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Erotico-->28. FORMULAÇÕES EVANGÉLICAS -- 26/12/2002 - 10:34 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A turma se reuniu extremamente alegre. Dos seis orientadores pessoais, quatro tinham deixado os pupilos entregues a si mesmos. Restavam os conselheiros de Dorotéia e de Aristides.

Notei que ambos logo perceberam estar em desvantagem, embora se empenhassem por não demonstrar. Penso que devam estar supondo ter escondido muito bem o desapontamento. É que começávamos, os demais, a observar a coloração da aura, variável de acordo com os sentimentos. Há muitos encarnados que demonstram insatisfação, dor, aborrecimento, indisposição moral de forma clara, traduzindo, na fisionomia, as reações psíquicas. Mas há também os que disfarçam com perfeição. No etéreo, só é fácil de esconder as emoções para quem se reja por idêntico padrão vibratório ou para quem tenha menor desenvolvimento espiritual.

Dava as explicações, como se conversasse com Honorato. Mas era eu mesmo quem explorava os conceitos. Habituara-me ao conversar íntimo, recebendo as respostas insufladas telepaticamente por meu avô. O procedimento persistia, mas quem falava comigo era a consciência, no papel de “alter ego”.

Os quatro apaniguados pelos melhoramentos recentes arrefeceram a demonstração de alegria e propuseram-se, silenciosos, a ajudar os dois menos felizes.

Mariana quis introduzir o tema de modo sutil, para não emocionar os outros:

— Esperamos, desde ontem, uma explicação de Roberto. Alfredo havia suposto que o drama talvez lhe fosse muito forte. Entretanto, como Honorato não se encontra presente, posso imaginar que o amigo se tenha desvencilhado do sentimentalismo pueril...

— Perfeitamente, cara amiga. — Compreendi que desejava que eu interferisse. Se desenvolvesse o tema da puerilidade emotiva, certamente afetaria os que se faziam acompanhar dos mentores. — Posso, se quiserem, relatar todas as contrariedades de minha vida conjugal. Peço-lhes, porém, que confiem em que tenha ultrapassado a fase de sofrimento. É que, para relatar os fatos, deverei envolver outras pessoas que também falharam na vida e isso não irei permitir-me. Pensam que só vocês é que podem observar os dizeres dos outros? Eu também fui sagaz o suficiente para notar que todos evitaram fazer acusações. Em suas descrições, falaram somente dos males que praticaram. Não se referiram pejorativamente a nenhuma outra pessoa.

Não esperei o efeito dos comentários e prossegui:

— Arrojei-me de cima da árvore, com a corda no pescoço, porque pretendia ferir os que julgava terem sido meus algozes morais. Mas essa foi a desculpa que dei a mim mesmo, naquele momento culminante e durante muito tempo, nas andanças pelas Trevas. Alfredo, mais experiente, sabia que eu não estava preparado para contar as desventuras. Mas Honorato conseguiu fazer-me ver a necessidade de melhorar o padrão dos sentimentos, em função das lições que todos estamos recebendo há cerca de três anos.

— Bendito catecismo! — Era José, caracterizando a fonte de meu arrazoado.

— Se estiverem satisfeitos, poderemos iniciar os debates a respeito das conclusões morais inadiáveis, já que temos sério compromisso com a assembléia.

Dorotéia, titubeante, quis manifestar-se espontaneamente:

— Meus amigos, minha irmã, conselheiros. Quero pedir perdão a todos por estar sendo peso morto no grupo.

Aristides estendeu a mão e pegou-a pelo pulso:

— Fale também por mim, querida.

Ambos se encararam, olhos lacrimejantes, como se se amparassem mutuamente.

Mariana tirou um lenço do bolso e passou a Dorotéia:

— Se você quiser chorar, chore, mas não perturbe o ambiente sereno. Se não quiser ter dó de si mesma, devolva o lenço, que só pretendo usar para as lágrimas da alegria. Você não acha que sofreu demais nessa peregrinação horrorosa pelo Umbral? Respeite a obra do Criador e seja durona consigo mesma, como estou sendo eu.

Aristides fez um gesto de impaciência, mas a ex-enfermeira foi categórica:

— Você também, Aristides, mantenha-se impassível perante a dor. Não dê sustentação lacrimosa à companheira infeliz.

— Mas...

— Nem “mas” nem “meio mas”. Exerço o meu direito de vigilante dos sentimentos desprovidos de motivação. Estou categorizada pelos demais a chamar a atenção dos que hesitam e perturbam o grupo. Não foi o que se combinou na última reunião geral?

Não havíamos designado ninguém em votação específica. Mas, assim que Mariana percebeu que os companheiros iriam desandar emotivamente, consultou os demais e recebeu de nós a incumbência por meio da linguagem áurica.

Pretendi dizer algo relativamente à necessidade de conformação às regras estabelecidas pelo próprio grupo, mas Alfredo se antecipou:

— Sei que os amigos estão envergonhados por se fazerem acompanhar dos benfeitores. Temem que estejam atrasados mas não se esforçam por melhor compreender as lições. Ambos se fazem de mártires, porque não conseguem ver razão para que o castigo persista. Afinal de contas, suicidar-se por estar condenada pelo câncer ou por ter sido surpreendido roubando para comer deveria ser segura atenuante. Não é assim que pensam? Pois estão errados. Fugiram do compromisso maior da vida, deixando de fazer o máximo que podiam.

