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Erotico-->24. PRECIOSAS ORIENTAÇÕES -- 22/12/2002 - 07:17 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Desde quando fizera a revisão da memória, conservava viva a recordação da fase mais dramática dos relacionamentos sentimentais. A esposa me traíra, é certo, sem motivo, que não lhe dera a contrapartida de nenhum ato impensado.

Professor primário, ganhava muito pouco. Leonor era colega de colégio, onde dava aulas de Ciências Físicas e Biológicas. Ganhava um pouco melhor. O namoro foi rápido e o casamento projetado com o cálculo financeiro das péssimas economias. Uma só residência, um só aluguel, um só fogão, um só tanque de lavar roupas... Conjugação carnal costuma trazer filhos como conseqüência. E despesas. Muitas despesas. E trabalho. Muito trabalho.

Em cinco anos, três filhos. E não admitíamos que houvesse paixão. Apenas nos dávamos muito bem. Nunca discutimos, até que houve a descoberta...

Não estou empenhado em relatar as loucuras dela e minhas. Faço a constatação do fato para demonstrar o medo profundo de adentrar a câmara de reflexões. Precisava amainar as sensações ruins que me despertavam as lembranças dos desatinos que culminaram com o suicídio. Duplo suicídio, no sentido de que levei Leonor ao desespero, conforme vibrações terríveis que me atingiram nas correrias desabaladas do báratro.

Bendita hora em que a turma deliberou atribuir a função de vigilância emocional aos protetores. Sei que Honorato sempre esteve atento a esse aspecto, como todos os demais conselheiros. Mas a decisão me ficara demarcada na mente, tal como inexorável obrigação a que jamais se consegue furtar.

O período noturno estava reservado para atendimento dos novos amigos ainda não em condições de formar classe na “Escolinha de Evangelização”. Dava-lhes orientações individuais ou a dois e a três, sobre técnicas redacionais, a que chamava de elementos de escrita. Nessas aulas, pedia-lhes para redigirem pequenas composições de fundo moral. Sempre havia exercícios para corrigir e discussões a encaminhar. Não podia faltar. Sendo assim, enchi-me de responsabilidade e gastei as três horas anteriores ao toque de recolher entretido com a tarefa voluntária.

Logrei esquecer as preocupações. Entretanto, ressurgiram com muito maior ímpeto, assim que me vi recolhido ao dormitório.

Chamei por Honorato, insistentemente, temeroso de que o sono pudesse trazer-me novidades horripilantes, as quais, em cascatas de degeneração emocional, poderiam impedir-me de obter bons resultados, no dia seguinte.

Meu avô percebeu os distúrbios e acorreu pressuroso para me tranqüilizar:

— Calma, meu querido! O que pode ser pior do que o fato em si? Não acha que já tenha sofrido o suficiente? Como é estranha a natureza humana! Tenho certeza de que, se lhe pedir conta das lições do catecismo, vai dar-mas todas de cor. Contudo, está desequilibrando-se sem nenhum fundamento na realidade. É pura congestão mental. Precisa pôr para fora todos esses péssimos pensamentos, que o pior que possa existir é a fobia injustificada. Não lhe parece que o que o traz preocupado é apenas a preocupação e não a incapacidade de reagir com vigor e coragem contra as insuflações do passado? Vamos orar. Concentre-se, por favor. Imagine Jesus aproximando-se para abraçá-lo, abençoando a restauração de todas as amizades, o pagamento de todos os débitos, o perdão de todas as ofensas.

Não podia ser mais amoroso e mais incisivo. Reconheci a intemperança sentimental e ajoelhei-me, pronto para repetir as sagradas palavras.

Assim que terminamos de recitar o pai-nosso, notei que já não tremia. Restabeleci o domínio intelectual sobre a personalidade e pude imaginar que Honorato deveria estar informado de todos os trágicos capítulos de minha vida. Julguei oportuno interrogá-lo, para poder usufruir outra visão dos males que pratiquei.

— Querido avozinho, quais os acontecimentos que poderei encarar mais sobriamente, em relação ao disparate maior do suicídio? Quero principiar a sessão de descobertas agora mesmo, reservando o clímax das vibrações negativas para o ambiente resguardado da cabina.

— Se você está pensando que estou a par dos acontecimentos na Crosta, engana-se. Sei o que me contaram, o que é o mesmo que nada, no que concerne aos sentimentos. Você deve ter desesperado, para atentar contra a própria vida. Mas a culminância da insanidade é mero resultado de corolário de ocorrências encadeadas desde tempos imemoriais. Você é que deve contar-me o que sucedeu entre os cônjuges, para que estabeleçamos, em conjunto, as diretrizes da investigação psíquica.

