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Erotico-->34. A LIÇÃO LITERÁRIA -- 01/01/2003 - 07:23 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Não foi difícil entender-me com Maria, a respeito das intenções de acalmá-la. Após a conversa com Mário, a companheira de estudos voltou disposta a efetuar o trabalho de benemerência espiritual, sem rigores conceituais. Nunca soube exatamente quais os argumentos do mentor, mas admiráveis foram os resultados.

Naquele final de tarde, voltamos a confabular no pequeno grupo, sem o ritmo intenso do trabalho. Era como que o desafogo das pressões da responsabilidade. Cada qual ficou de ler os casos de administração das noções da cartilha, deixando para a manhã seguinte a discussão.

Eu mesmo não queria mergulhar nas peripécias dos aconselhamentos. Evitava chegar-me aos textos com o espírito prevenido. Queria estar isento de qualquer emoção. Sendo assim, pus-me diante do computador para refazer a redação da noite anterior.

Assim que digitei a sigla do programa, apareceu-me na tela a informação de que o primeiro texto fora considerado insatisfatório. Desejaria o consulente adiar a entrega do trabalho?

Estranhei que houvesse sido analisado simples rascunho, rejeitado pelo autor como pobre e infeliz. Em todo caso, como gostaria de chegar logo à lição seguinte, assinalei que, no próximo texto, imprimiria o que pensava sobre o anterior e dei título à segunda redação: “De como cheguei à conclusão de que muito deverei aprender para conquistar o direito de elaboração de texto literário.”

Antes de me precipitar na escrita, estabeleci como critério de desenvolvimento esquema flexível, de maneira que, conforme as idéias fossem surgindo, poderia ir implementando novos tópicos e subtópicos. Achei que o texto corresponderia a uma dissertação, contudo, para efeito de atração literária, imaginei história em que me via personagem-autor às voltas com a necessidade de apresentar romance para editoração, tendo sofrido “pane” mental, não conseguindo organizar o escrito. Era muito pretensioso, mas o final permaneceria em aberto, de modo que, ao me ver em apuros, poderia livrar-me dos perigos redacionais, fazendo com que remédio salvador pusesse tudo no lugar. Poderia, também, acordar de pesadelo, encharcado de suor, estando o livro pronto e entregue. O que importava era fazer ver ao examinador que compreendia as minhas dificuldades de escrever, o que redundara no fracasso da primeira tentativa.

Parei para pensar sobre o beco em que me metera, mas foi-me possível lucubrar situação em que a personagem volve aos primeiros tempos, quando se deparava com extraordinárias deficiências de vocabulário e de ritmo frásico.

Estabeleci hora e meia como tempo máximo em que poderia ficar escrevendo, até o momento de me dirigir ao magistério voluntário e embrenhei-me nas aventuras psicológicas, como se estivesse a par de todas as mutações cerebrais da confecção textual. Esquecido de mim, levei a personagem ao ponto de se dar conta de que a obra não mereceria publicação.

Reli a redação e julguei o trabalho muito fraco, se bem que melhorzinho em relação ao anterior. Como se tratava de obra da imaginação, passei a fantasiar o mais que pude, para ressaltar os contornos do drama, tornando absolutamente inverossímil a personagem. Introduzi uma esposa e uma amante e queimei os originais, em momento de rara clarividência da impotência do autor. Fiz com que se arrependesse, mediante o contrato cobrado pelo editor, e salvei-o de ser processado, quando a esposa surgiu com cópia que havia feito para demonstrar que o livro estava sendo dedicado à amante. Terminei com o escritor ajoelhado aos pés da mulher, da amante e do editor, pedindo perdão por ser quem era. Oportunamente, fiz com o que o nome do coitado se alterasse para Roberto e despachei a redação, porque estava na hora de trabalhar.



Durante o tempo em que estive na companhia do amigo Xavier, no hospital, ficou-me, como pano de fundo da consciência, a martelar-me a mente, a absurda história que resultara no segundo exercício. O que mais me azucrinava a paciência era o fato de não ter dado cunho de seriedade à tarefa. Parecia-me que demonstrara contundente irresponsabilidade e que iria provocar mera perda de tempo do examinador. Imaginei-me a escrever para o público e o sangue me cobriu o rosto.

Xavier percebeu que me distraía. Quis saber o que se passava. Expliquei, candidamente:

— Estou na sua situação. Tenho de elaborar dez textos, para adquirir capacidade de redigir literariamente, e não fui capaz de me manter sério no que escrevi hoje. Será que você esteve em semelhante situação?

