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Erotico-->AS AVENTURAS DO PADRE DEODORO EM CAMPOS ETÉREOS — XIV -- 30/07/2003 - 07:43 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

À vista do mal-estar que estava provocando, Deodoro percebeu que precisava amaciar as expressões e corrigiu-se:

— Peço perdão pelo velho hábito magistral de professor de teologia. Admito que me encaminhava para um tratamento indigno da condição espiritual do meu nobre amigo Everaldo. Vou dar tempo ao tempo para entender as suas sugestões quanto ao fato de estarmos evoluindo. No que me diz respeito, estou observando as constantes mutações por que passam meus pensamentos, sempre surpreendidos por novas formulações nestes campos etéreos.

Todos queriam participar, de modo que precisou que Deodoro impusesse certa ordem:

— Vamos proceder alfabeticamente: Alfredo, Arnaldo, Hermógenes, Joaquim e Roberto. Com a palavra o primeiro.

— Eu não tenho o mesmo discernimento do companheiro Everaldo. Entretanto, a minha estadia neste purgatório é mais antiga, de sorte que posso trazer algo além de simples conjeturas. Permitam-me iniciar por uma citação. Em São João, capítulo XIV, versículos 1 a 6, lemos as seguintes palavras de Jesus: “Que seu coração não se inquiete jamais. — Vocês crêem em Deus.; creiam também em mim. — Existem muitas moradas na casa de meu Pai.; se isso não ocorresse, eu já lhes teria dito, pois eu vou para preparar o lugar.; — e, depois que eu tiver ido e lhes tiver preparado o lugar, eu voltarei e os levarei comigo, a fim de que lá onde eu estiver, vocês estejam também. — Disse-lhe Tomé: Senhor, não sabemos para onde vai.; como saber o caminho? Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, a verdade e a vida.; ninguém vem ao Pai senão por mim.” Nós sabemos que o Mestre falava em nome de Deus e que conhecia, por experiência própria, tudo sobre o que pregava. Se nos disse, ou melhor, se disse aos vivos que existem muitas moradas na casa de seu pai, afirmando categoricamente que diria outra coisa se outra fosse a verdade, então, é preciso confiar em que o lugar já está aparelhado, faltando que venha o Cristo de novo para nos conduzir até a morada em que habita. Ora, segundo o que nos foi dado constatar dentro e fora do mosteiro, as almas aqui se reúnem por faixas de vibração comuns. Nem os religiosos aceitam uma qualquer alteração do padrão que vigora no seu recinto, haja vista que expulsaram Deodoro.; como os que os atacam não recebem em seu meio ninguém que pense ou sinta diferentemente deles. Sendo assim, a minha primeira conclusão é a de que não importa o caminho que percorremos até aqui. O principal objetivo do grupo é buscar cumprir os desígnios do Senhor que Deodoro deixou claro quando nos chamou a atenção que andávamos em duplas por inspiração evangélica. Naquele texto de São Marcos, estabelece Jesus que o roteiro dos apóstolos (e nós não podemos pensar que não sejamos pelo menos discípulos) deve obrigatoriamente passar pela divulgação da palavra do Senhor. Isto é que me parece essencial. Sendo assim, sugiro que, após definirmos o grau de aspiração do grupo, buscando os objetivos comuns, partamos por este espaço, explorando-o e, sempre que nos depararmos com irmãos, individualmente ou agrupados em colônias, pelejemos por mostrar-lhes que cabe a todos nós devotar mais fé e confiança no Senhor, para que ele possa vir ao nosso encontro e nos levar, enfim, para aquela morada tão desejada.

Roberto quis fazer um reparo e foi atendido:

— Estou ainda aguardando que o amigo me ofereça alguma resposta concreta quanto aos problemas propostos por Deodoro e quanto à solução aventada por Everaldo.

Os demais enviaram vibrações mentais em apoio ao aparteante. Então, Alfredo saiu-se com esta:

— De que me adianta falar a respeito de minhas experiências? Vou reservar-me o direito de somente me manifestar quando estivermos diante do fenômeno. Por exemplo, para que não me acusem de dispersivo, o queijo que se fabrica para os colegas do convento comerem eu mesmo ajudei a preparar muitas vezes. Toma-se uma determinada quantidade de leite, o qual é fornecido aos padres por aldeões amigos, gente que se mantém em vida totalmente rural, possuindo, portanto, gado e plantações, segundo a natureza de sua morada...

Deodoro não conseguiu refrear sua inquietação e interrompeu:

— Pois o que eu quero saber é se as vacas são reais ou fictícias.

