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Erotico-->24. NO DIA DAS MÃES -- 16/07/2003 - 07:15 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Tudo culminou num dia consagrado ao reconhecimento do valor das figuras maternas. Os maridos davam às esposas os presentes que gostariam de dar à própria mãe, que lhes faltara. Quase sempre, Odete e Maria passavam a data junto às suas progenitoras. Naquele maio, resolvemos almoçar juntos em minha residência, para o que contratamos os serviços de bufê, o que daria paz e tranqüilidade às homenageadas.

A presença de Rodolfo facultou o convite a Setembrina, que se obrigava a vir com o marido. No entanto, no último instante, este não veio, levando os dois filhos menores para visitarem a avó. O nosso relacionamento com a pretensa amante de Luís, porém, estava definitivamente selado e já a considerávamos da família.

Antes que chegasse com Orlanda e os outros dois filhos, conversávamos animadamente, estando Odete a recitar as novidades em seus serviços de amparo aos assistidos, carentes da favela que se formava em terreno invadido no bairro. Dizia-me ela:

— Claudinho, se você não estivesse tão envolvido com sua maneira toda própria de fazer caridade, iria ter muitas surpresas no campo da ajuda social.

Ana pôs o bedelho, sentindo-se chamada:

— Eu acho que você, querido, deve ouvir a sua cunhada, e não ficar levando o seu Espiritismo pro lado das teorias e dos protetores. Toda vez que ocupa a tribuna, lá vem com suas teses de animismo, de mediunidade, de mistificação, de mensagens apócrifas, de informações pessoais. Se der mais atenção aos pobres, mesmo aqueles coitados que vêm se comunicar sem saber que desencarnaram, irá compreender melhor o trabalho que Kardec prestou à humanidade.

Raul não perdeu a oportunidade para declarar o seu ponto de vista:

— Pelo que as moças estão dizendo, estou eu mais certo por pertencer ao grupo dos trabalhos forçados, justamente aqueles que rejeitei durante toda a minha vida de advogado e de corretor. Queria sempre fazer prevalecer o meu ponto de vista absolutamente fundamentado nas leis ou prescrever aos clientes a aquisição que lhes daria o máximo de contentamento, em troca de suas economias. Agora, consulto os mais entendidos, antes de fazer qualquer coisa.

Rodolfo mantinha sua postura de expositor:

— Estamos querendo ensinar o pai-nosso ao vigário. Quem é aqui o administrador de empresas? Quem foi que organizou todos os departamentos do centro, orientando para uma finalidade comum? Quem é que preconiza as campanhas ou aponta as necessidades, tanto materiais quanto espirituais? Da minha parte, faço o que posso, dando emprego ao maior número de operários, aceitando, inclusive, gente sem qualificação profissional, a quem ministramos cursos, pagando o correspondente aos que apenas estagiam e acomodando-os nos setores em que poderão ter maior produtividade. Sendo assim, faço-me advogado do Claudinho e aplaudo o seu discernimento quanto a dar força à família que se pôs em litígio com a nossa.

Eu queria apartear, porque não me sentia merecedor da enxurrada dos elogios, entretanto, Maria se adiantou:

— Pra dizer a verdade, se não fosse por você, meu cunhadinho, Dona Iná ainda estaria comendo o pão que o diabo amassou. Soube que ela recusou o último pagamento, afirmando que estava obtendo um bom lucro na lavanderia.

Aproveitei a deixa para uma palavrinha:

— Não só não aceitou como prometeu devolver a importância toda, conforme a entrada da féria mensal. O que me aborrece é o comportamento do Orlando. Sabem que ele não tem ido mais a nenhuma sessão espírita, de qualquer natureza?

Todos tinham uma tese a respeito do que fazer para reintegrá-lo ao movimento espírita. Contudo, nesse momento, chegava Iná e o tema congelou-se.

Veio com os olhos inchados e vermelhos, pedindo que lhe déssemos um copo d’água e um pouco de tempo para recompor-se. Orlanda agarrava-se a ela e os outros dois logo foram arrebatados pelos pequenos, para os brinquedos que tínhamos no quintal, desaparecendo de nossa vista.

