Usina de Letras
Usina de Letras
34 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62388 )

Cartas ( 21335)

Contos (13272)

Cordel (10452)

Cronicas (22545)

Discursos (3240)

Ensaios - (10442)

Erótico (13578)

Frases (50775)

Humor (20067)

Infantil (5484)

Infanto Juvenil (4802)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140866)

Redação (3319)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1962)

Textos Religiosos/Sermões (6231)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Erotico-->27. CONVERSA LEAL E FRANCA -- 01/02/2003 - 08:15 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Maria esperava o marido com ansiedade. Tinha a certeza de que voltaria com a resposta definitiva a respeito do destino que daria à vida. Julgava que, no ambiente do Centro Espírita, havia facilidade para a troca de confidências e de carícias, na escuridão em que ficavam imersas as pessoas. Imaginava que os médiuns produziam barulho, batucando sobre os tambores, encobrindo os relacionamentos lascivos dos amantes. Punha um inferno carnal de lubricidade no ânimo dos que se rejubilavam em saber que a morte não era o fim dos desejos e dos vícios. Deixara-se influenciar pelas novelas, onde os terreiros da Umbanda são mostrados como terríveis centros de perversidade, principalmente pelas danças e pela inconsciência das pessoas, como se possuídas estivessem por demônios. No fundo, tinha grande medo e preferia ficar absorta na televisão, acreditando que Deus iria perdoar todos os pecados do mundo, bastando ter sofrido na vida. E ela estava bem sortida de dores e angústias, tendo em vista os desacertos dos filhos e do marido. Ainda bem que Deodato estava recuperado. Aliás, pensando bem, concluía que estava muito melhorado e punha o feito como resultante da benquerença da desconhecida viúva, que lhe deveria estar dando amplas satisfações sentimentais e sexuais. Fora esse o principal pensamento que a levara a aceitar o retorno ao lar, uma vez que carregava a vergonha do adultério na proeminência da barriga. Não admitiria ser acusada de nada, porque tinha para si que o marido vivera sempre muito livre, conquanto nunca comprovara nenhuma traição. Nem a vizinhança viera soprar coisas em seus ouvidos. Entretanto, o interesse demonstrado pela outra mulher fazia suspeitar de escorregadelas durante o tempo em que...

Nessa altura das divagações, aborrecia-se, porque não podia jogar na cara dele nenhuma prova concludente. Acrescentava que, se não fosse do jeito que conjeturava, ele não teria tido tanta paciência para com ela, uma vez que não lhe endereçou nenhum termo ofensivo, limitando-se a afastar-se fisicamente, ao contrário, do aspecto moral, que não ofendera nenhuma vez.

Pensava em dizer-lhe para ficar. Pensava também em mandá-lo embora. Não sentia nenhuma necessidade de sua companhia. O tempo que passou fora esteve bem. Não se intimidava com o fato de os filhos terem ficado dispersos. Mantivera o feto na barriga nem sabia direito por quê. Aquele policial estava farejando pelo local, como se estivesse determinado a surpreender qualquer ato criminoso, para apanhá-la com a boca na botija. Durante a época que viera ler para Cléber, parecia inteiramente dedicado a fazer o bem. Depois, desaparecera. Levara os tiros mas não mandara nenhum recado. “Por que”, perguntava-se, “o marido se agarrara tanto a ele?” Aí, voltava a pensar nas licenciosidades do Centro e nas relações íntimas com a viúva.

Esses pensamentos não evoluíam. Ficavam rodopiando pela mente da coitada, criando foros de verdade, como se a cristalização das mesmas suposições se incrustasse por dentro do cérebro, criando profundas raízes.

Quando Deodato chegou, as meninas dormiam. Maria estava com a televisão ligada, porém, não prestava atenção no vídeo. Também não dormia, apesar de cansada. Parecia-lhe que a vida iria decidir-se naquela noite.

— Conversou com ela?

— Não.

— Mas eu não lhe falei...

— Não deu.

— Como não deu?

— Eu não quero falar na frente das pessoas.

— Pois chamasse a mulher pra um canto.

— E você pensa que é fácil? Lá todo mundo trabalha. Não dá pra ficar dando bandeira.

— Que bandeira, que nada! É só pôr as cartas na mesa. O que está certo está certo.; e fim.

— Eu não quero que as pessoas falem dela. Se for pra fazer alguma coisa, vou fazer bem feito.

— Duvido e faço pouco.

— Que quer dizer com isso?

— Você pensa que vou acreditar que vocês ainda não...

— Não diga mais nada. Nós não fizemos nada. Nem eu propus nem ela deu chance nem provocou. A nossa conversa foi a de duas pessoas que não se conhecem e que são apresentadas.

— Nada de abraços nem de beijos no escurinho?

— Você está fazendo idéia errada...

— Você é que está querendo me enganar.

— Não tenho nenhum motivo. Se tivesse feito alguma coisa com ela, eu te diria, sem vergonha nenhuma. As minhas bebedeiras, eu nunca escondi. Agora, estou sentido, porque dei tanta preocupação a você e às crianças...

