Não precisava, tendo em vista a análise das tendências pessoais coincidirem com o observado, mas saí, nestes últimos dias, para conhecer a maneira pela qual os indivíduos reagem às informações fornecidas pelo plano espiritual.
Forçoso era, portanto, que perlustrasse as mentes dos que aceitam as teses espíritas, freqüentando o movimento organizado há algum tempo, durante as sessões de debates e de leituras, as exposições e palestras e até as manifestações mediúnicas pautadas pelas explicações de teor doutrinário teórico. Em suma, deveria avaliar o resultado das comunicações, para o progresso intelectual e moral dos seres encarnados.
Durante a vida, não quis sequer ouvir falar em Espiritismo. Será que os praticantes, os filiados, os seguidores estariam afeiçoados aos princípios filosóficos e ao cabedal científico necessário para a compreensão dos aspectos técnicos ou mecânicos dos fenômenos mediúnicos, que são, em última análise, os meios pelos quais os do etéreo se comunicam?
Antes de responder, devo atender ao princípio da causa.
Que foi que me levou a investigar esses elementos subjetivos das reações psíquicas dos crentes e dos praticantes?
Foi a desconfiança de que estaria obrando junto ao médium de forma inócua. Parti do pressuposto de que as obras de Kardec, que li com surpresa e assombro, respondem proficientemente a todas as inquirições possíveis, dado, especialmente, que o Codificador foi emérito no questionar dos benfeitores espirituais que o assistiam.
Por outra: que perguntas poderia responder que não estivessem já exaustivamente explicadas?
Responderam-me os mestres que deveria encetar a pesquisa, para compreender como é que os mortais encaram as teses emanadas do plano espiritual superior.
Encafifei a idéia de que a humanidade, segundo princípios metodológicos hauridos das próprias exposições kardequianas, deveria estar muitíssimo mais avançada no conhecimento das verdades últimas, conquanto devesse presumir que tivesse havido contínua evolução, sem retrogradações, como se observa facilmente no que respeita aos conhecimentos científicos. Se os homens são capazes de entender os mecanismos físicos, químicos, biológicos, matemáticos do Universo, mais facilmente deveriam ter assimilado as noções morais que se fixaram nas obras, sem acréscimos de vulto, a não ser pelas informações esporádicas de entidades de luz, espalhadas, por certo, pela literatura espírita, desde quando Kardec deixou a liça material.
Não houve, pois, surpresa, ao me deparar com imensas resistências intelectuais dos homens e mulheres participantes do movimento espírita, quanto à necessidade de aperfeiçoar os conhecimentos.
Pela experiência que trouxe da última encarnação, suspeitei de que as pessoas não se deixam embair por desenvolvimentos retóricos. Para o povo, em geral, é muito mais fácil acreditar no sobrenatural, no maravilhoso, nos milagres, na força e no poder dos espíritos superiores e mesmo dos ingratos e infelizes, no encantamento da intervenção ou intercessão de seres de eleição, como as diferentes Nossas Senhoras ou o próprio Jesus-Menino junto a Deus, do que estabelecer sério e conseqüente roteiro de estudos e de discussões.
A bem da verdade, resguardo os que agem de maneira correta, para a vivência pelas normas evangélicas, segundo o caminho indicado por Kardec. Em quase todos os centros espíritas, encontrei a afirmação destacada de que se deve estudar Kardec para viver Jesus. Nos corações, todavia, seja pela fragilidade deste observador, seja porque os observados assim se revelaram, não senti mais do que a lídima intenção de cumprir o lema em epígrafe, sem a devida dedicação. Os mais sinceros, os mais capacitados, os mais inteligentes encaminham-se, desde logo, para o trabalho junto aos necessitados, esmerando-se na assistência material, derrotados pela ignorância destes, pela má vontade, pela deliberada intenção de se aproveitarem do que julgam mera inocência ou excesso de culpabilidade social.
Então, concluí: por que escrever textos tão complexos e tão desestimulantes, páginas de extremos de exigência quanto ao entendimento das mensagens psicológicas, quando nem os elementos fornecidos por Kardec merecem da grande massa simples consideração? As pessoas lêem os livros mais fáceis, dedicando-se a “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de preferência. Os médiuns buscam “O Livro dos Espíritos” e “O Livro dos Médiuns”. Apenas uns poucos dirigentes se atrevem a folhear “A Gênese”, quase sempre sob o estímulo da necessidade do exemplo. Para surpresa minha, dado o descrédito que imprimi à pesquisa, muitos leram “O Céu e o Inferno”, no incitamento natural das idéias que traziam de outras religiões, para saberem como é que o Espiritismo resolvia a questão do destino após a morte.
O mais são leituras de romances e pequenas obras de mensagens poéticas em prosa de boa qualidade, quase sempre no intuito de encontrar lenitivos para sofrimentos morais causados por dificuldades de relacionamento familiar ou por perdas de parentes queridos.