No meio de respeitoso silêncio, Iná iniciou suas explicações:

— Briguei com Orlando e com o meu advogado, que não quiseram aceitar o meu pedido de desistência da demanda contra vocês.

Nós nos olhávamos com olhos ansiados. Mas ninguém desejou ir ao fundo da questão, perguntando sobre a paternidade da mocinha presente. Iná, no entanto, elucidou:

— Orlanda é filha de Orlando. Luís jamais foi meu amante. Ele me dava as mesadas porque recebia ordens superiores. Tinha a intuição de que os espíritos é que davam essa obrigação, conforme me disse muitas vezes. Esses mesmos espíritos me pedem pra que não revele os segredos deles, pra não prejudicar as pessoas. Raimundo tem sido muito bondoso e tem explicado como funciona o plano espiritual. Então, eu sei que vocês podem pedir às entidades que venham revelar o que quiserem, conforme os guias que cada um tem e que se manifestam no centro.

Raul fervilhava de alegria e se expandia em expressões de júbilo, mas não ofendia a mulher, pois permanecia ela de costas para ele. Via os seus gestos expressivos, como a dizer-me que sempre tivera razão, enquanto eu mesmo passava por péssimos momentos, como se, de repente, me visse completamente engodado. Precipitei-me, como sempre:

— Dona Setembrina, a senhora me enganou o tempo todo. Isso não se faz. Por que não me contou a respeito das intuições de Luís, dando-me a idéia de que era ele o pai da mocinha aqui presente, que, diga-se de passagem, é o retrato do pai, não fosse a indicação clara do próprio nome, conforme eu mesmo desconfiei e demonstrei aos outros?... A senhora vai me desculpar, mas estou profundamente decepcionado.

Rodolfo, que me defendera antes, voltava-se contra a minha atitude:

— Não seja incoerente, irmãozinho! Pode ter a certeza de que Iná está arrependida até o último fio de cabelo e que só fez o que fez porque se encontra nas mãos do marido e do advogado. Se não fosse por você, pelo seu gesto de desprendimento e de caridade fraterna, ela não teria vindo retratar-se. Não permita que ela peça perdão mas abrace-a, porque não teria sido outra a atitude de Jesus.

Ao mesmo tempo, empurrava-me de encontro a ela, que me recebeu a palpitar, sem sofrear mais o convulsivo pranto.

Perdoem-me o “convulsivo pranto”, que repito para atenuar o efeito das emoções que desequilibram e que levam a sentimentos contraditórios de condescendência e de angústia, porque, ao mesmo tempo em que satisfazemos o “ego”, com o rebaixamento do desafeto, nos condenamos, por nos sentirmos tão pobres em virtudes e dons evangélicos.

De qualquer modo, contaminou-se o grupo e todos se viram enxugando as lágrimas, desafogados e pesarosos. Será que houve um movimento íntimo de insatisfação, por terem visto que a menina não era do nosso sangue e não poderia fazer parte da família?

Essas idéias me passavam pela mente, enquanto Iná abraçava um a um, repetindo os pedidos de compreensão e os agradecimentos pela vida nova que abríramos para sua visão da realidade. Junto à janela, dei com as crianças correndo pelo pátio, todos entretidos com as brincadeiras, sem presunções de direitos ou de diferenças biológicas.

Passado o impacto sentimental, perto da hora de se servirem os aperitivos e tira-gostos, Raul voltou ao habitual sangue-frio de causídico e interpelou a falsa cunhada:

— O que você pretende fazer oficialmente? Vai comparecer perante o juiz e declarar que mentiu sob juramento?

— Revelarei a verdade, doa o quanto for. Foi preciso que alguém me desse apoio, pra que eu entendesse que não valia a pena continuar com o meu pedido. Se o juiz quiser me punir, cumprirei a minha pena. Nesse caso, peço que me socorram de novo, porque não posso deixar os meus filhos ao deus-dará, porque o Orlando está fazendo muitas tolices, já que vai ter de pagar pensão pra “ex”. Foi por isso que ele brigou comigo, achando que não vamos conseguir dar conta de todos os compromissos.

