Um mês depois da partida, Prisco escreveu diversas cartas.
Aos pais, solicitava que fossem morar em seu apartamento, mantendo Bartira no posto, porque iria demorar para volver à pátria. Explicava que a temporada de inverno iria desdobrar-se num vantajoso contrato em que se incluíam excursões, apresentações mensais na televisão, produção de CD e atendimento a eventuais convites de casas noturnas ou de artistas de renome. Ficaria, caso o contrato não se renovasse, até dezembro.
A Janete, demonstrava que, finalmente, lhe colocara a figura no passado escolar, recordando-se dela, ou melhor, de seu olhar, numa jovenzinha de doze ou treze anos, várias séries de diferença, quando ele cursava o último ou penúltimo ano do segundo grau. Disse que a juventude de Bernardete o ajudara a remontar as visões que guardara do passado. Falava de Eulália, de como a havia conhecido quatro ou cinco anos depois, ela também vários anos mais nova. Contava como seria seu próximo ano de vida profissional, afirmando que a seriedade do contrato de longe punha as maliciosas condições brasileiras num terceiro mundismo da mais baixa categoria. Falava dos tópicos pessoais, em que ficava proibido de comparecer ao trabalho sob efeito do álcool, quais as multas no caso, como também qual seria o ressarcimento dos prejuízos que lhe causassem por falta de programação de atividades. Destacava o tópico do seguro contra acidentes, brincando que até poderia valer a pena ser atropelado. Prometia escrever outras vezes e exigia uma resposta para breve, porque, argumentava, a leitura das obras de Allan Kardec não iria substituir os jantares cuja lembrança era a muleta para ele passar as poucas horas livres de cada dia.
A Mirtes, comunicava que se havia informado a respeito das casas espíritas, tendo ficado sabendo que eram poucas, com atividades uma vez por semana, quase sempre para venda de livros da codificação e exposições a respeito da doutrina a pessoas ou pequenos grupos. As que ousavam realizar sessões de desobsessão ou meramente de contato com entidades evocadas para notícias a familiares não permitiam o ingresso a estranhos, precisando os candidatos ser apresentados por pessoas conhecidas do grupo. Desconfiava de que essas associações zelavam pelo nome dos membros pelo medo de que se vissem estigmatizados socialmente, podendo ocorrer de perderem os empregos ou os amigos. Pedia outras obras, afirmando que se deliciara com a leitura de “O que é o Espiritismo?”
A Bernardete, perguntava a respeito dos resultados dos exames. Falava da vivacidade dela, dando perfeita descrição da toalete com que comparecera ao concerto. Exprimia profunda admiração pela beleza e pelas prendas que notara nela, pondo às ordens a nova residência, caso recebesse da família, como prêmio pela dedicação aos estudos, uma viagem à Europa. Se concordasse, poderia juntá-la à comitiva que iria percorrer várias cidades importantes, ciceroneando-lhe o passeio e servindo-lhe de intérprete. Viesse que não iria arrepender-se.
Os pais responderam, aceitando a proposta, desejando-lhe que fosse feliz, porque estava precisando espairecer de verdade. Lembravam-lhe a dolorosa perda da esposa e da filhinha e agradeciam a Deus a alternativa de vida que lhe havia propiciado e asseguravam-lhe que, ao regressar, iria encontrar o ambiente de seu lar bem mudado, já que estavam providenciando ampla reforma. Desse sugestões, porque se abria enorme espaço com a retirada dos pertences exclusivos da falecida, quase tudo encaminhado ao centro espírita a que ele comparecera.
Janete penitenciou-se por haver omitido a idade, mas reafirmou que ficara vivamente impressionada com ele em sua puberdade. Disse que, de fato, tinha onze anos e ele dezesseis, portanto um ou dois anos antes de haver posto reparo nela. Considerou uma pena que Eulália desencarnasse tão cedo, insistindo em que ele, pela personalidade vibrante que lhe havia revelado, com certeza, estava merecendo voltar a ser feliz na vida. Fez menção do acúmulo de tarefas na empresa em que exercia as funções e pediu-lhe que fosse escrevendo a ela, contando todas as novidades da viagem. Encerrou desejando-lhe todo o sucesso possível numa terra tão diferente dos hábitos que havia deixado para trás.
Mirtes agradeceu a missiva e prometeu-lhe enviar as demais obras de Kardec, afirmando que a generosidade da oferta das roupas e objetos da esposa havia contribuído para aliviar a sobrecarga de sofrimento de diversas famílias, informando que todos haviam enviado muitas vibrações positivas a ele, rogando ao Pai que o protegesse e iluminasse. Quanto ao movimento espírita europeu, teceu algumas considerações, esclarecendo que achava uma balela a assertiva de que o “Brasil” era “coração do mundo e pátria do evangelho”, mas que, pela lentidão com que o espiritismo se espraiava no restante do planeta, acabaria acreditando que o povo brasileiro era privilegiado.
Bernardete comunicou que o namorado havia lido com muito interesse a carta que Prisco lhe enviara, abrindo parêntese para agradecer-lhe as elogiosas referências. Pediu desculpa mas achava melhor ir passar as férias no litoral nordestino, a deliciar-se com as praias e paisagens, além de poder farrear nos bailes pré-carnavalescos. Enfeixou o texto com o desenho de um coração partido.