José contemporizou:

— Vejo que temos dois vigilantes e não apenas um. Pobres amigos! Mas não devem ficar preocupados. Agora, vocês estão tendo mais quatro guardiães para ajudarem no aproveitamento das lições. Vamos abandonar o roteiro do Professor Mário, mesmo que nos atrasemos. Não tem importância. Apanharemos o próximo ônibus para a redenção. Não faltarão oportunidades de integração em outras turmas. O importante é progredirmos juntos.

Não me contive e, ex-abrupto, participei, falando rápida e claramente:

— Vinha com o intuito de pedir aos irmãozinhos que me auxiliassem a decifrar o mistério do amor. Perguntava-me a mim mesmo se havia amado alguém na vida. É que não sabia caracterizar o amor. Mas as explicações todas acabam de ser dadas, enfaticamente, cabalmente, por todos. Amar é preocupar-se pelo outro.; é responsabilizar-se pelo crescimento alheio.; é sacrificar-se, sem esperar reconhecimento. Se Mariana, Alfredo e José expuseram, de forma categórica, três aspectos desse desprendimento essencial, Dorotéia e Aristides também se propuseram ao auxílio, quando intentaram dizer-nos que não estavam à altura do desenvolvimento dos outros. Por mim, concordo plenamente com José em adiar, indefinidamente, o curso, até que todos estejamos integrados nos mesmos ideais evolutivos. Se não atendermos às necessidades dos mais próximos, que socorristas iremos ser? Perdoem-me a sofreguidão. Deveria falar macio como Honorato, para dar a impressão da ponderação e do equilíbrio. Sinto-me, porém, perfeitamente cônscio dos impulsos e valho-me da oportunidade para inquirir se minha aura está apresentando algo que não seja o verdadeiro interesse em acertar.

Aristides havia parado de soluçar e olhava espantado para mim. Queria dar testemunho de que sua visão se aperfeiçoara:

— Ouvi com extrema acuidade tudo o que se disse na reunião. Sabem os amigos que o tiro que dei no ouvido me afetou seriamente a audição. Aprendi, todavia, que não devo lamentar o mal que cometi. A sua aura, Roberto, está a indicar que Dorotéia e eu devemos permanecer serenos e confiantes. Vejo reflexos róseos e azuis. Não posso interpretar se são cores de qualidade moral superior. Mas lhe garanto que me transmitem muito amor.

Dorotéia não disse nada. limitou-se a levantar-se e a me abraçar com força. Observei que estremecia, mas não senti revolta ou sofrimento. Beijou-me no rosto e fez o mesmo com os outros quatro.

Aristides nos apertou efusivamente as mãos.

Quis acrescentar que estaria muito perto o dia em que iriam despedir-se dos orientadores, mas me calei, lembrando-me da lição do tempo concentrado e do agradecimento ao Pai. Pedi para fazer a prece de reconhecimento da misericórdia divina. Todos se recolheram espiritualmente e endereçaram pensamentos de muito respeito pela instituição que nos acolhia para o bem e para o progresso.

— Pai, estamos diante de vós para depositar a vossos pés as primícias do que colhemos. Sabemos que não temos condições de exprimir em palavras os sentimentos de alegria e de conforto moral, por acreditarmos que estamos muito longe do primeiro degrau da escada que leva ao vosso reino de amor. Pedimos que nos abençoeis, porque vossa graça irá propiciar-nos força, coragem e discernimento para seguirmos juntos, nesta fase importante da formação espiritual. Aceitai esta prece e enviai os vossos mensageiros ao Planeta, ao Umbral e às Trevas, para o resgate das pessoas que magoamos, pecadores que somos.

Não sabia como prosseguir e encerrei com o tradicional “assim seja”, envergonhado pela oração desgraciosa. Quando levantei os olhos para a platéia, fiquei surpreso de ver reunidos os seis protetores, concentrados em pensamentos que se irradiavam refulgentes, abarcando os pupilos, impondo-nos respeito e contrição.

Não saberia definir quanto tempo absorvemos os eflúvios regeneradores que emanavam. Posso dizer que estava em êxtase, como nunca me ocorrera antes. Se não era o prenúncio da eterna felicidade, estava bem próximo disso. Aos poucos, foram atenuando-se as impressões de superior estabilidade emocional e retomei o peso do corpo, com suas cicatrizes visíveis.

Saudei meu avô, que correspondeu ao aceno com sorriso de imensa compreensão. Reunidos os conselheiros, cada qual endereçou palavra de adeus aos pupilos e todos se retiraram, deixando-nos sós, com a obrigação dos estudos. Dorotéia e Aristides haviam, enfim, obtido o alvará para caminharem sozinhos, ou melhor, na companhia do pequeno grupo.

Mariana fez o comentário que todos desejaríamos externar:

— Eis como é que se ama ao Pai sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Qualquer dia, chegaremos lá. O que temos pela frente, agora, é mais uma reunião geral. Será que todos terão novidades como as nossas?

Quando ingressamos no amplo salão, notamos o Professor Mário rodeado de todo o corpo docente da “Escolinha de Evangelização”. A classe havia vencido a primeira etapa do curso.

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