De novo, coube a Rodolfo trazer mais luz ao pensamento da turma:

— A vaga dele na fábrica está aberta. Basta que deixe de se lamentar. Não imponho condições nem quero que volte a freqüentar o centro. Seria muito bom mas isso vai ficar para mais tarde. Por ora, deve saber que não vamos desampará-lo nem por um minuto. Lembro-me de Jesus respondendo a Pedro que a gente deve perdoar não sete vezes mas setenta vezes sete ou mais. Que espíritas de meia-tigela nós seríamos, se nos esquecêssemos das normas mais simples do evangelho?!...

A lição aproveitava a todos, contudo, Iná não conseguia encarar nenhum de nós. Foi preciso que Maria a tomasse pela mão e desaparecesse com ela e com Orlanda corredor adentro, dando-nos oportunidade para os comentários imprescindíveis em relação aos tópicos que nos haviam sido revelados.

Enquanto Ana e Odete puxaram as cadeiras para perto de Rodolfo, Raul me chamou para junto da porta de entrada da sala, onde pudemos trocar algumas idéias, em voz baixa. Disse-me ele:

— Você deve estar pensando que essa dona nada tem de ver conosco. Agora ficou evidenciado que ela é uma estranha e que não tem o que fazer aqui. No entanto, a gente precisa tomar cuidado com os aspectos jurídicos, porque o pedido ao juiz está no nome de Orlanda. Talvez seja preferível deixar que saia a sentença e, se contrária aos nossos interesses, ou seja, à verdade, aí recorremos, juntando a declaração da mãe. Vou ter de conversar muito bem com o nosso advogado, porque não estou vendo como explicar o fato de que Luís dava a mensalidade a ela.

— Caro Raul, o mais espantado aqui sou eu, porém, não vejo como não entrar imediatamente com um requerimento instruído com quantas declarações sejam necessárias. Pelo que entendi, o marido não estava de acordo com a revelação, tanto que nem acompanhou a mulher. Se tivesse vindo, acho que seria mais fácil convencê-lo a ceder.

— Cláudio, você tem de entender que Orlando é “carta fora do baralho”. Não só ele não é legalmente o marido como nem tem o nome na certidão de nascimento da garota. Ele não influencia em nada. Por outro lado, a declaração de que é o pai vai repercutir negativamente no tribunal e o juiz poderá responsabilizá-lo também por desacato à Justiça. O caso mais sério é o de Dona Setembrina. Para não sofrer nenhum dano, deve requerer já amanhã que se retire o pedido, correndo, evidentemente, o risco de ser argüida pelo fato de induzir o sistema judiciário a erro.

— E se ela declarar que se dá por satisfeita com os benefícios recebidos?...

— Ela não pode fazer isso, porque o juiz entenderia que o direito de Orlanda estaria sendo postergado. Afirmar de novo que o pai é Luís vai ser o ponto de discórdia entre nós, depois do carnaval, perdão, depois da cena que fez em sua casa.

— Então, não dá pra entender a atitude de arrependimento, já que ela tem tanto a perder e nada a ganhar, a não ser do ponto de vista moral e espírita.

— O pai é Orlando. Ponto pacífico. Ela se afeiçoou à nossa família, em especial a você e ao Rodolfo e viu que praticava uma injustiça tremenda. Estava ao desamparo, sem dinheiro, ouviu o marido e o advogado dele e assinou a papelada. Não se esqueça de que o primeiro pedido era para continuar recebendo a mesada. Somente depois é que viram a brecha para penetrarem na herança do coitado do Luís, que só ajudou.

— Caracteriza a natureza do cão que morde a mão do dono que o alimenta.

— Não vamos, Claudinho, perder-nos em acusações. O mal (se é que houve algum) está feito. Temos de repará-lo.