Alfredo não se perturbou:

— As terrenas ou as do etéreo?

— Claro que as daqui!

— Por que não perguntou a respeito das vacas da Terra?

— Como assim?

— Pois aí é que está. Para nós, neste momento, aquelas da Terra já não são mais do que o produto de nosso conhecimento armazenado no cérebro. Se bem pensarmos a respeito delas, vamos verificar que se estruturam a partir de elementos de organização específicos da densidade material, conforme o princípio da natureza de lá. Se tivermos ocasião de visitar o orbe, conforme é de seu interesse e curiosidade, iremos observar que aquelas vacas no pasto nada mais são do que fantasmas.

— Porém, os encarnados têm a exata sensação de que existem pelo leite, pelo queijo e pela carne que fornecem. E, se me permitir o gracejo, por certas chifradas até fatais.

— Pois são essas chifradas a prova mais veemente de que, um momento após, já estamos desafiando a nossa argúcia quanto à existência real delas, porque, para nós, o princípio existencial ganha outra dimensão. As nossas vacas aqui são tão reais, para nós, quanto são aquelas, para os humanos. Se não fosse assim, de que adiantaria ao Senhor possuir muitas moradas? É preciso que nos desvencilhemos da idéia de que a realidade que prevalece é a do mundo como o vivenciamos através dos sentidos. Prevalece, ordinariamente, enquanto estamos imersos nele. Ao nos desligarmos de uma determinada dimensão, segundo suspeito — e agora caio no campo das conjeturas, como Everaldo — teremos de configurar um novo campo energético, segundo uma realização existencial específica. Perdoe-me o professor de teologia, mas é preciso considerar os aspectos científicos inerentes a cada círculo de vida.

Deodoro pôs-se a refletir, sendo respeitado pelo grupo, mesmo porque ninguém ousaria interpor nenhum conceito às apreciações do companheiro, que ansiava, por seu turno, pelas considerações dos demais.

Bem que eu gostaria, refletia Deodoro, de saber como é que se executam as obras da morte dos animais, para a obtenção da carne. Se for como penso, não se admite que os seres aqui se possam considerar vivos, senão que existem em corpos indestrutíveis, apesar de irem tomando formas variadas, conforme a vontade dos espíritos que nele habitam. Não foi assim que eu vi crescerem-me os membros? Por outro lado, como os meus pensamentos estão sendo dirigidos aos companheiros, terão eles a capacidade de receberem o influxo telepático ou isso é primazia de quem está mais adiantado, como o meu amigo Eufrásio? Vou dar um pouco de tempo ao tempo, para que eles sintam o meu desejo de fazê-los entender a minha mensagem mental.

Realmente, antes de demonstrar que estava pronto para prosseguir a ouvir os parceiros de jornada, Deodoro permaneceu quieto, cabisbaixo, como em concentração. Não demorou para sentir, por sua vez, que alguém fazia menção de ter captado as ondas de seu cérebro. Ficou com medo, porque isso lhe devassava o íntimo, mas também se deixou levar pela curiosidade e, sem elevar os olhos, para não descobrir materialmente quem é que tentava a comunicação, perguntou, mentalmente:

— Quem estiver tentando entrar em minha faixa de ondas, que decline o seu nome.

Pareceu-lhe ouvir o nome de Alfredo.

— Confirme, por favor.

— Alfredo, Reverência.

Já ia erguer o rosto, quando ouviu outra transmissão telepática:

— Arnaldo, Professor.

Aí Deodoro se impacientou:

— Caso haja mais alguém tentando comunicação, suspenda o procedimento, senão não poderei comprovar... Ou melhor, resguarde-se para dizer-me que ouviu a minha ponderação.

Ao erguer a cabeça, percebeu que Alfredo estava com a mão erguida, solicitando permissão para falar.

— Pois não, amigo. Que é que você quer dizer?

— Em primeiro lugar, entendi perfeitamente a instigação do Mestre, para que resolva o problema da dor, o que resolve a questão de ter conhecimento de suas idéias. Mas também devo dizer que não é tão difícil assim, quando sabemos que a nossa voz é um mero processo imitativo e que a maior parte do tempo estamos mesmo a comunicar-nos através dos pensamentos. Sei que Arnaldo estava desejoso de indicar que também tomou conhecimento da pergunta a respeito da morte nesta esfera, como ainda que Joaquim...

Deodoro interrompeu-o:

— Deixe que o interessado se pronuncie.