— A história, do ponto de vista dos fatos, é corriqueira. Um dia, cheguei em casa mais cedo, por terem os alunos sido dispensados por falta de água no colégio, e não achei Leonor. Maldosamente ou sofridamente, não sei direito, o filho mais velho sugeriu que fosse até a casa do vizinho. A mãe, como sempre, estaria lá. Percebi o tom de cumplicidade do pequeno e desconfiei de que se tratava de algo muito penoso para o futuro. Devo dizer que hesitei. A surpresa da situação, todavia, me levou a atravessar a rua, entrando pelos fundos da casa. O homem que me apunhalava pelas costas recebia o título honroso de amigo. Apanhei os dois em pleno rebuliço amoroso. Desculpe-me a rispidez da descrição. Não fiz nada. Não delatei sequer a presença. Saí silencioso como entrara. Sentei na soleira da porta de entrada de casa e aguardei, em prantos, que Leonor saísse. Ao me ver ali, compreendeu que me inteirara de tudo. Sem explicações, entrou e foi preparar o jantar. À noite, saiu para dar aulas. Não olhou para minha cara uma única vez. Após ter ajeitado tudo na cozinha, pus as crianças na cama e deitei no sofá. Quando Leonor retornou, fingi que dormia. Ela foi ao quarto e só nos encontramos de novo na hora do almoço, pois saí mais cedo do que de costume para pegar a turma da manhã. Leonor comeu depressa e saiu para trabalhar. Meia hora depois, voltou o rapazelho mais velho. Trazia vergões feios nas pernas e nos braços. Suspeitei de que houvesse brigado na escola. Não quis revelar-me o que acontecera. Mas a irmãzinha contou que apanhara da mãe. Essa foi a gota d água que nos fez brigar pela primeira vez. A partir desse dia, tornei-me macambúzio e nunca mais dirigi a palavra a Leonor calmamente. Isso durou bastante tempo, até que desapareceu, abandonando-me com as crianças. Eu, que sempre fora cumpridor de todas as obrigações, comecei a embebedar-me, descontrolado, até que pus os filhos sob a guarda de minha irmã Isaura, condoída com os maus tratos que lhes administrava. Perdi os empregos particulares e fui exonerado da função pública. Parecia temer encontrar-me com Leonor, para não assassiná-la. Um dia, deparei-me com ela voltando para casa. Vinha chorosa, pedindo perdão. Fora abandonada pelo amante. Dizia ter saudade das crianças. Mentia, claro. Queria restaurar o casamento. Irrisão! Voltaria a lecionar. Desconhecia o que se passava comigo. Havia uma árvore na rua, em frente da janela do quarto. Durante a madrugada, peguei a corda do poço, fiz um nó corrediço, subi a custo pelos galhos, amarrei fortemente a corda num galho horizontal, prendi o laço no pescoço e me joguei. Eis aí o relato, o mais isento que pude contar.

— Vejo que você venceu, pelo menos, a etapa dos episódios repugnantes. Sinto na narração, contudo, certas impropriedades conceituais, como se algumas cenas não tivessem ocorrido exatamente como expostas. Parece que a imaginação se enfronhou nos acontecimentos, adulterando os fatos. Mas não faz mal, o reflexo mental se depurará na cabina de reflexões, com certeza. Poderemos, depois, analisar juntos as mudanças. O que importa considerar com mais urgência é o fato de estar temeroso. Será por ter causado a terrível visão para a esposa, quando se deparou com o corpo dependurado?

— Sim, mas não de forma absoluta. O que me deixa sensível é a condição de órfãos dos filhos. Sei que deve ter sido muito difícil para Leonor aceitar-se a si mesma, após as acusações íntimas de causadora de minha morte. O influxo das dolorosas vibrações que dela recebi nas Trevas me provocaram inúmeros abalos. No início, considerava o sofrimento como reflexo natural das dores que deveríamos sentir os dois. Depois, percebi que os males me atingiam, quando o intento fora de só prejudicar a ela. A vingança só é deliciosa poeticamente. O que se pretende para o adversário volta-se inteiramente contra o provocador. Aí, dobram as sensações da perversidade e os remorsos parecem não ter mais fim. Veja que essas noções não se encontram no catecismo, preocupado em demonstrar as virtudes como o objetivo último da existência. Os autores, por certo, sabiam que os consulentes conheciam a parte horrível dos vícios e despautérios.

Notei que estava extremamente nervoso pelo volume da oratória. De certa forma, caíra-me a freqüência psíquica a níveis próximos dos dias em que estive hospitalizado. Agora, sem o recurso da medicamentação leitosa.

— Veja, Roberto, que você está sendo capaz de agüentar, até certo ponto, a queda da “pressão arterial”. Perdoe-me a linguagem figurada. Acontece que os seus males provêm do coração...

Honorato propunha-me o enigma para que pudesse derivar o pensamento para outras áreas. Percebi a manobra e agradeci-lhe:

— Meu bom avozinho, sem você, estaria perdido!

— Você estaria dizendo exatamente a mesma frase para outro orientador, porque, neste ponto de evolução do processo de cura espiritual, a sua aura está disponível para a aplicação dos corretivos do amor, da benevolência e da misericórdia divinas, dos quais somos meros portadores. Não lhe faltaria assistência, em nome de Jesus.

Não poderia haver incentivo melhor para a recomposição emocional. Dava-me coragem de forma indireta, sem apelos dramáticos, sem rogativas grandiloqüentes, fazendo-me acreditar que tudo o que passara desde as regiões infernais contabilizara em méritos, para o enfrentamento dos piores cataclismas morais, sem provocar o ressurgimento das crises da consciência. Era o antídoto mais eficaz para o veneno das incertezas, das dúvidas, da falta de confiança, de fé, de esperança em que Deus é pai de misericórdia e infinita bondade. Punha-me caridoso diante de mim mesmo, para a compreensão das culpas. Notei que criara ânimo novo para o sono da noite e as tremendas revelações do dia seguinte.

Juntei as mãos e roguei-lhe que me abençoasse. Ao invés disso, Honorato me abraçou comovido e nossas lágrimas se misturaram, face contra face. Não sabia por que, mas me parecia que se aproximava o tempo da separação.

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