— De qualquer jeito, Doutor Raul, vou fazer questão de levá-la à casa da mãe, que é a pessoa a ser homenageada por ela.

— Bem lembrado, mesmo porque a nossa família toda deve estar querendo ver-se livre da intrusa.

Não tivemos tempo para a definição mais correta da personalidade de Iná, conquanto eu pensasse em nomes bem mais contundentes e expressivos.

Maria devolveu Iná ao grupo e logo foi dizendo:

— Reconhece a nossa irmãzinha que é demais nesta casa e pede permissão pra retirar-se.

Adiantei-me:

— Permissão concedida. Faço mais: convido-a pra aceitar minha oferta de condução, porque dá tempo de ir cumprimentar a Dona Quitéria.

Setembrina olhou-me com ares de quem entendia o rude bota-fora. Cumprimentou todas as pessoas, enquanto Orlanda ia chamar os irmãos e saímos, ruminando eu que era a última vez que dava carona à intrujona.

No carro, perguntei-lhe:

— Pra onde?

— Pra minha casa.

— Não quer que a leve à sua mãe?

Ela meditou um instante e decidiu:

— A distância é a mesma, embora seja do outro lado da cidade.

— A senhora manda. Afinal, vou ver a ilustre desconhecida. Por que ela não reside com vocês?

Puxava conversa porque me parecia que o silêncio pesaria demais. Levando um assunto mais leve, a viagem logo se encerraria. Respondeu-me:

— Você não está sabendo que minha mãe saiu de casa logo que contei que tinha entrado na Justiça com o pedido de inclusão de Orlanda na partilha?

— Acho que ninguém sabe disso.

— Pois ela se recusou a aceitar que a gente fosse mal agradecida.

— Quer dizer que ela sabe que Orlando é o pai?

— Sem dúvida. E ficou furiosa com o genro.

— E seu pai?

— Meu pai, coitado, não tugiu nem mugiu. Foi cabisbaixo atrás da mulher.

— Dá pra você me esclarecer uma dúvida antiga?

— Pode perguntar. Hoje estou abrindo o jogo.

— Por que, na sua certidão de nascimento, não consta o nome de seu pai?

— A pessoa que se casou com minha mãe eu chamo de pai mas não é meu pai.

— Quem é seu pai?

— Meu pai é o seu pai. Somos irmãos. Entende agora por que Luís nos dava o dinheiro?

— Santo Deus!

A revelação pegou-me completamente desprevenido. Não sabia o que pensar ou o que dizer. Encostei o carro junto ao meio-fio e procurei sossegar o coração.

O impulso de acusar a mulher de falsidade se acentuou:

— Você não está inventando histórias?

— Não tenho mais o que perder. Minha mãe foi embora por que estava envergonhada, com medo de que a verdade fosse descoberta. Ela amou muito o nosso pai e não queria ver enlameado o nome dele. Aceitou a casa que ele deu, pensando que ele fosse largar a família, pra viver com ela. Não foi o que aconteceu, como você sabe.

— Quer dizer que ela era moça solteira, na ocasião?

— Solteira e virgem, se é essa a intenção da pergunta.

— O que você está sabendo a respeito de meu pai... nosso pai não ter ido viver com ela?

— Não me contou muita coisa. Mas está viva e você pode perguntar a ela. Não é uma mulher muito forte mas vai agüentar.

Enquanto conversávamos, eu olhava no fundo dos olhos para ver se divisava a alma de Iná. Eram translúcidos e profundamente verdadeiros. Fiquei com muita vontade de abraçá-la e chorar as dores antigas da filha abandonada. Afinal, beijei-a na face e murmurei:

— Bem que eu achava você muito simpática, digna do amor de Luís. Ele sabia que vocês eram irmãos?

— Talvez desconfiasse mas nunca perguntou. Não se esqueça de que, no tempo dele, era Dona Quitéria quem recebia a pensão.

