O périplo artístico da dupla foi o maior sucesso. Estiveram em várias capitais na América do Sul e cidades importantes, sempre recebidos com muito carinho, precedidos da fama das apresentações anteriores. Através de bem montado sistema de propaganda, freqüentaram os mais conceituados programas de entrevistas, onde executavam amostras de sua arte e aproveitavam para a divulgação dos espetáculos e dos produtos fonográficos.
Prisco caminhava na sombra de Gertrudes, sem se preocupar em projetar o nome, perfeito cavalheiro que reconhece seu lugar e se esmera por cumprir o melhor possível a função de coadjuvante. Apesar disso, ou por isso mesmo, sempre acabou chamando a atenção para si, especialmente junto ao público feminino, pela formosura de sua máscara de homem no apogeu dos quarenta anos de idade.
Dava-lhe um ar de tristeza a nostalgia dos tempos em que convivera e viajara na companhia de Eulália. Sadio mas magro, o rosto afilado, as maçãs salientes, os olhos encovados e a barba cerrada ressaltavam sua garrida trigueirice moura, em corpo espigado de mais de um metro e oitenta e cinco.
Gertrudes, que começara encantada pela atuação sempre magistral do acompanhante, percebeu que Prisco se destacava cada vez mais, sendo muitas vezes convidado para programas populares, ficando ela esquecida.
Desde que adotara o auditório virtual dos espíritos, Prisco achava natural executar peças, sem dar importância a vínculos empresariais ou de patrocínio, mesmo porque seu contrato rezava que deveria comparecer em tais espetáculos, sem restrição para qualquer outro evento paralelo.
Mordia-se a grande dama, impedida de realizar uma única e simples reclamação pela gentileza nunca desmentida do violonista. Fazia-o, contudo, em tom jocoso, como se admirasse o desempenho do companheiro, dizendo-lhe que, na próxima turnê, não mais o levaria consigo.
De volta para a derradeira apresentação, estiveram juntos no programa de auditório mais sofisticado da televisão brasileira, quando Prisco teve oportunidade de responder a várias perguntas do entrevistador, demonstrando inteligência e senso de oportunidade.
— Y tú, ¿dónde eres? — foi-lhe perguntado.
— Soy del Río de Enero — respondeu, gracejando.
Ao que lhe retrucou o apresentador:
— Pero ¡no hablas portugués!
Tanto bastou para Prisco dedilhar os acordes do choro “Brasileirinho”, de Waldir Azevedo, provocando reação de muito agrado junto ao auditório, levando o entrevistador a dedicar-se ainda mais a ele.
Finda a entrevista, Gertrudes fechou o cenho e não mais conversou com o emérito violonista.
O espetáculo final da dupla, que contava com a presença maciça da mídia especializada, foi a menos entusiasta da parte da “Flor da Espanha” e a mais perfeita de Prisco, partindo ela para o Velho Mundo com despedida meramente cortês e despeitadamente agradecida.
Alfredinho, que tudo observara, canalizou a atividade empresarial para a busca de contratos que pudessem oferecer ao guitarrista a oportunidade de demonstrar a versatilidade na pátria de origem de sua arte, tendo alcançado êxito à vista dos vídeos que organizara.
Mal teve tempo Prisco de levar Janete a conhecer Mirtes, onde ouviram a palestra de um orador monótono, a perorar para um auditório sonolento. Perguntara ele por Bernardete, mas a irmã afiançou-lhe que se achava impedida, em plena semana das provas de habilitação para a faculdade.