— Ora, Professorzinho, eu não sabia escrever, lembra-se? Cheguei analfabeto. Com sua ajuda, hoje escrevo cartas a seres imaginários, versando sobre temas desconhecidos. Não foi assim que você me explicou? Pergunte-me se gostaria de estar em sua situação.

— Que situação? A de estar preocupado por não ter realizado bom trabalho?

— Não. A de estar buscando fazer algo de nível superior.

— Você gostaria, Xavier, de estar em minha situação?

— É pra já. Vamos trocar de lugar...

A graça do companheiro me desanuviou. Não fora capaz de seguir-lhe a peripécia do raciocínio, de forma que realmente fui surpreendido. Como vingança intelectual, determinei-lhe que relatasse a conversa. Poderia ser escrevendo ao pai, à mãe ou ao irmão. Mas que o fizesse deslocando o foco narrativo para outra personagem. Não queria que o acontecimento fosse reproduzido em primeira pessoa.

Xavier pensou um pouco e resolveu protestar:

— Sei que o amigo Roberto quer texto para exercer o encargo de examinador, como se estivesse analisando o próprio trabalho. Sabe que meu desempenho irá deixar a desejar. Quer cascar sobre o aluno como julga que vai ser cascado. Não está direito!

Sorri e concluí:

— Não queira ser espertinho. Você é muito inteligente e lhe passei trabalho a altura. Veja, nesse exercício, grande elogio e esforce-se para realizá-lo de acordo com os roteiros. Você tem dez segundos...

— Em outro tempo, mandava-o passear. Mas vou lhe dar a “grande” satisfação de encontrar a redação pronta, amanhã.

— Então, Xavier, até amanhã!

— Vá com Deus, Roberto!



No ambiente comum do alojamento, encontrei os companheiros de grupo discutindo a respeito dos desempenhos dos orientadores, conforme determinação de Mário. Quis saber se havia grande dificuldade para se chegar à conclusão do que melhorar para salvar o conselheiro desastrado.

João, sem estragar a novidade, deu uma “dica”:

— Você não imagina quem se confundiu...

Maria interferiu:

— Você não vai contar a ele, senão perde a graça.

Foi suficiente para espicaçar-me a curiosidade sobre a tarefa.

— Vou ler os textos, imediatamente. Se der tempo, venho participar da reunião.

Junto ao computador, acionei as teclas relativas aos exercícios. Dado o rigor com que os trabalhos eram organizados, deveria ler primeiro o caso do sucesso total: “Relatório de Marcelo sobre os trabalhos de orientação de catecismo. Aluno do internato: Juvenal. Supervisão: Frederico.”

A descrição dos eventos era minuciosíssima. Havia, em separata, a história do orientando. Comecei a julgar-me incapacitado para boa leitura naquela hora. A aridez do texto técnico me aborrecia. Pensei em que Marcelo não se interessara por aprender redação literária. Dei preferência à história de Juvenal. Pelo menos, havia ilustrações em que episódios das lembranças se projetavam na tela. Fora ele desportista profissional, na área das artes marciais. As longas projeções das competições oficiais tinham por escopo determinar-lhe o interesse principal. A ação remetia o espectador para o século dezenove. A violência transcendia o esporte e o amigo se via às voltas com armas mortíferas, em escaramuças verdadeiras. Percebi que o trabalho do conselheiro não iria ser fácil. Voltei ao texto principal mas não fui capaz de passar da primeira página.

Morria de sono. Poderia acionar o sistema de transmissão subliminar, para conhecer mecanicamente os dizeres. Tudo ficaria na memória e não precisaria mais consultar o computador. Na manhã seguinte, bastaria concentrar-me para evidenciar os pontos nevrálgicos dos socorros prestados. Todavia, não desejei bloquear as evoluções inconscientes do espírito, no sentido de progredir nas soluções dos problemas da redação literária. Programei o despertador para bem cedo e fui dormir. Se me dedicasse com afinco à leitura dos textos, conforme os elementos constantes nas informações de capa, duas horas seriam suficientes para desincumbir-me da tarefa. Perdoassem-me os colegas a desatenção.

Acenaram-me, compreensivos.

Antes de dormir, veio-me à idéia o fato de que o tempo melhor aproveitado será sempre o que carrega consigo o nosso interesse. Enviei saudações telepáticas a Honorato e adormeci imediatamente.

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