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Erotico-->13. ENCONTROS IMPORTANTES -- 18/01/2003 - 07:29 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Ao sair da reunião, estavam à espera de Antunes. Eram companheiros que desejavam avisá-lo sobre a prisão de um pivete, que, tudo indicava, era o que havia atirado contra ele.

— Vamos à delegacia, pra reconhecimento.

O bom espírita estava saindo de profícua reunião doutrinária, na qual os benfeitores haviam insistido muito na tese do perdão, inclusive citando Jesus no Gólgota, evidenciando que o crime se acentuaria se houvesse perseguições, que poderiam estender-se até o etéreo.

A bem da verdade, Antunes só raramente se lembrava de que quase havia sido despachado para o outro plano. Sentia estremecimentos emotivos quando punha na cabeça as imagens do amigo esvaindo-se em sangue até a morte. Aí se delineava nítida a figura do jovem assassino. Mas não queria mal a ele. Julgava que não fora educado, que a sociedade não lhe dera as oportunidades de um lar bem constituído, que a provação daquela alma, em virtude da juventude, estava sendo muitíssimo pesada, mesmo que tal espírito tivesse vindo diretamente das Trevas para doloroso encarne.

Ao adentrar o ambiente vibratoriamente sujo, experimentou o soldado a sensação desagradável da presença de seres muito infelizes. Evitava pensar em maldade, em inferioridade. Queria acreditar que aqueles eflúvios demonstravam tão-só o desprazer das consciências culpadas. Sabia que, se titubeasse, seria assediado até à obsessão, embora houvesse outras criaturas encarnadas menos afeitas ao recolhimento espiritual e à oração em favor dos sofredores.

Ao ser levado à cela em que estavam separados os menores, teve forte estremeção moral. Lá estava Gaspar, sujo, cheio de feridas, abobalhado, encolhido num canto.

— Que faz essa criança em meio aos delinqüentes?

— Esse aí não diz coisa com coisa. Acho que nem falar sabe. É um pobre retardado...

— Retardado coisa nenhuma. Esse é o irmão do que perdeu as pernas. Era ele que eu queria encontrar.

— Pois achou. Pode levar.

— Mas, assim?...

— Se ficar aqui, vai morrer, porque os outros estão sendo impiedosos com os que não correspondem aos comandos.

Somente quando foi trazido para a luz do corredor é que o menino entendeu que estava diante do amigo. Entretanto, não o abraçou. Limitou-se a chorar em silêncio, apavorado com o que sofrera naqueles últimos tempos.

Antunes esqueceu-se do que viera fazer ali. Queria levar embora o pequeno, imediatamente. O companheiro verificou o açodamento e a perturbação mas não fez nada para impedir que levasse o garotinho para fora.

Gaspar estava completamente alienado da realidade. Agarrou-se às pernas do amigo e se deixou arrastar. O mau cheiro que espalhava punha horror em todos os olfatos.

— Vamos dar um banho nele. Depois arrumamos roupa limpa.

Quando foi despido, viu-se que era só pele e ossos.; de dar pena. Nem esfregar muito não se podia, tantas eram as feridas pelo corpo todo. Na hora de vesti-lo, a surpresa. O menino apontava para as roupas e demonstrava que queria falar algo muito importante.

Antunes pensou que não queria vestir a camisa e a calça por serem muito grandes. Gaspar, porém, num supremo esforço, disse o nome do irmão:

— Cléber.

— Como?

— Cléber.

— Que quer dizer?

— Cléber.

E apontava para a vestimenta.

— Quer dizer que essa roupa é do teu irmão?

Gaspar fez que sim com a cabeça.

Antunes vestiu o menino e foi conversar com os soldados:

— Quem apreendeu esta roupa? Com quem estava?

— Com o que deu os tiros em você.

— Gaspar, você fica sentado aqui, comendo o sanduíche e tomando o leite. Daqui a pouco eu volto. Não tenha medo. Vamos lá!

No antro escuro da prisão, disfarçado atrás dos demais, estava esquivando-se o suspeito. Temia ser reconhecido e executado ali mesmo, conforme as histórias que corriam a respeito dos que matavam gente fardada. Mas não houve jeito, foi agarrado pelo cangote e arrastado para fora.

— Foi esse aí, Soldado Antunes, quem atirou em você?

A contragosto, teve o nosso amigo de apontar o infeliz como aquele que o alvejara.

— Quantos anos ele tem?

— É menor. Está com dezessete. Mas a identificação precisa ser confirmada. Talvez a carteira seja falsa.

— Eu quero uma foto dele.

— É pra já.

Enquanto o rapaz era levado para uma sala iluminada, era providenciada uma máquina “polaroid”. Quis reagir:

— Vocês não podem tirar nenhuma foto minha. A lei está do meu lado. Eu sou de menor e tenho os meus direitos.

— Quem lhe deu o direito de matar?

Antunes sabia que o desenvolvimento do diálogo terminaria em agressão contra o assassino. Apressou-se a perguntar:

— Já esteve alguém dos Direitos Humanos dando cobertura ao carinha?

— Já. Por incrível que pareça. A gangue avisou, porque esse deve ser o líder. E já vieram uns advogados dizendo pra levar os pivetes para a guarda da Casa do Menor e do Adolescente. Só estão aqui ainda, porque não deu tempo pros juízes se manifestarem. Hoje mesmo nós vamos levá-lo pra Casa de Detenção.

A foto não ficou muito boa, mas, para a finalidade a que destinava, servia. Antunes esclareceu:

— Vou mostrar a foto pro irmão do pequeno. Se ele reconhecer o bandido, vamos saber quem foi que fez mais esse serviço.



Ao adentrar em casa levando o molambento, a mulher refugou:

— Quem é esse aí? Não me diga que vai passar a noite aqui?!

O militar conhecia essa reação. Sabia que a negativa estava bem expressa e que precisava, urgente, arrumar uma boa desculpa, ou teria de levar o pequeno a agasalhar-se em albergue oficial.

— É o irmão do que perdeu as pernas. Amanhã eu o levo pro pai. Hoje ele fica aqui em casa. Não sei, não, se não vai precisar baixar hospital. Veja o estado dessas feridas.

Pretendia comover a mulher. Esta, porém, foi inflexível:

— Vai levá-lo agora mesmo, que a viatura está aí fora. Amanhã não haverá ninguém pra transportar vocês dois e não há dinheiro pra táxi. Ele está alimentado. Está bem vestido. O tempo está bom. O pai que o receba com todo o amor e carinho. E, se estiver bêbado, que vá preso, por não cuidar da própria família.

Antunes envergonhava-se por causa da presença do parceiro, mas não quis levar avante a intenção de manter o garoto junto de si. Gaspar, no entanto, compreendeu a situação e se agarrou ao protetor, demonstrando que preferia ficar com ele.

Condoeu-se a mulher:

— Esse menino não fala?

— Fala, sim. Mas com dificuldade.

— Então, pergunta pra ele por que esse apego a você.

— Ele está com medo de ser expulso pra rua novamente. Eu sou a única pessoa no mundo em quem ele confia. Mas, se você não quer dar agasalho pra ele uma só noite...

— Está bem. Hoje ele fica. Amanhã, a viatura passa por aqui e leva ele embora.

— ‘Tá certo.

Antunes piscou para o amigo, que se escafedeu, imediatamente.

A partir daquele momento, Gaspar passou a fazer parte da família do miliciano espiritista.

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