No dia seguinte, estando Juvenal em seu repouso matutino, foi advertido de que havia alguém para visitá-lo.
Correu para ver quem era e teve a gratíssima surpresa de ver que Glorinha viera de novo, desta vez sem a companhia da tia.
— Que grande prazer você me dá! Você não deveria estar no programa?
— Deixei a televisão.
— Como assim?
— Não vou trabalhar mais lá. Acho que serei mais útil se continuar sua empregada, se você me aceitar de volta.
— Não estou entendendo nada. Não era o que você mais queria na vida?
— O que eu mais quero na vida é estar ao seu lado, mesmo que você nem olhe para mim.
— Mas minha menina...
— Não sou sua menina. Eu sou uma mulher que sabe muito bem o que deseja na vida.
— Você sabe por que estou internado?
— Sei. É porque não consegue amar a ninguém, desde que era pequeno. Sua mãe o abandonou e você ficou traumatizado. Eu ouvi seu tio explicando para minha tia. Eu entendo bem o que seja isso porque perdi meus pais num desastre. Foi quando minha tia me recebeu. Só que eu era bem pequena. Ontem eu senti a sua reação quando soube que eu também o havia abandonado. Suas lágrimas me comoveram.
— E quanto aos seus planos de faculdade?
— Uma coisa não impede a outra. Continuo estudando. Quando chegar a hora...
— Não tem isso de “quando chegar a hora”. A hora é agora. Você vai voltar e vai reaver o emprego.
— Já desfiz o compromisso, mesmo porque não havia ainda assinado o contrato definitivo. Eles me disseram que não me devem mais nada nem eu a eles, porque estava em período de experimentação. Eles falaram em estágio probatório. O meu chefe até me disse que se arrependia muito por não ter feito que eu assinasse um contrato. Eu estaria presa e não poderia sair sem mais nem menos.
— Ele não lhe ofereceu um aumento de remuneração?
— Não, mas perguntou se eu não estaria sendo levada para outra emissora.
— E não está?
— Até agora, não. Minha tia é que não gostou da decisão. Ela me disse que outra chance como aquela eu não ia ter mais na vida.
— Ela está sabendo que você veio me ver?
— Eu contei tudo, mas ela não quis me acompanhar. Disse que me entendesse com você, afirmando que “dos males o menor”...
Juvenal ousou passar a mão pelos cabelos da moça e sentiu que ela se entregava ao carinho, sem opor resistência. Foi assim que eles se aproximaram e se beijaram, comovidos e surpresos por perceberem que estavam envolvendo-se afetivamente.
Para o rapaz, tudo aquilo era novidade. Ele jamais havia tido uma namorada, alguém com quem tivesse trocado qualquer jura ou promessa de amor. Entretanto, apesar de lhe haver tomado ambas as mãos e de olhá-la no fundo dos olhos, criou coragem para dizer-lhe:
— Estou com muito medo de que estes nossos sentimentos possam transformar-se em algo monstruoso. Eu preciso...
Não pôde continuar, porque Glorinha o puxou de novo para si, agora aconchegando-se ao peito do rapaz, murmurando:
— Meu amor, eu não vou pedir-lhe nada além de um emprego. O que eu quero é ter outros momentos tão felizes como estes. Vamos pôr a nossa felicidade futura nas mãos de Jesus e de nossos protetores espirituais. Se for para não dar certo, pelo menos teremos algo muito bonito para recordar.
Enquanto começavam a fazer planos, tendo Juvenal a primeira idéia de entrar para o ramo dos restaurantes para que Glorinha não perdesse sua vocação, o mesmo enfermeiro da véspera trazia o Doutor Moacir para observar as reações do paciente.