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Erotico-->45. LEANDRO SE EXPÕE A MÁRIO -- 16/10/2002 - 07:01 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Estava Mário em plena atividade socorrista no hospital, quando vieram avisá-lo de que tinha visita num dos consultórios. Reconheceu a enfermeira que prestava serviços aos traficantes e desconfiou de que haveria de se encontrar com alguém do bando. Foi direto ao assunto:

— É alguém lá de cima?

— Bem do alto...

— Diz para ele aguardar um pouco, pois preciso...

— Doutor, a barra está limpa. Não é pra recear coisa alguma.

Mesmo assim, precavido, solicitou a um dos seguranças que o acompanhasse. Não via qualquer impedimento para a marginalidade executar quem quer que fosse, onde lhe aprouvesse.

Esperava-o Leandro, de pé, encostado à poltrona, de frente para a janela.

Mário fez um movimento de recuo. Não podia imaginar que viria o bandido postar-se diante de si, em local absolutamente impróprio.

Leandro abriu o paletó, indicando que estava desarmado:

— Não precisas assustar. Minha visita é de paz. Tenho de te dar satisfações, pois as coisas correram à minha revelia.

— Mas foi por tua causa que Isabel foi assassinada.

— Isso é verdade. Mas não por minha vontade, que desejava que ela cuidasse da criança, como já te disse.

— Se eu colocar fé nas palavras dos traficantes...

— Por favor, Doutor Mário! Vamos tratar somente do que nos interessa.

— A mim me interessa a verdade, pois me sinto ameaçado...

— Vim por causa disso mesmo. Afastei o perigo que rondava a tua família e empenhei minha palavra. Se te disser que não correste o risco de morrer, mentirei. Estava tudo preparado para que fosses atingido pelas garras da organização. Desde que, no entanto, ponderei a respeito de teus trabalhos de assistência no morro e no hospital, consegui fazer que vissem que terias do que nos acusar, desde há muito.

— Quero saber uma coisa: minha mulher e meus filhos...

— Teriam o mesmo destino, evidentemente. Talvez as crianças não. Mas a tua mulher, com certeza.

— Penso que a tua “organização” se acredita dona do mundo.

— Se queres filosofar, posso te dizer que mandamos apenas num pedaço, onde ninguém pode entrar, nem as forças policiais, como atestam os óbitos que presencias a toda a hora. E não é assim em todo lugar? Quem me garante que os eleitos pelo voto são santos? Governam para recuperar com juros o dinheiro fabuloso que gastaram para se elegerem. Eles e a confraria. E o lucro é bem grande. Só que esses transformam as organizações policiais e as forças armadas em suas guardiãs particulares. Se o Doutor não for capaz de ver isso, posso dizer que estás cego e que nada entendes da vida neste país e em todo o mundo.

— Conheço uma região em que não podes mandar.

— Onde?

— Nos domínios do Senhor, ou seja, nos corações dos bons, dos honestos, dos que fazem o bem.

— Concordo, plenamente. Mas quem está interessado em algo que não produz dinheiro? Se estás falando das religiões, posso dizer que o Vaticano arrecada verdadeiras fortunas. E essas seitas modernas, as quais têm tanto dinheiro que estão mandando na televisão? E aqueles fanáticos que prometem o paraíso para quem participa de suas “guerras santas”?

— Estou referindo-me aos centros espíritas...

— Os pais e mães-de-santo arrecadam tanto quanto qualquer outro no ramo. Existem muitos que possuem propriedades imensas. Há os pobres, certamente. Mas a regra geral é trabalhar por bom dinheiro. Caro Doutor, o Senhor está por fora!

Mário não via como dizer que não. Imaginara que os kardecistas fossem pobres, mas a quantidade de títulos publicados indicava para maciça venda de livros. Desconhecia onde se aplicava o dinheiro, mas não iria levantar essa lebre perante alguém que se mostrava tão por dentro das perversões sociais.

— Vamos abreviar a tua vinda. Desejas mais alguma coisa ou já me puseste a par de tudo?

— Tive uma idéia que poderás acatar ou não. Se aceitares a minha proposta, terás cobertura pelo resto dos teus dias. E uma boa fonte de renda.

— Não pretendo subir mais o morro. Tenho estado...

— Vou direto ao assunto. Quero que adotes meu filho, oficialmente. Darás a ele educação e carinho, o que presumia eu que Isabel fizesse.

