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Erotico-->5. O “CAMINHO DA LUZ” -- 29/10/2002 - 08:46 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Prisco lembrou-se de ligar avisando os pais para onde estava indo. Através do celular, conversou com Joaquim:

— Pai, estou indo a um centro espírita.

— Como?

— Recebi um convite e, como estou me sentindo bem, vou ver se recebo alguma mensagem da Eulália.

— Converteu-se?

— Não, “Seu” Joaquim. Estou tentando distrair-me um pouco. Afinal fiquei descansando a tarde toda. Onde é que vocês estão, que precisei ligar para o celular?

— A Dona Maria...

— Você sabe que eu implico quando chama a mãe assim.

— A sua mãe — pronto! — quis acompanhar a família da menina que morreu hoje à tarde. A mãe da pequena está desconsolada. Você sabe como é a sua mãe, quando deseja partilhar um sofrimento alheio. Agora estamos aqui no velório, a pobre moça sob o efeito de calmantes e os outros familiares chorando por todos os cantos. É uma tristeza só.

— Quer que eu passe aí pra pegá-los, depois que sair do centro?

— Qual centro?

— “Caminho da Luz”.

— Pertinho de sua casa. Vou falar com a sua mãe (quase digo Dona Maria)...

— Não provoque.

— Se ela quiser, pegamos um táxi e vamos.

— De qualquer modo, ligue avisando.

— Pode deixar. Até logo mais.

— Até...

As ruas desertas conduziram o veículo do músico rapidamente ao seu destino.

O prédio era conhecido. Prisco sequer imaginava o que iria encontrar dentro.

Assim que estacionou a dois quarteirões, foi logo abordado por um sujeito portando um crachá do centro:

— Pode deixar, doutor, que eu vou tomar conta pro senhor.

— Quanto vai ser?

— Nada, não. O serviço é gratuito.

— Muito obrigado.

Assim que entrou, foi recebido por uma jovem:

— A palestra já começou. É a primeira vez que o senhor comparece?

— Recebi este cartão.

— É o cartão da Mirtes. Por favor, fique à vontade. Eu vou chamá-la. É só um instante.

De fato, nem um minuto depois, chegaram as duas moças. Mirtes era ligeiramente mais velha que a recepcionista. Foi ela quem se apresentou:

— “Seu” Prisco, meu nome é Mirtes. Trabalho no hospital e coloquei o meu cartão em sua pasta. Não esperava vê-lo tão cedo. O senhor está bem?

— Perfeitamente. Só não me lembro de tê-la visto lá.

— É que eu faço serviços internos. Mas venha comigo. Precisamos conversar um pouco.

Enquanto saíam por um corredor lateral que dava para o fundo do corpo principal do prédio, iam conversando:

— O senhor freqüenta alguma casa espírita?

— Na verdade, esta é a primeira vez que piso num centro. Preciso dizer-lhe que a vida toda sempre me considerei meio ateu, meio materialista.

— O senhor prestou atenção no que está escrito no cartão?

— Sim.

— E...

— Quer saber se estou vindo pela dor ou por amor?

— Sim.

— Pela dor e por amor. Como é que a mocinha soube que foi você quem me forneceu o convite?

— Pelos dizeres. Só os meus falam em dor e amor. Os dos outros, cada qual apresenta um apelo próprio. Estamos tentando determinar qual o mais eficiente.

— Quantos os seus já conseguiram atrair?

— Quinze, contando o senhor. Eu sou a campeã. Os outros dizem que o meu serviço favorece. Mas, quando eu distribuía com os dizeres: “fora da caridade não existe salvação”, quase ninguém se interessava.

— O seu “slogan” é mais pessoal. O outro era uma convocação geral, uma frase de efeito, quase filosófica.

— Filosófica e geral, com certeza, porque se trata do ensinamento mais característico da doutrina, formulado pelo próprio Allan Kardec, o nosso codificador.

Haviam chegado e se acomodado num quartinho com móveis de escritório, onde um computador reinava como instrumento da modernidade.

Mirtes pôs-se a digitar rapidamente, de sorte que logo se ofereceu à tela do monitor um roteiro, espécie de ficha de inscrição, cujos elementos foram preenchidos com os dados que Prisco foi fornecendo um a um.

Quando se declarou viúvo é que reparou na aliança no anular esquerdo da jovem que o atendia.

A profissão de músico causou visível alvoroço no ânimo da secretária, a ponto de ela não se conter:

— Não temos nenhum músico profissional entre nós. Bem que estamos necessitados de alguém para entreter-nos nos momentos artísticos, apesar de estarmos recebendo constantemente visitantes ilustres que nos dão concertos reservados. O senhor toparia encantar-nos com sua arte?

— Talvez, esporadicamente. Não se esqueça de que aqui estou para conhecer a doutrina espírita. Leia o seu cartão.

