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Erotico-->24. CURA MISTERIOSA -- 17/11/2002 - 10:31 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Ao chegar em casa, Prisco encontrou Bernardete e Paulo Henrique à sua espera. Era a primeira vez que os via desde que regressaram da Espanha.

Dona Maria e Joaquim estavam em conversa animada com ambos, tentando pô-los à vontade. Quando Prisco entrou, estavam admirando o álbum de fotos do artista, tendo passado já pelos flagrantes de sua felicidade ao lado de Eulália.

Bernardete soltou um gritinho de alegria ao vê-lo, levantando-se lépida da cadeira, indo abraçá-lo e beijá-lo.

— Vejo que está sem gesso. Como está a mão?

Prisco ergueu o punho e movimentou os dedos, ele mesmo admirado com a facilidade com que o fez. Notou que não havia mais inchaço nem dor.

— Parece que estou recuperando os movimentos. Para tocar, porém, preciso restabelecer a musculatura. Para isso, tenho feito exercícios e aplicado banhos de salmoura. As sessões na clínica são mais completas, incluindo sessão na câmara de raios infravermelhos, massagens e aplicações de pomadas.

Paulo Henrique também se aproximou, acanhado, estendendo em silêncio a mão, como para sentir como é que o outro iria recebê-lo.

Prisco abriu um sorriso compreensivo e puxou o rapaz para abraçá-lo, murmurando-lhe ao ouvido:

— Tudo bem, meu caro. Não se preocupe com meus sentimentos. Se a gente não conseguir entender que as pessoas têm o direito de errar, também não vai saber o que seja arrepender-se e perdoar, não apenas aos outros mas especialmente a si mesmas. Eu acho que você nunca mais vai fazer o que fez.

Também sussurrando, o jovem respondeu:

— Aprendi a minha lição.

Bernardete ouviu o que ambos disseram e se uniu a eles, empolgando a ambos. Chorava, com um sentimento misto de admiração e piedade pelo sofrimento de ambos. Enfim, desprenderam-se, mantendo a moça a mão ferida do violonista entre as suas.

— Se eu pudesse curá-la de uma vez por todas, podem acreditar que eu faria isso de todo o coração.

Prisco sentiu-se incomodado com aquele ato de carinho, lembrando-se de perguntar:

— Como vão os preparativos para a faculdade?

Faceira, Bernardete respondeu:

— De vento em popa. Soube que existe um grupo que se dedica às artes e pretendo me oferecer para integrá-lo. Faço qualquer coisa, desde cantar, dançar, representar, o que me propuserem.

Dona Maria interrompeu a conversa, perguntando:

— Vocês já jantaram?

Bernardete respondeu:

— Não se preocupe com a gente. Nós planejamos ir a uma cantina aqui perto. Vamos comer pizza.

Joaquim propôs:

— Como nós estávamos esperando o nosso menino, ficamos sem jantar. Íamos encomendar exatamente uma pizza. Vocês não querem escolher os tipos?

Bernardete foi quem aceitou o convite:

— Vamos gostar muito. O Paulo é quem sabe pedir as melhores. Deixe que ele faz a ligação.

Logo, Dona Maria esclareceu:

— Mas existe uma restrição: nós não estamos comendo carne, só queijo, ovos, manteiga e leite.

— Nem peixe? — quis saber Paulo.

Prisco se antecipou aos pais:

— Nem peixe, nem camarão, nem nenhum animal cuja morte tenha sido causada por nossa necessidade de alimento. Mas vocês podem pedir o que quiserem. Eu me contento com alguma qualidade que contenha qualquer tipo de derivado de leite.

Paulo observou:

— Vamos às pizzas com cogumelos, alho e óleo, tomate seco, mozarela de búfala, verduras em geral. Todos concordam?

À vista da aquiescência de todos, discou para o número que lhe forneceu Joaquim, que garantia ser a pizzaria excelente.

Enquanto isso, Bernardete inquiria de Prisco:

— Seus pais são uma simpatia. Eles disseram que você tinha ido ao Centro Espírita “Caminho da Luz”. Pelo halo de felicidade que notei em você quando chegou, parece que aconteceu algo muito importante.

— Janete não lhe contou que temos ido assistir a algumas palestras espíritas? Existem oradores notáveis.

— Que vocês não encontraram ainda. Pelo menos, a mana estava dizendo que vocês até saíram antes do fim.

— Estamos programando ouvir a exposição de um médico espírita na sede da Federação.

— Mas o que você fez hoje à noite? A Janete me pediu que sondasse o que aconteceu para ela não ter sido convidada.

— Fui a uma sessão de desobsessão a convite justamente da pessoa que me conduziu pela primeira vez ao centro. Não deu tempo de avisar a sua irmã, mesmo porque eu me esqueci de perguntar se poderia levar mais alguém, já que tal reunião é reservada apenas aos médiuns da casa.

— Você que se entenda com ela. O que eu quero saber é se algum espírito conhecido compareceu.

Prisco não estava com vontade de relatar o que ouviu dos parceiros. Contou apenas por alto que ficara o tempo todo adormecido mas que fora capaz de ser magnetizado para dar vazão a quatro manifestações, quanto bastou para Bernardete enchê-lo de perguntas.

Para descartar-se do interesse que lhe pareceu apenas retórico, Prisco eivou as frases de termos técnicos específicos da doutrina, termos que lera em Kardec ou que ouvira dos entendidos. Falou em perispírito, em fenômenos psi e capa, em glândula pineal, em agêneres, utilizando-se de quanta nomenclatura diferenciada se lembrou.

