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Erotico-->3. A MORTE DO VELHO SENHOR -- 27/10/2002 - 11:17 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Prisco dormia quando sentiu a movimentação em torno de si. Acordou do sono letárgico causado pela fraqueza, ainda zonzo, sem domínio completo do momento.

O biombo que escondia o leito ao lado pareceu-lhe ocultar-lhe a dona dos gemidos, ressurrecta dentre os mortos. Demorou para entender que a visão íntima comprometia a realidade.

Ao voltar-se para olhar o velho que repousava do outro lado, deu com a cama e seu colchão azul. Só então atinou que o biombo trocara de lado e que agora escondia o homem de enigmático sorriso.

Nisso entrou um senhor de meia idade, engravatado, em seu terno cinza, óculos de aro de ouro, rosto escanhoado, o qual desapareceu atrás do móvel, agora mais móvel do que nunca.

Passados uns poucos segundos, ressurgiu aquela pessoa, afastando-se de costas, pondo-se à vista do enfermo. Foi quando este foi notado. Aproximou-se ele da curiosidade que o media de cima em baixo e foi explicando:

— Finalmente, meu velho faleceu. Mais de noventa e cinco. Sofreu nestes últimos dez anos. Deus demorou para aliviar-lhe a dor. Parada cardíaca, vai atestar o doutor, mas a “causa mortis” foi velhice.

Falava da morte sem pensar em que o ouvinte estava ali como à espera dela.

Prosseguiu:

— Meus irmãos vão regozijar-se, porque o rodízio mensal para ficar com o pai estava tumultuando a vida de cada um. Eu pouco cuidei dele, porque sou solteiro e não tenho filhos.

Fez uma pausa a observar o homem que tinha à sua frente. Deve ter concluído que seu estado não era mau, porque perguntou:

— O amigo está sendo reidratado? Com certeza, vai ser mandado para casa logo. Eu lhe desejo breve recuperação. Almeida, às suas ordens.

Estendeu a mão, mal roçando o braço que repousava ao longo do corpo e retirou-se, lançando um último olhar para trás do biombo.

Alguns minutos depois entraram dois enfermeiros com a maca de rodinhas, saindo em seguida, transportando o corpo envolto em lençol. Ficou a enfermeira, que recolheu o tabique, a retirar a roupa de cama, a passar álcool no azul do colchão, que tomava ares de brilho para esmaecer em seguida.

Ao dar com o interesse do paciente do leito ao lado, sorriu, não ligando para dizer:

— O velho vinha para cá de quinze em quinze dias, completamente desnutrido. Dava trabalho para alimentá-lo pela boca sem dentes, mal engolindo o caldo de galinha, fazendo a maior sujeira. O que lhe valia era o soro, quando não precisava de transfusão de sangue...

Ia dizer que o leito seria melhor aproveitado por algum jovem, mas calou-se ao dar com a outra cama vazia. Foi o concluiu Prisco, ao ouvir a observação seguinte:

— Coitadinha da menina que morreu aí do seu lado. Queimaduras de primeiro grau. Entornou a frigideira cheia de óleo de cima do fogão. Foi melhor ter morrido, porque ia ficar com horríveis seqüelas, aquelas deformações que a plástica não consegue eliminar.

— Meus pais ainda estão aí?

— Eles mandaram dizer para o senhor ligar quando saísse.

— Quanto tempo eu dormi?

— Já está quase na hora de receber alta. Agora são sete horas. No horário de verão, o dia ainda está bem claro e a gente não nota que o tempo passou.

— A família da mocinha já se conformou?

— A mãe estava um trapo. Foi ela quem acudiu e trouxe a filha no carro. Disseram que bateu no caminho, precisando a polícia trazer as duas ao hospital. Uma tragédia.

— O filho do velho é que estava bem.

— Pederasta. Enquanto esperava o pai morrer, ficou de conversa com um enfermeiro dado a essa de homossexualidade. Eu, hein!

Acabou aí a conversa, intrigado Prisco com a manifestação descarada do preconceito, lembrando-se que, no meio artístico, convivia com dezenas de pessoas atraídas pelo mesmo sexo, a maioria das quais inteligentes e de notória sensibilidade.

Estava ainda considerando o caso, quando se lembrou de que o Almeida lhe havia dito que pouco cuidara do pai.

“Quem sabe não morreu o velho de desgosto, envergonhado do filho. Quanto os outros não devem ter recriminado o fato de ele não ficar com o velho e quantas vezes não devem ter jogado na cara do pai o defeito moral do irmão.”

Estava nessa linha de considerações, quando entrou o médico que assumia o plantão naquela hora. Sem olhar para o paciente, pegou a tabuleta ao pé da cama, examinou-a, escrevendo algo na folha, fazendo um gesto para enfermeira de que o leito estava liberado.

Para não dar inteira impressão de frieza, apertou o pé de Prisco, brincando:

— Vá levar o patrão pra casa, vá!...

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