Joaquim não se fez de rogado:

— Querido amigo, eu, Roberto e Everaldo estávamos tentando entrar na faixa aberta por Vossa Reverência, quando soubemos de seu intento de provocar-nos uma resposta cabal. Pois aí está. Quanto a Hermógenes...

— Eu também entendi as razões que levaram Deodoro a afastar-se da linha de ponderações de Alfredo, embora tenha posto fé em que as explicações brotariam naturalmente. Como não é a minha vez de me pronunciar, esperarei pacientemente para acrescentar, comentar, corrigir, aplaudir, o que for.

Deodoro estava muito feliz, porque começavam a captar as produções intelectuais uns dos outros. Aí lhe surgiu outra questão:

— A que distância lograremos uma comunicação sem ruídos, ou seja, sem interferências?

Foi a vez de Arnaldo responder:

— Professor Deodoro, mestre e pedagogo, a sua postura de aluno nos surpreende. Se pedíamos liberdade para pensar, não queríamos sugerir que nos desse o poder de ensinar.

— Espere aí, interferiu o coordenador dos debates, ensinar é uma palavra talvez muito forte. Você não acha?

— O que eu penso não tem muita importância. Troque o termo por outro mais conveniente e pare de corrigir os seus discípulos. Faça-o através de um sentimento de amigável consideração, sem palavras, que nós não estamos apenas aptos a captar-lhe as idéias mas também as emoções, estas de modo mais preciso ainda. Se você está recebendo a minha mensagem como um todo, sentimentos e pensamentos, terá como discernir a respeito de meu estado emocional. No caso...

— No caso, você está me passando uma lição de boa vontade e de perfeito controle do sistema nervoso, tanto que as idéias que recebo não se deixaram, como direi?, mesclar por nenhuma vibração indesejável, agressiva, ofensiva, prejudicial para o nível de amizade que se estabelece entre os do grupo. Aliás, não sinto nenhum distúrbio emocional em ninguém. Quem sabe seja eu quem apresente algum defeito de recepção.

Arnaldo prosseguiu:

— A nossa conversa está indo de modo muito dispersivo. A gente nem bem levanta os problemas e já surgem outras questões, provocadas, naturalmente, pela associação livre dos conceitos, já que os nossos interesses...

— Diga, interrompeu o monsenhor, que são os interesses de Deodoro, porque sou sempre eu que intervenho com outros temas.

Arnaldo sorriu e continuou:

— É verdade. Mas é preciso colocar um certo norteamento, para que se fixem diretrizes mais eficazes para que se forme a base de um conhecimento sobre os pontos mais importantes para quem está a descobrir ou redescobrir as lindes desta dimensão. Sendo assim, voltando aos problemas relativos à comida e à bebida, quando Alfredo disse que fazia queijo, sugerindo que se utilizava de coágulo natural, talvez tenha feito uma declaração não totalmente compreensível. Se até os queijeiros na Terra já empregam produtos sintéticos para o efeito da coagulação, aqui, com maior...

— Não querendo interromper, mas apenas para ajudar na sua dissertação, não me entra na cabeça que as vacas parem e que precisem produzir leite para os bezerros, isso sem levantar o tópico da procriação.

Deodoro falava e estremecia, com medo de que as requeridas explicações pudessem ferir algum preceito de boa convivência entre eles. Mas Arnaldo não deu demonstração de se ter suscetibilizado e seguiu adiante:

