Existem pessoas que arrastam os companheiros para resoluções felizes ou infelizes, por sugestões não propositais. Dizem que o exemplo é fundamental para o incentivo à ação e tais pessoas, sem saberem, vão praticando ações para as quais é necessário coragem. Como as conseqüências são positivas, os demais se julgam no mesmo direito, seja o resultado moral, seja imoral.
Estou pensando nos males que me causou papai, porque, na última hora, não vi que poderia estar sendo o elo de terrível corrente, ao podar-me a vida.
Quando lia nos jornais que mais esta ou aquela pessoa havia colocado fim à própria vida, era como se me aliviasse do peso do trespasse de papai, como se os desgraçados pudessem amparar-se mutuamente, contra as acusações que sofreriam.
Na época, não punha muita fé nessas cobranças de pós morte, em todo o caso, para me garantir, achava que o número dos suicidas era tão elevado que se justificaria esse expediente dramático para o coroar dos sofrimentos físicos e psíquicos. “A união faz a força” era o modelo de sabedoria popular que me estimulava para a compreensão e até a simpatia dos que desamparavam os parentes, parceiros e colegas.
Quando criei o estímulo para a crítica dos atos de meu velho, ao ler os recortes, achei que dera ele rasteira nos credores, abandonando o lar definitivamente, embora, em sua ausência, não tivesse como comprovar que Mercedes fora espoliada de todos os haveres, tendo a justiça referendado a ação policial. Tudo transcorreu pelos ditames legais e nós só não ficamos totalmente arruinados porque tínhamos avós para nos garantirem, mal e mal, a sobrevivência e os estudos.
Desde a época do curso colegial, determinei-me a seguir a carreira jurídica, de modo que trabalhar foi o incentivo suplementar de caráter negativo, para a demonstração de que o sacrifício valeria a pena. Colocava os fins para justificarem os meios e não media esforços nem privações.
Os procedimentos acabaram ligando-se no fundo da personalidade para o efeito do enriquecimento, motivo pelo qual não restringi a participação de seres como Criseide, que eu sabia viciada e metida em movimento subversivo, nem dos criminosos apanhados na rede das forças policiais e militares.
No curso da vida, sofri tremendamente a coerção do número, quer dizer, a sociedade como um todo favorecia-me o raciocínio retórico para a diminuição da responsabilidade. Estudei o direito antigo, tendo percebido o quanto de malícia sempre houve na proteção das camadas aristocráticas das sociedades. A Revolução Francesa foi tópico que me balançou as convicções, até o momento em que percebi que se estabilizara de novo a sociedade e o governo, de forma a garantir as posses dos que se assenhorearam do poder, em detrimento dos que perderam a ascendência sobre os magistrados, sobre a força policial, sobre os constituintes, em nome das leis que se derrogaram, para que os registros de posse se inutilizassem perante o direito de usucapião. Claro está que a história registra os recursos dos que se sentiram lesados e a devolução de muitas propriedades, tudo de acordo com a abjuração aos princípios do antigo regime a que se obrigaram os impetrantes, recitando a cartilha pelas novas fórmulas, aplaudindo as mudanças e ajudando a dizimar os tolos que não reformularam os padrões de vida.
Perdoem-me o excurso em matéria em que não sou bom. As imprecisões constituem a confirmação de que me valia de pensamentos fugidios para a configuração do arbítrio.
Mas papai foi a pedra de toque do sistema que eu havia criado para a apropriação indébita de bens. Quando me vi desesperado pela morte dos filhos, já sem Mercedes para me dar apoio e sem Criseide para me arrimar, conquanto fosse muito mais causa para a perpetração do suicídio, pensei em me unir a tantos outros que me antecederam na viagem forçada, à qual apenas considerava como com hora marcada ao invés da surpresa dos eventos, como no caso de Geraldo e de Francisco, ou do tremendo sofrimento de ver o organismo deteriorar-se, como Mercedes.
A humanidade deveria ser melhor conduzida pelas forças espirituais. Não quero transformar o mundo, mas a história do sujeito que colocou as abóboras no alto da árvore pode ter fundamento, no sentido de que o pensamento de quem ignora as razões das coisas deveria receber influxo de maior benevolência, abrindo-se os canais do relacionamento entre os planos, para mais eficaz explicação de como funciona, na realidade, o sistema do bem e quais as funestas conseqüências dos atos impensados, malévolos, prejudiciais, quer em relação ao próximo, quer contra a própria pessoa.
Sei que posso parecer estúpido solicitando algo tão drástico para a contextura fluídica da matéria universal. Entretanto, não foi essa a preocupação do Cristo, quando se incorporou à sociedade humana, trazendo sua sabedoria maior? Não tem sido esse o objetivo de tantos benfeitores, que se utilizam dos médiuns para a elucidação dos tópicos filosóficos em descompasso com os anseios da espiritualidade contígua às esferas imediatamente mais avançadas?
O que quero propor é o rompimento das leis estabelecidas pelo Pai. E não vou assinalar em que sentido ou por que forma. As circunstâncias deverão delimitar-se pela necessidade de mais rapidamente os seres conseguirem progresso no campo dos sentimentos, já que, intelectualmente, é perfeitamente exeqüível a absorção dos valores evangélicos.
Falo por mim e penso naqueles tantos que desandaram na existência, sem terem a faculdade intelectual vinculada ao desenvolvimento dos sensores intuitivos.
Tal reivindicação é impossível de atendimento? Prego, então, voltando ao ramerrão dos contatos mais simples dos atos mediúnicos tais quais são praticados, para que os leitores não se deixem embair pela maciça presença da sociedade em todos os recônditos da mente e da vontade, pelos usos e costumes de que todos se deixam impregnar, conforme disse acima, segundo insuspeitos carismas dos seres que exemplificam as ações, para que nós, imitando as idéias, aceitemos a injunção do regime político, econômico, religioso, cultural, científico etc., em toda a sua abrangência.
Não gostei de ter sido robotizado. Eis a conclusão que desejaria ver todos aprovando, após a verificação de que a liberdade que pleiteamos é a escravização, afinal, às estruturas que se insinuam na personalidade, desde que somos no ventre das mães.
Desculpem-me o discurso protelatório da narração. Discurso eivado de aspirações pueris. Diria melhor infantis ou juvenis, não fossem os elementos de insensatez próprias do desequilíbrio do adulto que desperta para as falácias incrustadas na mente, as quais, até há pouco, considerava o apanágio da integridade humana e da superioridade espiritual.
Vou ficando por aqui, crente de que tenha agitado tema crucial para o entendimento da história e para a responsabilidade da mensagem.