Livros como este, que está sendo construído à base de muito sacrifício, no decorrer das sessões de aprendizado evangélico, ficam estagnados nas prateleiras, corroídos pela curiosidade das traças e cupins.
Aqui sou obrigado a referir-me à participação do Professor Jeremias.
Enquanto ia eu ao encontro das aspirações dos mortais, vinha ele ao meu encontro, para sufocar-me o pessimismo das teses:
— Que esperava achar, Paulinho, que você já não soubesse?
Devo explicar que a conversa se deu depois de ter-lhe mostrado o teor da mensagem acima, escrita para esta tarde.
— Não tinha esperança de descobrir grandes feitos morais ou intelectuais. Mas desejava encontrar, entre os do Movimento Espírita, muitos com o saber na ponta da língua.
— E não é assim mesmo que ocorre com os irmãos envolvidos?
— Pelo que senti da reação deles, a maioria sofre da perversidade da dúvida. Kardec escreveu, argumentou, demonstrou, transcreveu as mensagens dos espíritos superiores, provou pelos fatos e comprovou pelas idéias, fazendo a descrição anatômica dos fenômenos mediúnicos, motivando os textos com a História da Humanidade e com as descobertas das Ciências. Mas ficou no passado. Cada vez mais, apesar das multíplices edições das obras, a linguagem vai afastando-se da mentalidade reinante. Para chegar até ele, tem o homem atual de rejeitar o próprio mundo, constituído de imagens vertiginosas que adentram seus domicílios e se decodificam nos tubos catódicos dos aparelhos de televisão. O homem está desacostumado aos raciocínios puros. As crianças, nas escolas...
— Vejo que o velho hábito de advogado não está perdido. Entretanto, não me respondeu à pergunta. Vou repeti-la. Não é verdade que os irmãos trabalhadores da seara espírita realizam suas vidas, pelos preceitos da Doutrina de Kardec?
Eu não via aonde iam as intenções do instrutor. Resolvi concordar, mesmo porque a minha opinião, deveras, estava eivada de pessimismo. Julgara os homens preconceituosamente, talvez com o desejo embutido na alma de não prosseguir neste posto, por oferecer à luz dos humanos os resultados depreciativos das pesquisas conscienciais. Naquele minuto de interrupção, enquanto aguardava as observações finais do preceptor, admiti que agira sob o influxo do orgulho, da vaidade e do egoísmo, as três bestas-feras da Humanidade. Recolhera informações nada gentis, quando deveria ter valorizado o mínimo que cada um estava fazendo em prol dos demais, na expectativa legítima do lucro pessoal, no campo evolutivo. Então, respondi:
— Na minha condição atual de postulante a aluno da “Escolinha de Evangelização”, vejo-me na contingência de me restringir aos fatores de meu desregramento, não ajuizando sobre o procedimento alheio, ou cairei no artigo da lei que determina que ninguém deve julgar ou medir ou...
— No momento em que esse conhecimento das prescrições cristãs se integrar à nossa personalidade, estaremos aptos a dar um passo à frente na senda da perfeição. Escreva para os humanos tudo o que você pensou. Reproduza este diálogo. Anule, se possível, os reflexos emotivos provocados pela vontade de esconder as deficiências da personalidade. Mas expresse a verdade. Você verá que nenhum dado irá oferecer que Kardec já não tenha desenvolvido. Contudo, talvez a sua mensagem possa levantar problemas atuais e isso é benefício a ser levado em conta, mesmo se nada vier a ser do conhecimento de ninguém, além dos companheiros do grupo e do médium. Você acha que todas as lições de Jesus se encontram registradas nos livros sagrados? Por certo o Nazareno deve ter conversado com muitas pessoas sobre problemas específicos. É mais do que evidente que esteve tratando de pontos da lei do interesse dos doutores e demais intelectuais da época. Isto está mencionado nas escrituras. Acredita você que alguma obra dada aos olhos dos homens poderia conter toda a extensa sabedoria de ser tão excelso? Se eu lhe der corda, provavelmente você irá dizer, com Kardec, que os espíritos afirmaram que nem tudo transmitiram, não apenas porque seriam incompreendidos, como ainda porque desconheciam grande parte dos fenômenos cósmicos. Contente-se em obrar a favor de possíveis leitores. O mais virá por acréscimo de misericórdia do Senhor.
Quando me deixava abater pela forte descompostura que via nas doces expressões de censura e de orientação, Jeremias concluiu:
— Faça o máximo possível. Deixe a crítica para os mais doutos. Isso inclui você mesmo, dentro de algum tempo, porque a evolução é processo contínuo, sem retrocessos. Se existem pessoas incapazes de entender o norteamento filosófico da Doutrina Espírita, a obra permanece, cada vez mais divulgada, para que, uma hora ou outra, o encontro se dê. Será que Kardec não pensava assim? E Jesus, achava que a Humanidade se salvaria de repente? Pense sobre isso.