— Existem os animais como existe vida no etéreo. Se existe vida, como nós a entendemos, deverá existir também o fim da vida, ou seja, a morte. Mas agora a perspectiva tem de mudar. Eu não gostaria de falar a respeito porque são coisas muito simples que a justa observação de uma alma tão inteligente quanto a sua, Deodoro, daria conta de entender assim que se deparasse com o fenômeno. Concordo, neste ponto, com Alfredo, mas dou de barato uma simples explicação. Não é verdade que as almas retornam para reimplantes carnais? Se admitirmos esse ponto, elas têm de abandonar este círculo existencial. Esta é uma espécie de morte, porque o ser sai de uma dimensão para adentrar outra. Para os materialistas terrenos, o argumento, enquanto argumento, ou seja, enquanto uma especulação filosófica, não satisfará, porque não admitem a existência de uma alma imortal habitando o corpo perecível. A nossa visão, nesta fase da existência, precisa configurar, pelo menos, uma dupla realidade, de sorte que o que chamamos de vida, na Terra, talvez venha a ser conceituado como morte, no etéreo, tanto que os processos corpóreos incluem a presença do sofrimento físico, o que, neste nosso plano específico, não sentimos. Abro parênteses, antes que o professor levante mais uma suspeita, que existem outras moradas, para utilizar-me de um termo evangélico, em que a condensação do perispírito é tão forte que as pessoas se tornam objeto de pressões muito parecidas com as que o sistema nervoso leva ao cérebro para causar os sintomas da dor. Não podemos esquecer-nos de que pessoas terrenas existem que, por defeito de constituição orgânica, não têm a sensação da dor. Não nos esqueçamos de que também, sob hipnose, os cérebros reagem de maneira inconsistente com o habitual, quer não sentindo dor, quer sentindo dores sem causas físicas, apenas por sugestão do hipnotizador. Mas vou resumir, ex-abrupto, dizendo que as vacas do etéreo são criações mentais de quem necessita delas para o equilíbrio emocional, uma vez que se apoderaram de uma fatia bastante densa da realidade carnal e agora sentem profunda dificuldade em abandonar as estruturas ou arquétipos ideológicos que amealharam durante a encarnação. Sendo assim, não se espante o bom mestre, as viandas, queijos e frios que estavam sobre a mesa dos maiorais do convento tinham a mesma contextura das peças cenográficas do teatro, do cinema ou da televisão humana, apesar de facultarem o consumo, porque produzidas exatamente com os fluidos de que necessitam os espíritos para restabelecerem as suas energias, porque existe desgaste através do pensamento e das demais atividades, tal-qualmente ocorre no orbe.

A mente de Deodoro já percorria novos caminhos, mas não ousou enunciar os pensamentos, dando razão à advertência do orador quanto à necessidade de ordenar os assuntos. Mas interrogava-se:

A se dar crédito a todas essas informações, a vida aqui é a mesma da Terra, sem tirar nem pôr, o que me leva a concluir que Deus duplicou inutilmente a sua criação, porque não vejo necessidade alguma de passar por todo este processo vital. Melhor pensando, deveria dizer que a vida terrena apresenta certos absurdos de alheamento da verdade e de coerção através dos sofrimentos os quais de nada adiantam aos que não têm capacidade para absorver filosoficamente a existência. Até os religiosos, como pude constatar, ficam obsedados pela fulgurância da matéria, que a luz do Sol e a beleza do luar revelam, a ponto de criarem uma expectativa tola de salvação para um paraíso que imaginam igualzinho ao que Adão e Eva perderam. Como, porém, a minha condição intelectual me avisa de que Deus se mantém íntegro em sua realidade superior, eis aí aspectos que precisarei resolver, se quiser, no mínimo, voltar a palestrar com Eufrásio, que, esse sim, me pareceu falar coisa com coisa. Arnaldo, coitadinho, esforça-se, mas me dá a nítida impressão de andar em círculos. Terei alguma citação evangélica para ajudá-lo nesta difícil apreciação?

Barafustou cérebro adentro para ver se encontrava algo em apoio do discípulo e amigo. Percebeu, então, que se fazia completo silêncio ao seu redor, como se os outros estivessem lendo em sua mente, apesar de não estar tentando passar-lhes nenhum dado mental. Mas a dúvida mereceu uma observação de Hermógenes:

— Peço perdão por impacientar-me, que não é a minha vez de intervir, entretanto, tanto vale a minha palavra como a de qualquer outro, porque o que vou dizer...

Roberto desejou abreviar a manifestação:

— Pois diga logo!

— Na verdade, todos estamos cheios de dúvidas, de modo que seria bom que voltássemos às explicações sobre os pontos da pauta. Poderia Arnaldo esclarecer se as pessoas aqui, em algum setor do Purgatório...

Deodoro tentou ajudar:

— ... Umbral...

— ... do Umbral (obrigado, Professor), sabem que se enganam ao comer os seus bifes?

— Eis o que é possível verificar “in loco”, conforme a proposta de Alfredo. Basta que nos enfronhemos pela escuridão até encontrarmos alguma aldeia. Ali, cada um irá poder conhecer a verdade, tirando conclusões específicas muito proveitosas para o restante da teoria de que estamos necessitados.

Mas Deodoro, vendo que não era o único a dispersar o tema, exigiu:

— As vacas morrem ou não morrem, para fornecer esses tais bifes?

Não obteve, contudo, nenhuma resposta e sobre o grupo desabou pesado silêncio.

