Assim que Juvenal desceu do táxi diante de casa, aproximou-se dele aquela mesma estafeta dos desconhecidos que lhe passou um embrulho, sem dizer palavra.
Antes que abrisse o portão, o celular soou:
— Pronto.
— Não pergunte nada. Ouça com atenção. Você está ficando descuidado. Só abra o pacote em seu quarto, longe das empregadas. Também tem de se dedicar mais aos estudos. A quantia que lhe entregamos representa um bom investimento. Não perca a oportunidade.
Juvenal introduziu uma pergunta num repente:
— Por que eu?
— Porque para você se trata de trabalho e não de prazer. Veja se me entende. Dedique-se bastante à Química. Mas continue preparando-se para a Faculdade de Turismo. O ramo da hotelaria nos cairá muito bem.
Em seguida desligaram.
No celular ficou registrado o número de onde foi feita a chamada. Uma busca rápida revelou-lhe que se tratava de um telefone público perto de sua casa. Estavam esperando por ele.
Ao entrar, Margarida veio ao seu encontro. Desejava receber as ordens do dia e prestar conta do que haviam feito. A conversa foi breve, revelando o jovem que passara a noite em claro e que acabava de chegar do velório. Precisava descansar.
Sendo assim, aprovou o relatório e fechou-se no quarto, onde abriu o pacote. Lá estava um envelope com um maço de dinheiro, o suficiente para cobrir todo o ganho dos melhores meses do comércio das drogas. No fundo da caixa, outro pacote, pesado. Abriu com cuidado e encontrou a arma que havia abandonado no cinema, com o respectivo coldre.
Juvenal franziu a testa querendo compreender como é que não percebera que estivera sendo seguido. Julgara que fora ardiloso o suficiente para se desfazer do revólver e agora se via diante de um mistério dos grandes, difícil de resolver.
“Essa gente é muito poderosa. Evidentemente conhece todos ou quase todos os meus passos. Será que me darei bem aceitando seu patrocínio?”
A pergunta não obteve uma resposta satisfatória. Viera para casa até que feliz, restabelecendo o horário que mais lhe agradava da noitada seguida do sono durante o dia. Agora, deitado, não conseguia pregar os olhos. Calculou que, se não fizesse como lhe mandavam, sua vida de delinqüente juvenil o levaria à cadeia ou diretamente ao cemitério.
Ficou ainda uma hora rememorando os acontecimentos que o forçaram a se desfazer da boca de fumo, acabando por suspeitar de que a denúncia feita à polícia bem poderia ter partido daquela organização.
“E se eu tivesse sido preso?”
Desta vez a resposta lhe pareceu clara:
“Eles teriam feito que eu escapasse ileso. Com certeza, têm alguém infiltrado no comando da polícia.”
Concentrou-se no fato de saberem sobre sua opção de estudos, mas achou que era um fato conhecido, tendo falado a respeito aos colegas do período noturno e do período matutino, inclusive respondendo a um questionário da escola. Até Armando tinha conhecimento disso. Era, portanto, impossível saber de qual fonte eles obtiveram a informação. Além do mais, Ângela e os coleguinhas de Lutécia o ouviram falar a respeito. Imaginou que a irmã pudesse ter revelado sua intenção até pela Internet, desconfiando que algum dos correspondentes bem poderia ser da quadrilha.
Súbito, a figura da mãe entrando no hospital lhe veio à mente. A lembrança do velório da irmã a colocou ao lado do esquife, em lágrimas.
“Quem ela pensa que engana? Lágrimas de crocodilo. Ela é quem merecia ocupar aquele caixão.”
Destilou um veneno forte contra a mãe, recordando-se dos tempos em que o abandonara com o pai e a irmã. Seu ódio foi num crescendo até imaginá-la no lugar da irmã, recebendo uma saraivada de balas.
Finalmente, cedeu ao cansaço e dormiu até às duas horas da tarde, quando soou o despertador. Acordou muito sonolento, tendo dormido pouco. Mas queria conversar com Ângela para saber como é que seriam as tardes de estudos.
O almoço ainda não estava pronto, porque Margarida julgou que o rapaz dormiria até bem tarde. Mas faltava apenas concluir o cozimento da mistura, uma vez que o prato principal estava preparado.
Ao sentir o odor da comida, Juvenal percebeu que estava faminto. Desta feita não fingiu e comeu à vontade, elogiando muito o tempero.
Estava ainda à mesa, quando chegou a professora. Vinha com três alunos novos.
Margarida fez que esperassem na sala, enquanto o rapaz não terminava a sobremesa. Mas este deixou a compota de abacaxi no prato e foi ao encontro dos recém-chegados.
Ângela fez as apresentações dos três novos alunos, todos demonstrando muito mais vivacidade, maturidade e interesse que os anteriores:
— Milena, Patrícia e André. Estão no terceiro ano, preparando-se para o vestibular. São excelentes alunos. Estão precisando de reforço na área de ciências naturais. Somente o básico, porque não vão utilizar essas matérias nos cursos que irão escolher.
— Eu ia pedir-lhe para dedicar-se mais à Química.
— Podemos começar por aí.
Nesse ponto, a professora diminuiu a sonoridade da voz para dizer ao pé do ouvido de Juvenal:
— As duas mocinhas não vão conseguir acompanhar as aulas, a não ser que se faça uma revisão completa do primeiro grau. Elas estão em escola pública e não sabem muita coisa. Só iriam atrapalhar o seu avanço. Acho melhor dispensá-las.
— Você não disse isso a elas?
— Eu mostrei que estão muito fracas em todas as matérias e disse que não iriam aproveitar as aulas mais adiantadas.
— O terreno está preparado. Eu falo com Margarida. Ao menos estavam interessadas?
— Não muito. Acho que estão preocupadas com outras coisas.
— Namoro?
— Vida social no colégio. Margarida exerce o cargo de governante também na casa dela.
— Entendi.
Em seguida, Juvenal explicou que dormira pouco e que só acordara para conversar com ela. Sendo assim, pediu dispensa da aula para descansar, deixando a professora à vontade com os novos alunos.
Na cozinha, encontrou Margarida ajudando a sobrinha a lavar a louça. Ele a chamou de lado e explicou o que a professora havia dito, sem aumentar nem diminuir nada, concluindo:
— Penso que elas vão ficar mais sossegadas realizando as tarefas e indo embora duas horas mais cedo. Gostaria que entendessem.
Sem esperar resposta, dirigiu-se ao quarto, encontrando Valéria no corredor:
— Eu não sabia se era para abrir a porta, já que o senhor passou a chave. Preciso arrumar a cama.
— Vamos combinar assim: quando o quarto está fechado, você não entra. Certo?
— Certo. Quer que eu dê um jeito nele agora?
— Não é preciso. Vou me deitar de novo.
Passou-lhe pela cabeça efetuar um teste sobre a acessibilidade da empregada, mas desistiu, porque lhe pareceu que seria mal interpretado. Não faltaria ocasião. Quando abriu a porta, já Valéria havia descido a escada.
Deitou e teve idéias sensuais, recordando-se da noitada nos braços de uma prostituta conhecida. Logo adormeceu com o despertador preparado para despertar às cinco e meia. Às seis, chegaria Elvira.