Aos poucos, Lourival foi compreendendo que não lhe fora de muita vantagem, como havia pressuposto precipitadamente, o fato de ter lido tantas obras espíritas. Julgava que o simples conhecimento lhe daria condições para vencer os problemas imediatos de ajustamento perispirítico, mas não percebeu que tais ensinos são secundários, precisando, antes e acima de tudo, amar ao Pai e, por via de conseqüência, a todas as criaturas.
A raiva contida pela esposa estava a demonstrar-lhe que, exatamente, a pessoa mais chegada durante os últimos trinta anos, havia ficado de lado nos ideais da benquerença. Do jeito que as coisas andavam, até a afeição dos primeiros tempos se transformaria em ódio, em desprezo, na negligência dos carinhos mútuos do fim.
Lembrou-se da lição do Espírito de Verdade e chorou.
Foi pranto sentido, lavado, íntegro. De puro arrependimento. De reveladora condição maliciosa dos dispositivos doutrinais, perfeitamente arranjados na mente para os efeitos dos lucros espirituais.
Pensou no farisaísmo hipócrita que o Cristo condenara e vestiu a carapuça, sem justificar-se perante a consciência.
Queria ver os protetores espirituais, que lhe foram muito bons durante todo o trajeto da mediunidade, mas se segurava no temor de ser recriminado.
Não compreendia que as obras meritórias que executara junto às mesas evangélicas estivessem sendo avaliadas na justa medida do desprendimento necessário para que as tarefas se revelassem conciliadoras com os desejos de crescimento espiritual.
— Que fiz eu de bom, afinal? Dediquei algumas horas da vida à assistência dos sofredores, sempre temeroso de estar enviando informações criadas pela minha rica imaginação. Eu mesmo não acreditava que pudesse estar servindo de instrumento para as transmissões. Quantas vezes não me surpreendi inventando situações que, depois, deixava transparecer nas palavras que dava por ditas pelos espíritos incorporados!...
Haveria de fato riqueza de imaginação?
Nesse ponto, foi cessando o choro e o pensamento começou a divagar em busca das razões que o haviam feito procurar o espiritismo. Relembrou os tempos junto aos pastores evangélicos e as longas querelas íntimas a respeito do dízimo e da destinação que lhe era dada.
Suspeitava de que a fé dos novos amigos de religião se satisfazia com as pregações e com as dádivas generosas. Chegou a desconfiar de que havia muita gente rica, cujo único propósito em se aproximar dessa forma cristã de reverenciar o Pai era o de amainar o medo de tudo perder. Em bom português, como costumava dizer, faziam verdadeiro seguro contra as labaredas infernais, mantendo o equilíbrio na terra por força de possuírem ganhos de capital e rendas. Era eficaz o discurso do sacerdócio interesseiro, segundo o qual, se não dessem, como iriam querer que o Pai retribuísse...
À época, sofreu diversas quedas financeiras e não pôde sustentar as doações no mesmo nível inicial. Sofria a pressão de Margarida, enciumada e caprichosa, temerosa de que o pouco que recebiam iria ser aplicado na benemerência a quem de nada necessitava.
— Afinal de contas, concluía, triunfante, quem era mais rico: ele ou Deus?
Diante de tantas vicissitudes, percebendo que o medo maior da esposa era que gastasse as ligeiras economias do casal com flores, receoso de que a onda de má sorte persistisse indefinidamente, buscou o auxílio da espiritualidade, crendo que as deidades do candomblé poderiam restituir-lhe a segurança material abalada.
Levou-o a tal crença a ameaça contínua dos sacerdotes das duas orientações religiosas anteriores, fazendo que não julgasse tão feio o diabo quanto pintavam.
Se tantos irmãos estavam envolvidos com os mistérios dos “despachos” e “trabalhos”, por que iria ficar de fora?
Lembrou-se Lourival dos primeiros tempos, quando se aproximou dos orixás e pais-de-santo com o coração na garganta, sufocado pelo temor de que iria ser despertado para o ludíbrio de quem não tem considerações ou respeitos.
Não queria reconhecer, mas as lembranças femininas do protestantismo estavam por trás de sua decisão de abandonar a seita. Intentara contra a honra de certa jovem senhora e fora repudiado. Tinha certeza de que o marido estava a par de tudo e só não tomara providências porque deixara a responsabilidade nas mãos da esposa. Desconfiava dos olhares dos pastores, como se estivesse debaixo de forte investigação. Temeu que o passado fosse revelado e juntou as revistas da fé com a Bíblia, transferindo-se de mala e cuia para o terreiro do sonoroso batuque.