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Erotico-->25. FAMÍLIA REUNIDA -- 30/01/2003 - 06:51 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Tomar emprestado um caminhão, com motorista e ajudante, foi fácil. A promessa de uma garrafa de aguardente e de futuros préstimos na área do almoxarifado liberaram os amigos, mesmo porque a viagem era curta e o serviço mínimo. A bem da verdade, entre sair da garagem e voltar, não se passaram mais que duas horas.

Foi assim que Maria e as meninas se viram de novo instaladas na antiga residência. Ninguém estava particularmente contente, ainda mais porque o prometido aparelho de televisão lá não estava.

Na noite anterior, Deodato havia procurado pôr tudo em ordem, mais ou menos de acordo com a arrumação da época da mulher. Evidentemente, não conseguiu e, mesmo que estivesse tudo no lugar anterior, sempre haveria do que Maria reclamar. As panelas, sobretudo, estavam encardidas e as roupas, um lixo! No entanto, as prateleiras do armário da cozinha ostentavam mantimentos em boa quantidade.

As poucas coisas trazidas do barraco acomodaram-se perfeitamente, em rápida distribuição. O que ressaltou logo para o marido foram as roupas das filhas, trapos, verdadeiramente. Suspeitou de que eram os uniformes de pedintes envergados recentemente.; e não estava nem um pouco longe da verdade.

— Como é que vamos dormir? — Maria estava desejando ficar com a cama de casal só para si. A barriga crescida indicava para esse conforto único.

— Disponha como achar melhor. Você fica com o quarto pra você e as meninas. Eu durmo na sala. Ponho os colchões dos meninos um em cima do outro e me acomodo muito bem.

Aí, não houve discordância. Porém, o que incomodava a mulher é que não estava na hora de ficar em casa de licença, precisando trabalhar por mais dois meses.

— Quem vai ficar tomando conta das meninas?

— Por alguns reais, eu consigo alguma mocinha da vizinhança. Se não arrumar nenhuma, levo pro Centro Espírita. Lá alguém arruma uma creche. Só que vou precisar levantar bem cedo e elas também. Vou ter de pedir a você que as prepare. Mas, com essas roupas, vão passar vergonha.

— É o que elas têm. Pode deixar que eu vou falar com as vizinhas. Quanto você pode pagar?

— Uns dois reais por dia. Trabalhou, ganhou. Pago na hora.

Era a hora da novela das oito. Estava terminando. Certamente, Maria iria encontrar as vizinhas em casa. Aproveitou para ficar vendo o final do capítulo. Tinha levado a menor, que mal andava. De fato, a boa mulher do lado lhe deu biscoitos. Ao sair, ofereceu-se para ajudar:

— Se você não encontrar ninguém, amanhã as meninas ficam comigo. Mas só amanhã, porque eu não posso arcar com mais despesas.

Solidarizava-se, uma vez que a tragédia que se abatera sobre aquele lar fora por demais comovente. Nem o enredo da telinha era tão pungente, com as personagens sempre ricas, com problemas nas empresas e na política, com casas grandes, verdadeiros palácios, falando bem, indo aos institutos de beleza, freqüentando academias luxuosas de ginástica, comendo em restaurantes chiques. Aqueles coitados, sempre repudiados por todos, por causa do moleque mais velho e pelas bebedeiras do pai, é que estavam passando por drama terrível. Na hora em que voltavam a se encontrar sob o mesmo teto, isso deveria ser preservado. Ainda mais que vinha aproximando-se a hora de receber mais uma criança, a qual, pelo que podiam deduzir, nem era do dono da casa. Enfim, como o débil estava sendo agasalhado pelo meganha (que boa alma!), as meninas não iam dar muito trabalho. A vida as ensinara a obedecer.

Ao regressar, Maria encontrou Deodato conversando com as filhas. Era absoluta novidade. Se tivesse acompanhado as visitas dele aos meninos, iria saber que a intenção era de apertar os laços humanitários. Se lhe perguntasse, talvez dissesse que desejava restabelecer os vínculos cármicos, mas, aí, quem não iria entender era ela, que não se dava ao luxo das meditações filosóficas.