Formei na cabeça a idéia de que Raimundo sabia muito mais do que se dignara contar. Julguei a atitude da amante de meu pai até certo ponto digna, pelo menos em fugir do escândalo e lembrei-me de elevar, ali mesmo, uma prece por ela. Antes mesmo de iniciar, passou-me pela mente a figura de mamãe, a sofredora, agora justificada plenamente, perante a prepotência do homem a quem devia obedecer e que não lhe fora fiel.

Setembrina, contudo, de alma lavada, com certeza por ter planejado sair do enrosco em que se metera, propôs-me:

— Claudinho (permita-me a intimidade), você acha justo contar tudo agora pro Raul, antes de minha mãe saber que dei com a língua nos dentes?

— Quer que eu seja bem franco?

— Claro!

— Depois de ficarmos na ignorância tanto tempo, acho que os seus melindres e os dela não têm sentido. Você falou em cartas na mesa. Vamos ver no que vai dar. Eu acredito que a reviravolta vai fazer o meu povo feliz, porque eu vi que estava todo mundo sentido em perder a sobrinha. Agora, são cinco os sobrinhos e a felicidade deve estar quintuplicada.

Falava o que me vinha à boca, sem nenhuma reflexão. Envolvido emotivamente, não era capaz de pôr as idéias no lugar.

Iná pegou em minha mão e fez menção de beijar. Fui eu quem trouxe as dela aos meus lábios, pedindo para os três que estavam no assento de trás que me dessem um beijo e que me chamassem de tio Cláudio.

Depois desse transbordamento afetivo, rogou-me Iná que a colocasse num táxi, porque, afiançou-me, queria que a mãe recebesse a notícia apenas através dela.

Ainda tive tempo de perguntar a respeito do processo mas não me respondeu, ou melhor, disse apenas que não sabia o que iria acontecer:

— O Orlando — complementou — vai ficar muito zangado.

Quando entrei na sala, notei nos semblantes que algo havia de estranho no modo de olharem para mim. Concluí de imediato:

— Vocês estão sabendo de tudo!

Foi Maria quem se aproximou, portando umas fotos.

— Veja, Cláudio, se você reconhece alguém.

Ela me mostrou três retratos seis por nove, em preto e branco. Havia um casal, a mulher carregando uma criança recém-nascida.

— É meu pai! Sem dúvida. E essa deve ser Dona Quitéria com Setembrina no colo.

Os outros dois flagrantes tinham sido tirados na mesma ocasião, com as pessoas em poses diferentes, numa das quais se via a criança no colo de meu pai e a outra, no berço.

Raul, que achei um tanto trêmulo, interrogou-me:

— Você sabe onde foram batidas as fotografias?

Examinei os móveis e pude verificar que se tratava da sala da casa de Iná.

Perguntei desde quando sabiam a verdade e Maria me explicou que Iná contou na hora em que se afastaram, tendo entregue as fotos, com a recomendação de não dizer nada a ninguém. Assim, até que foi bom que me tivesse posto a par dos acontecimentos, porque Maria não foi capaz de segurar o segredo. Eu mesmo não teria conseguido, tanto que havia forçado a prestação de contas entre filha e mãe.

O restante da manhã foi aborrecida. Queríamos aceitar Iná como irmã e, ao mesmo tempo, não sabíamos como reagir quanto às críticas que veladamente levantávamos contra o nosso pai, aparentemente muito feliz nos instantâneos.

Foi Rodolfo quem, de certa forma, deu sossego aos corações mais afetados, tendo comandado ligeira leitura do evangelho, com comovida prece em ação de graças por estarmos com boa saúde e suficientemente esclarecidos para compreendermos que a vida nos reserva surpresas, tendo em vista as atuações pregressas dos seres que nos deram origem e por causa também do nosso próprio desempenho espiritual.

Ficaram esquecidos os aperitivos, os vinhos e os licores mas as mães acabaram sendo efusivamente homenageadas, porque as crianças transformaram o ambiente meio lúgubre em festa de inocente benquerença.

No meio da tarde, os homens já jogavam bola com os petizes e as mulheres tricotavam os seus temas prediletos, com certeza prometendo envolver a nova parentela nas malhas de uma amizade sincera.

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