De repente, Deodoro teve um estalo:

— Ouçam este trecho de São Marcos, capítulo XI, versículos 12 a 14 e 20 a 23: “Assim que eles saíam da Betânia, ele teve fome.; — e, vendo de longe uma figueira, ele foi ver se conseguiria achar ali alguma coisa.; e, tendo-se aproximado dela, ele só encontrou folhas, pois não era tempo de figos. — Então Jesus disse à figueira: Que ninguém coma nenhum fruto seu.; o que seus discípulos ouviram.” “De manhã, eles viram, ao passarem pela figueira, que ela ficara seca até à raiz. — E Pedro, lembrando-se da palavra de Jesus, lhe disse: Mestre, veja como a figueira que você amaldiçoou ficou seca. — Tomando a palavra, Jesus lhes disse: Tenham fé em Deus. — Eu lhes digo em verdade que qualquer um que disser a este monte: Saia daí e se jogue no mar, e isso sem hesitar em seu coração, mas crendo firmemente em que tudo o que tiver dito acontecerá, ele o verá, com efeito, acontecer.”

Ao terminar a exemplificação, notou que os demais estavam em expectativa para as inferências, pois os olhares interrogativos demonstravam que não haviam atinado com a argúcia tácita dos argumentos.

— Posso garantir-lhes, disse Deodoro, que vi com clareza a relação entre o nosso estágio corpóreo atual e essa manifestação sagrada de Jesus. Eis o que penso. Quando Jesus nos diz que a figueira, apesar de verdejante e viçosa, deve ser amaldiçoada, é como a vida que passamos na Terra e que não produziu frutos. Sendo assim, nós estamos aqui como que em ostracismo, expulsos do paraíso terrestre, que foi no que transformamos a peregrinação. Falo por mim, que gozei a vida o mais que pude, embora sinta muita frustração cujo enunciado exato ainda não caracterizei. Se não houver ninguém que discorde, sigo adiante.

Aguardou uns momentos, mas, à vista do assentimento do grupo, prosseguiu:

— A segunda parte trata de confirmar a primeira, dispondo o Mestre o que devem fazer os discípulos para modificarem o ambiente em que atuam, orando com fé, para, segundo ele, mover as montanhas. No que respeita aos aspectos simbólicos da fala, podemos entender que as tais montanhas podem ser os entulhos mentais dos infiéis ou dos descrentes, dos materialistas e demais pessoas refratárias ao ensino da verdade cristã. Mas, além disso, podemos entender que, neste ambiente em que pairamos, a fé se consubstancia em vontade, para formarmos o mundo ao derredor. Vou ser mais específico. Quando os aldeões desejam criar suas vacas no pasto, apenas têm de acreditar que elas existem. Não sabem que possuem aquela fé inquebrantável para a estruturação de seu mundo, mas agem em consonância com o princípio elaborado por Jesus para os apóstolos.

Deodoro analisou os semblantes indagadores dos demais e julgou melhor esmiuçar o pensamento:

— A morte é simples passagem de uma dimensão a outra. Tudo bem. A dor é um sintoma físico de que algo no corpo não está de acordo com o que seria considerado normal. As vacas têm sua vida natural na Terra e os homens aprenderam a conviver com a idéia da existência da vaca para compor a sua paisagem ambiental. Exercem o poder da fé, inconscientemente, porque a sua vibração se dá no sentido da constituição do círculo em que existem, para equilíbrio psíquico, segundo as pobres conquistas de sua encarnação. Se fossem religiosos, construiriam um mosteiro.; se muçulmanos, uma mesquita.; se judeus, uma sinagoga. Quem é cozinheiro fabrica queijos e frita bifes. Não morrem as vacas nem sentem dor as realizações meramente virtuais. Esse é o poder da fé, segundo pude deduzir das palavras do Cristo, evidentemente endereçadas a um pugilato de mortais que ficaram sumamente impressionados com elas, tanto que as guardaram de memória para reproduzir depois. Segundo a minha experiência com os textos das parábolas, Jesus deve tê-los repetido muitas vezes, mas não deve ter passado aqueles três anos de peregrinação pela Judéia amaldiçoando as figueiras, para vê-las ressequidas e mortas, no intuito de passar uma lição aos que o seguiam. Sendo assim, esse caso isolado na vida deles deve ter repercutido com muita força em suas mentes ainda muito ingênuas, no sentido teológico ou filosófico, homens rudes que todos eram. E guardaram ainda mais. Eis como São Marcos dá seqüência ao texto, nos versículos seguintes: “O que quer que seja que vocês pedirem na prece creiam que vocês irão obter, e lhes será concedido. Quando vocês se apresentarem para orar, caso tenham algo contra alguém, perdoem-no, a fim de que seu Pai, que está nos céus, lhes perdoe também seus pecados. — Se vocês não perdoarem, seu Pai, que está nos céus, nem ele lhes perdoará em absoluto seus pecados.”

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