— Precipitei-me. Desculpe-me.

As derradeiras questões remetiam para a razão de o entrevistado haver procurado o centro espírita.

Prisco acentuou o fato de ter perdido a esposa e a filhinha recém-nascida, o que o levou a considerar a possibilidade de receber alguma informação do além a respeito das condições delas.

“Mentiroso!” — dizia-lhe a consciência. “Você veio em busca de entretenimento. Não foi como colocou ao seu pai?”

Fez a voz íntima calar-se, perguntando à jovem:

— Com quem posso falar a respeito dos pertences de meus entes queridos? Estou com tudo em casa. Gostaria de fazer uma doação. Vocês devem manter um departamento de assistência social, pois não?

A resposta vivaz da moça se estendeu por mais de cinco minutos, falando em bom aproveitamento dos materiais doados, através de rigorosa seleção dos assistidos, pessoas carentes do bairro e das favelas próximas. Estabeleceu os critérios de escolha dos favorecidos, mas Prisco não prestou atenção, perdido nas tristezas que a memória descerrava, perpassando tantos momentos felizes perdidos para sempre, com as esperanças de uma vida recheada de amor.

— Quanto aos conhecimentos teóricos da doutrina, tendo o senhor facilidade para leitura de textos filosóficos, a gente costuma recomendar que comece lendo as obras da codificação: “O Livro dos Espíritos” e “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Kardec. Caso não goste de ler, oferecemos palestras e cursos, onde as suas dúvidas poderão ser explicadas.

— Eu pensei que pudesse conversar com alguém a respeito de algumas idéias que me surgiram na mente.

— Fale comigo. Se eu não for capaz de esclarecer, peço para algum membro da diretoria que venha conversar com o senhor.

Prisco não se sentiu à vontade, temendo abrir uma discussão, já que percebia certa reação antipática à idéia de falar com alguém muito mais jovem. Mesmo assim, para não ofender a moça, perguntou:

— Quando a gente tem a impressão de estar cercado por entidades sobrenaturais, é que realmente está ou existe uma influência simplesmente psicológica?

— Primeiro, é preciso chamar tais entidades de espíritos, ou seja, as almas separadas dos corpos de pessoas falecidas. Sendo assim, não são sobrenaturais mas naturais, pela concepção espírita. Acontece que vivem na erraticidade, ou seja, num plano existencial diferente, não tangível pela matéria em que nos situamos enquanto encarnados. Quanto a ser psicológica a reação, sempre haverá de ser, porque causa um rebuliço no cérebro das pessoas, seja em casos concretos de influência direta dos espíritos, seja por auto-sugestão, quando as pessoas são impressionáveis. Quando o seu estudo avançar, o senhor vai ver que sempre existem certos espíritos que se aproveitam da fraqueza ou invigilância das pessoas, para exercer certo domínio sobre elas, com várias finalidades. Mas eu estou indo muito depressa. Para responder diretamente, posso afirmar que a doutrina espírita ensina que todas as pessoas, em todos os instantes, estão cercadas por espíritos de diversos níveis de adiantamento. A sensação de que estão presentes caracteriza aqueles que possuem tendência para captar as informações ou vibrações espirituais da erraticidade, tendência a que atribuímos o nome de mediunidade. Não sei se lhe respondi satisfatoriamente.

— Mais do que satisfatoriamente. Estou encantado. Os livros que você citou contêm explicações tão claras quanto essas?

— Vamos fazer o seguinte: o senhor leva aqueles dois livros emprestados. Se gostar e quiser tê-los em casa para consultar sempre que tiver alguma dúvida, temos uma banca de vendas, a preço de custo quando se trata das obras de Kardec. Se achar que precisa de esclarecimentos específicos, já que se confessou materialista, leve outro opúsculo que Kardec escreveu para objetar contra os argumentos de certas categorias de intelectuais: “O que é o Espiritismo?” Eu acho que esta obra vai cair direitinho naquilo que é do seu interesse.

Mirtes pareceu a Prisco muito mais capacitada do que sua aparência de juventude poderia fazer crer. Ia pensando tratar-se de uma espécie de preconceito machista, quando se lembrou da inteligência superior de Eulália, a quem admirava, brincando que era inspirada pela deusa Minerva.

Naquele momento, houve um burburinho no auditório, indicando que o povo dava vazão aos pensamentos e sentimentos que contivera durante a palestra.

— Vamos entrar, para eu lhe apresentar os meus colegas, todos voluntários e sempre bem dispostos a praticar com os novatos.

Prisco se enredou no verbo “praticar”, não atinando logo que estava na acepção de “conversar”. Entretanto, precisou atender ao chamado telefônico. Era o pai solicitando que fosse imediatamente ao velório. Dona Maria estava chamando-o.

As apresentações se adiaram e Prisco saiu carregando os três livros, já desinteressado de seu conteúdo.

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