— Está ficando tarde e amanhã temos de levantar cedo. Vamos dormir.

Maria estava reassumindo o comando doméstico. Antes, não trabalhava fora e essa condição lhe permitia ficar um pouco mais na cama. Agora, não iria abrir mão dos direitos trabalhistas. Por isso, não podia faltar e eram pesados os encargos que a patroa lhe destinava. Em todo caso, gostava de ver tudo em ordem e da melhor qualidade. Garantia o café da manhã, o almoço, o lanche à tarde e as sobras do jantar. Como não cozinhava, podia levar para casa, sem medo de ser acusada de preparar comida a mais. Era assim que mantinha as filhas bem alimentadas.

Deodato é que não sabia disso, tendo ficado muito admirado quando a marmita se abriu e revelou boa quantidade de feijão, de arroz e de mistura. Foi no que pensou antes de dormir, reservando o último momento da vigília para requisitar dos protetores que o recebessem durante o sono, livre do corpo carnal, para tratarem do que iria ser melhor para todos: se ele deveria continuar com a esposa ou se deveria juntar-se a Josefa. Era a possibilidade de atender à sugestão da cozinheira.

Quando acordou, lembrava-se vagamente de que havia sonhado com seres estranhos, que lhe diziam coisas desagradáveis, como que apontando para fatos de que fora o responsável. Nada lhe indicava que eram os benfeitores espirituais. Teriam sido seres de baixa categoria? Desconfiou de que a consciência é que criara tais figuras, para o efeito de perceber que fora culpado de todos os acontecimentos trágicos de sua vida. De qualquer modo, não se respondia à questão proposta. Ficava sem saber se deveria ou não largar a esposa pela outra. Consultou o coração, mas este não lhe dizia nada significativo. Tanto poderia ficar com uma quanto com outra.

“Se eu tivesse perdoado Maria, não estava agora querendo saber com quem devo ficar. Basta ver quem está precisando mais de mim. A outra não está assim perdidamente apaixonada. Esta deve estar arrependida do que fez ou, ao menos, insegura, intranqüila, sem saber o que o futuro lhe reserva. A criança que vem aí vai ser uma pedra no nosso caminho.”

Nessa linha de pensamentos, iria enrolar-se durante todo o expediente. Mas havia preocupação mais imediata: arrumar roupas decentes para as filhas. Sem ter dinheiro para comprar, resolveu passar pela casa de Antunes, com quem pretendia ir ao Centro Espírita, onde havia peças a preço muito módico, restos, inclusive, do último Bazar da Pechincha ou roupas que estavam chegando para o próximo.

Contava encontrar-se com Josefa. Antunes, entretanto, absorveu-lhe a atenção, insistindo em perguntar a respeito de como havia acomodado as coisas com a esposa. Estava comovidíssimo e não se cansava de elogiar a atitude do amigo:

— Você fez muito bem mesmo. Assim que age um verdadeiro espírita, um digno cristão. Se não quiser ficar ajudando na distribuição da sopa, vá pra casa. Aliás, nós vamos entender que deve ir mesmo pra casa, agora que as coisas ainda não se arrumaram. Comprou o aparelho de televisão?

— Resolvi arrumar um de segunda mão.

— Ninguém dá esse tipo de material pro Centro. Contudo, talvez eu possa ver lá no quartel se algum companheiro está disposto a ceder algum que esteja encostado. Você não faz questão de ser em preto e branco?

— Não faço questão de nada. Só deve estar funcionando, porque não vou ter como mandar consertar.

— Então, espere mais uns dias. Houve um tempo em que os colegas se apropriavam do produto dos roubos. Ainda estão nos armazéns muitos aparelhos furtados, apodrecendo, à espera da decisão da Justiça. Mas esses eu não vou pegar...

— Nem eu ia querer que se arriscasse tanto por causa de uma coisa tão sem importância.

— Sem importância não é. Se fosse, não se explicaria o fato de tanta gente passar tantas horas diante desse fascínio colorido. Vamos ver se alguma das senhoras está disposta a arranjar os vestidos e as blusinhas.