As palavras de Deodato despertavam a maior surpresa na esposa. Não o supunha tão consciente. Começava a acreditar em que não houvera nada mesmo entre os dois. Então, havia a esperança de ele ficar, para tomar conta dos filhos, pelo menos.

— Quando você pretende conversar com ela?

— Eu acho que você ainda não me deu a resposta definitiva. Quando eu lhe perguntei se queria manter o casamento, era pra vivermos juntos. Devo dizer, a bem da verdade, que, no começo, não queria ver você nunca mais. Se não fosse Josefa (desculpa falar o nome dela), eu não teria procurado você. Mas estes últimos dias estão me lembrando do tempo em que nos conhecemos. Se você me aceitar, eu posso ficar vivendo aqui em casa. Do jeito que estamos. Até que nasça a criança. Aí, nós podemos ver como é que vamos levar a vida, com Cléber e com Gaspar aqui juntos.

— Como é que você tem se virado?...

— Não estou me virando com ninguém.

Maria despertava para os desejos sexuais, contudo, não se atrevia a se aproximar. Queria dar uma indireta, mas não achava a palavra mais propícia, com medo de ser revidada agressivamente. Afinal, era patente que tivera outro homem. E Deodato insistindo em que não houvera outra mulher... Resolveu humilhar-se:

— Você nunca teve outra mulher?

— Só quando era solteiro. Mas isso você sempre soube.

— Nem uma vez, depois de casado?...

— Nunca precisei. Nossa vida era muito boa, até que os filhos começaram a causar tantos transtornos. Quando caí na bebida, tudo ficou pior. Eu pensava que, se me aproximasse de você, iria ter de alimentar mais uma boca e aturar mais desaforos ou cabeças de retardados. Estava ficando maluco. Agora eu sei que devo agradecer a Deus cada uma das crianças. Devo também fazer de tudo pra dar um pouco de conforto e de amor. Mesmo que você não me queira ao teu lado, pelas crianças eu fico aqui, até o fim.

Estavam sentados ao lado um do outro. Maria, fez menção de pegar na mão do marido. Este recolheu o braço.

— Não precisa se rebaixar...

— Preciso pedir perdão...

— Eu fui culpado de tudo, até desse filho que você carrega...

— Você não foi culpado de nada. Não é fácil...

— Talvez não fosse fácil antes. Agora, vai ser possível. Você vai ver. Mas eu não quero que você rasteje porque errou. Quem é que não erra? Não foi Jesus quem mandou atirar a primeira pedra?...

Essas tiradas evangélicas desconcertavam a pobre mulher. Em sua cabeça, o marido devia estar vivendo tremenda confusão, tendo os espíritos a lhe fustigarem a cabeça com suas maldades. No entanto, aparecia equilibrado, ponderado, com idéias de perdão, de trabalho, de amor.

— Se você acha que dá pra voltar a viver comigo, numa boa, então, fique. Diga pra viúva que ela tinha razão, que eu estou precisando de você muito mais do que ela.

Cada vez mais Deodato se frustrava quanto às intenções de se ver livre dos problemas de casamento em desalinho total. No íntimo da alma, queria ouvir da mulher que o dispensava, que desejava viver sozinha, que bastava aquela metade do salário. Não se alegrava com a decisão de aceitá-lo outra vez. Temia volver à bebida. Era o temor assombrado das coisas indefinidas. Não podia ter certeza do futuro, quando Cléber, Gaspar e a outra criança estivessem com eles. Com a cabeça pensando mais claro, sem os eflúvios do álcool, lembrava-se de que existia uma vida carnal a recompor. Com Josefa, essa parte estaria satisfeita. Com Maria, havia elementos de repulsa, de repugnância, de ressentimento, de raiva. Não atirava pedras, não arremessava palavras, mas arremetia os pensamentos e os sentimentos num remoinho de emoções desencontradas, parecendo que Jesus estava no fundo da imaginação, desaprovando os revoluteios mentais. Adquirira as noções básicas mas não criara a necessidade de pautar o procedimento pelas normas e leis evangélicas. Se conseguisse consultar o protetor, iria surpreender-se pela alegria que este estava sentindo. Se pudesse ouvi-lo, iria admirar-se pela expressão de encorajamento, extraída diretamente da concepção dos que almejam melhorar-se, pensando mais nos outros do que em si mesmos. Havia egoísmo e isso o benfeitor espiritual não negaria. Mas havia também comiseração, solidariedade, desejo de acertar e repúdio ao passado de falhas.

Maria não insistiu em acariciar a mão de Deodato. Sentiu que havia algo não resolvido e que o marido não voltara especialmente para restabelecer os laços matrimoniais. Estava sendo movido pela piedade paternal. E estava desejoso de envolvê-la na responsabilidade de criação dos filhos. No entanto, achou que era sincero, que estava pondo, como ela pedira, todas as cartas na mesa. Intuiu que deveria dar mais tempo ao tempo. Olhou para a barriga e amaldiçoou os dias de irreflexão. Sentia, porém, muita ternura pelo ser que se movimentava em seu ventre. Envolvia-se no halo da maternidade e se deixava embalar pelas sensações mais gloriosas de seu privilégio de mulher.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui