas para o coitado do filho de um coronel necessitado – não sei bem se o coronel ou o seu filho. Bons tempos aqueles!? Depois veio outra estatal, a última.

Foi demais para a sua cabeça. Mas podia tratar-se de uma crise temporária, tal como a explosão dos preços do petróleo. Decidiu entonces embarcar na terapia de um tal de Fisher, que lhe abriu a cabeça de vez. A verdade, conjectural e transitória, dos terapeutas virou a sua VERDADE – antes, o prazer; depois, o dever (exatamente, o oposto do pensamento e obra de seu pai, que também, lamento confessar de joelhos, herdei incondicionalmente – o que me fez algo de indecente chacota por parte de Demócrito no ano grego de 400 a.C.).

Daí que o seu maior prazer – como o meu agora – virou, justamente, jogar conversa fora. Passo seguinte: demitiu-se em caráter irrevogável, pois contrariava a sua ética politicamente conservadora onerar os vazios cofres públicos com a sua cortesã remuneração - que lhe parecia indevida, posto que excedia em muito a sua contribuição efetiva para o PIB.

Em paralelo e por uma questão de coerência interna do modelo, decidiu também banir o futuro como objeto de preocupação do seu presente. Apresentando-se um problema concreto, empenhar-se-ia ele em solucioná-lo, fazendo uso dos koans zen-budistas que a vida lhe ensinara. (Ou então, na base da cara ou coroa.) Se não conseguisse, que outro o tentasse.

Sem muito contratempo, vez que era simpático – especialmente quando não se punha a gritar como um recém-nascido –, conseguiu reestruturar o acordo de convivência com a mulher. Demitiram a pobre da serviçal e ele ocupou-lhe a cama. Embora o espaço físico per capita, que lhe sobrou, tivesse por certo encolhido (como o meu cérebro?), o fato é que o seu relativo isolamento físico e moral proporcionou-lhe, em compensação, um ambiente mais propício para dúbias reflexões existenciais – salvo melhor juízo .

Curiosamente, o rebelde à la James Dean (que sempre fora) não sentiu necessidade de romper com a sua religião de batismo, como tantos de sua geração o fizeram – inclusive este escrivinhador, só para dar mau exemplo às gerações futuras! Para gáudio de sua mãe (que também foi minha nas horas vagas antes de falecer), freqüentava a missa dominical (jamais aos sábados, por uma questão de princípios!) com certa freqüência, ocasião em que entoava, com o seu mavioso timbre de voz, “hit parade” beneditinos. Mas, no fundo mesmo, era completamente indiferente às grandes questões metafísicas e filosóficas – aquelas de arrasar quarteirão, exceto o dele, que muito prezava.

Não constituiu surpresa, portanto, que o seu referido espírito pseudo-budista – de viver o aqui-agora de forma radical -, o tivesse levado a emigrar para a praia, logo ali, o que aliás sempre fora a dele. Foi assim que acabou aportando, como eu na última crônica, justo em Arraial do Cabo. Falando claro (o que não é bem a minha especialidade), ele gostava mesmo era de pescar. Nas horas vagas, quem sabe, arranjaria jeito maneiro de faturar uns cobres que o ajudassem a sobreviver.

De consumista, ora pois, tinha pouco, pois nesse particular saíra ao pai, a menos de breve vacilo na adolescência. No início da operação despojamento, experimentou uma pobreza de fazer gosto. A irmã (nossa, de nascença) foi visitá-lo, mas decidiu impedir que o pai a seguisse, para poupar-lhe o choque de conhecer o buraco em que o filho se metera. Com quarto, sala e cozinha conjugados, seu piso era de areia, o teto de palha e as goteiras fluíam abundantemente de diversos vãos e desvãos.

Levava, assim, uma vida que o linguajar da época louvava como autêntica. Autenticidade essa a que se seguiu, quase de imediato, uma grande alegria – fora-se a gagueira! Agora, podia conversar sem a menor restrição. Fazia amigos em cada esquina. Amigos incondicionais, pois totalmente desinteressados. Afinal, um fato era voz corrente: que ele nada possuía e que, portanto, nada poderia oferecer-lhes em troca daquele nada. A não ser, claro, a dita amizade, nascida da mais pura e límpida simpatia.

Até que levou a primeira paulada de verdade. A primeira mulher, que em criança padecera de doença neurológica, viu-se de novo atacada pela bruxa. Desta feita, a recidiva paralizou-lhe progressivamente músculos e órgãos, levando-a a óbito. Seu luto foi sincero e profundo e, para a candente questão da manutenção das filhas, logo encontrou solução original, ainda que temporária – delas cuidariam os avós maternos.

Sobrevindo o inevitável - o que infelizmente sempre acontece -, tentaria contornar o problema doutra forma. Tendo como sogro um importante advogado na praça do Rio de Janeiro, não fazia sentido torturar-se com preocupações financeiras antecipatórias.

Com o passar do tempo, conheceu outra mulher (por coincidência, também do sexo oposto ao dele), que lhe deu mais dois filhos – um melhor do que o outro. Depois de mais uma menina – o primeiro e único filho-varão! Passado esse tempo, isto é, depois de penar o seu período iniciático de meditação em sua franciscana cabana, o pai-nosso-de-cada-dia veio, “ex-machina”, a comprar-lhe uma casa simples, mas suficiente para as suas parcas necessidades de hiponga. Nas horas de folga que a pesca lhe permitia, começou a fazer caixa com artesanato. Sentia-se então materialmente abastado – e de cuca fresca!

Até que, numa certa noite, saiu, na companhia do Judeu, o seu cão de alma mais que humana, para mais uma de suas pescarias noturnas no Pontão do Atalaia. Mas esse papo eu omito, pois ouvi dizer que parte dessa estória se intrometeu, com os devidos detalahes, em algum escalafobético (expressão dele, o Afonso) texto futuro.

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