De fato, postas a par da situação do confrade, as mulheres fizeram questão de separar diversas peças em boas condições. Deu para fazer uma boa trouxa. Irmanavam-se materialmente na dor, no receio íntimo de não serem úteis a quem tanto estava sofrendo.

Josefa trabalhava na cozinha. Todavia, o ambiente não lhes permitiu a confabulação íntima. Apenas Deodato passou um recado indireto:

— Pessoal, eu estou sendo dispensado por hoje. Preciso cuidar das meninas, que voltaram pra casa. Amanhã ou depois, eu fico pra ajudar.

Antunes ficou, de modo que se despediram ali mesmo.

Em casa, Deodato foi recebido com frieza. Maria estava com as meninas, sem ter o que fazer. Haviam comido e a cozinha estava limpa. Fazia falta o aparelho de televisão. Ainda bem que as crianças tinham assistido aos programas infantis o dia todo. Mas a vizinha disse que não ia ficar mais com elas. No dia seguinte, começava a vir uma rapariga de seus quatorze anos. Maria ia ter de levantar de madrugada, para deixar a comida preparada.

— Onde é que você esteve?

Deodato não se apertou. Trazia a consciência muito leve e a cabeça desanuviada. Tempos atrás, teria resmungado uns desaforos, ameaçando com os atos mais impositivos dos murros e dos pontapés. Agora, punha tento em que não era só ele quem estava assumindo de novo as responsabilidades. Maria também estava arcando com sua parte, de forma inusitada, pois não se dava o direito de ficar em casa. O jeito afável do marido inspirou-lhe coragem para um pedido supremo:

— Eu acho que, como as coisas estão indo, você vai ter de fazer o almoço das crianças, senão como é que eu vou cuidar da roupa e da limpeza de tudo?

Deodato não tinha vocação para as prendas domésticas. Contudo, aqueles últimos meses lhe deram treinamento na cozinha. Não só cozinhava como lavava as louças.; mal, mas lavava. Achou justo o que a mulher lhe propôs. Apenas não o declarou peremptoriamente:

— Quando você estiver mais pesada ou, depois do nascimento, quando voltar ao trabalho, eu não vou deixar você se apurar. Pode contar comigo.

Enquanto conversavam, Maria ia examinando a trouxa. Pôs defeito em quase tudo, mas teve de concordar que eram bem melhores do que as que possuíam.

— E a televisão?

— Antunes vai ver se me arruma de graça com os colegas de farda. Se não precisar gastar, vamos poder guardar as economias pra comprar as pernas mecânicas...

A lembrança de Cléber amputado pôs lágrimas nos olhos da mãe.

Deodato contou a conversa que tivera com ele mas não chegou a dizer tudo. Maria pôs fim ao assunto, recolhendo-se ao quarto, deixando o marido sozinho e com fome. “Que se vire. Afinal, quem foi o culpado da desgraça do menino?” Começava a descobrir os mecanismos morais do comportamento do marido. “Será que está arrependido do modo como tratava a família? Até onde irá com esse cuidado a respeito de cada criança?” Lembrava-se de Gaspar na casa do soldado. “Com certeza, está só esperando uma oportunidade pra trazer o outro pra casa.” Perturbou-se com a idéia de que estaria rejeitando o próprio filho, por causa das graves lesões mentais. Ouvira dizer que Deus é pai de misericórdia. Fora Antunes quem dissera. Resolveu não pensar mais no assunto. Ia deixar tudo nas mãos de Deus. Dentro da barriga, o feto lhe dava encontrões e pontapés. Enterneceu-se. “Que sorte estará aguardando por este filho do pecado? Deus tenha piedade de sua alma!” Desejou rezar uma ave-maria e um pai-nosso, mas, antes de terminar, já dormia a sono solto.

Na cozinha, Deodato comia um pedaço de pão molhado em café. E ruminava os temas que iria tratar com Josefa. No dia seguinte, haveria reunião mediúnica. Precisava convencer Maria a não reclamar da ausência ou da demora. Tinha de receber as notícias que decidiriam sobre o futuro de sua vida sentimental.

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