Bernardete ouviu-o atentamente, fazendo sinais de aprovação com a cabeça. O discurso não acabava mais, até que tocaram a campainha. Era o entregador das pizzas.

Ia Prisco erguer-se, mas Bernardete impediu-o:

— Você vai ficar aqui, porque eu também conheço termos complicados que, soltos no ar, não significam absolutamente nada. O que você não sabe, é que sigo a doutrina espírita desde pequenininha. Se está pensando que me enganou, vai ter uma bela surpresa.

O artista saiu pela tangente:

— Então me responda por que Eulália deu uma comunicação endereçada a mim, estando eu alheio ao que se desenrolava na sala. Quero ver a tagarela sair-se desta.

— Se Dona Maria não fosse tão gentil, eu diria que tagarela é a mãe.

Exatamente nesse momento, ouviram a própria chamando de dentro:

— A pizza está servida. Não vão deixar esfriar.

Bernardete tomou a iniciativa e, de braços dados com os dois rapazes, conduziu-os à sala de jantar.

Sobre o balcão do aparador, alinhavam-se muitas garrafas com diferentes espécies de sucos, de refrigerantes e de águas. Ao dar com as fileiras bem dispostas, Paulo Henrique aproximou-se, examinando detidamente todos os rótulos, terminando por exclamar:

— Vocês não querem mesmo que eu tenha oportunidade de recusar nenhuma bebida alcoólica! Pois saibam que me tornei abstêmio depois do vexame que dei.

Prisco ia começar uma explicação, quando Dona Maria interveio:

— Por causa dos remédios, o meu menino não pode tomar nada que contenha álcool. Mas nós pensamos em você também, achando que não deveríamos arriscar. Ficamos contentes em saber que tomou tal decisão. É muito louvável na sua idade.

Houve um momento de recesso da alegria, mas logo todo o grupo estava cruzando informações e palavras de elogio endereçadas às pizzas.

Bernardete, observadora e sagaz, em certo momento, comentou:

— Paulo, você fez muito bem em não escolher nenhuma pizza coberta de cebolas. Eu sei que elas fazem bem ao coração, mas conseguem perturbar os que estão apaixonados.

Prisco compreendeu a alusão ao problema de Janete, problema sobre o qual tivera oportunidade de meditar, de forma que estava preparado para oferecer uma resposta que esperava dar à própria:

— Até esta noite, estava pensando que a sugestão de devorar as cebolas a que você se refere tinha sido dada por Eulália, enciumada por eu estar com Janete, principalmente num local que nós freqüentávamos. Agora estou tendendo a crer que foram os mesmos espíritos que provocaram a minha alienação no centro que sugeriram, ou melhor, que me induziram intuitivamente a afastar-me de sua irmã por meio do artifício em pauta.

Tão longa explanação provocou um rebuliço na mente dos que não sabiam das mensagens que Prisco captara. Até o fim do jantar, foi o tema predominante, todos querendo saber a respeito das sensações do médium, ninguém inquirindo sobre o teor das comunicações.

Após o café, na sala de estar, Prisco lembrou Bernardete de que lhe devia uma resposta.

Esta não se apurou:

— Tudo o que ela fez foi como quando uma pessoa escreve uma carta. Seria melhor perguntar com que objetivo os guias mantiveram você inconsciente, uma vez que faz muito pouco tempo para que Eulália já possua voz ativa em assembléia de espíritos mais evoluídos. Por outro lado, tudo que você referiu a respeito da comunicação me leva a crer em que ela deseja deixar-lhe o caminho livre do ponto de vista sentimental. Agora que você já sabe disso, por favor, nada de cebolas e muito de guitarrada.

Ia a conversa por um caminho que não agradava a Prisco, de sorte que ele se aproveitou da deixa, levantou-se, saiu e logo voltou empunhando um violão:

— Pensei em tranqüilizar definitivamente o rapazola aqui presente. Vou dedilhar uma ária de zarzuela, coisa leve, pedindo perdão se a minha voz não estiver à altura da verve do compositor.

Antes de iniciar, ao afinar o instrumento, pôde avaliar que os dedos da mão esquerda estavam espertos e firmes sobre as cordas. Era uma peça que começava bem devagar, um lamento apaixonado de um cigano que se acreditava desprezado pela mulher amada.

Todos ficaram meio petrificados com a ousadia, como em estado de suspensão vital. Um fracasso poderia ser definitivo para o prosseguimento do processo de cura. Entretanto, o guitarrista, envolvido pelo canto, considerou que a música era apenas acompanhamento, sem arroubos de interpretação. Ao final, pensava em suprimir a manifestação da dor pelo choro convulsivo das notas, mas levou a exasperação do sofrimento até o desmaio que silenciava o ato.

Os aplausos dos quatro transbordaram para os cômodos vazios, chegando até os raros passantes da via pública.

Não houve insistência nem o artista bisou ou ofereceu outra canção. Joaquim, preocupado, levou o instrumento, voltando em breve com a bacia de salmoura, mergulhando-lhe a mão.

Prisco cooperou com os cuidados paternos, afiançando, porém, que se sentia curado:

— Amanhã vou pedir ao ortopedista uma avaliação do estado em que se encontra meu punho. Não era para eu conseguir os acordes que vocês ouviram. Se não foi um milagre, está bem perto disso. Permitam-me recolher-me uns instantes, porque acho que devo orar agradecendo o benefício.

Ninguém conseguiu deter o curso das lágrimas.

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