— Não estás em condição de determinar o futuro da criança. A Justiça está tratando do caso, por força de não se conhecerem os pais.

— Sinto que não tenhas compreendido o poder que represento. Quando estou dizendo para adotares o menino, é porque tenho tudo sob controle, inclusive o que chamaste de “justiça”. Basta dizeres que “sim” ou que “não”. O resto fica por minha conta. E não precisas responder agora. Consulta a tua mulher. Analisa as tuas possibilidades de querer bem a um escurinho, filho de prostituta e de traficante, como deves estar pensando. Se julgares que irás dar a ele as mesmas condições de vida de teus filhos, aceita a minha proposta. Não te arrependerás.

Mário via que Leandro não estava para brincadeiras. Admirava nessa personalidade criminosa o espírito de decisão e a elucidação lógica dos pensamentos. Os sentimentos não transpareciam nunca, se é que existiam. Mas a preocupação com o filho era, no mínimo, extemporânea. Por que não lhe dera amor e assistência quando Isabel era sua companheira? Ter-se-ia deixado levar pela ganância ou fora engolfado pela instituição criminosa, da qual ninguém sai com vida?

Estendia-se o silêncio por vários minutos. Leandro não dava mostras de impacientar-se. Mário suspeitava de que, mais tarde, quando viesse a idade da compreensão, Leandrinho iria querer saber o que se passara entre os pais. Como é que via essa perspectiva?

— Quando meu filho tiver idade para investigar os acontecimentos, o Doutor terá conhecimento suficiente da personalidade dele para efetuar as explicações da melhor maneira, à vista da realidade. Esse problema não me preocupa, pois, qualquer que seja o paradeiro dele, sempre haverá de lhe ocorrer o processo da dúvida, da busca da verdade, do enredamento com as mulheres, da definição do papel que exercerá na sociedade. Não parece ao Doutor muito precoce tal conjuntura?

— Tenho de afirmar que estou com medo de vir a criar alguém que irá ser requisitado mais tarde pelo pai, para o mesmo ofício.

— Leste no meu pensamento. Não vou te esconder que isso está na minha cabeça. Mas já vi tanta coisa na vida, que não posso assegurar o dia de amanhã, quanto menos o que se vai passar dentro de dez ou quinze anos. Gostei que tenhas tido a perspicácia de entender o que trago na mente. Compreenderás também que estou sendo firme no propósito de te manter a salvo?

Mário sentiu na proposição sutil ameaça. “Que me acontecerá, se não aceitar?” Resolveu dar tempo ao tempo:

— Tens razão quanto a ter de consultar minha mulher. Se me permitires, vou te dar a resposta dentro de uma semana.

— Poderás decidir bem mais pra frente. De qualquer modo, irás ter de esperar o meu aviso. Sendo assim, fica no aguardo de aceno meu, para voltarmos a nos entender.

Sem se despedir, deixou o médico com suas reflexões, fazendo-se preceder de dois asseclas.



Em casa, Mário expôs a Marlene os temores quanto às conseqüências de uma recusa.

— Mas tu não estás tão bem impressionado com o menino?

— Não a ponto de trazê-lo para morar conosco.

— Pois eu acho que devemos isso a Isabel.

— Sob esse ponto de vista, precisamos consultar Baltazar. Talvez ele se sinta bem mais...

— O pai não iria aceitar a interferência de pessoa alguma. Pensa bem que foi a circunstância do casamento com a moça da sociedade que o impeliu a se sujeitar à tua vontade. Contudo, é preciso saber que iremos obter vantagens com o ajuste.

As ponderações de Marlene mostravam que amadurecera naquele ambiente de terror. Mário percebia o quanto os raciocínios se originavam do medo de ofender o poderoso membro da organização criminosa. Mas havia outro fator que avultava no sentido de fazê-lo aceitar com boa vontade a guarda do pirralho: estimava a criança, a ponto de não passar dia sem ir observar os progressos da saúde e dos estudos. Conversavam por horas a fio, quando serenava o atendimento ao público. No mínimo, ao sair, nunca deixava de passar pela pediatria. Orivaldo correspondia às atenções com meiguice e apego. Quem não gostava dessa afeição era Raimunda, que via na ascendência do médico sobre o bom ânimo do menino o risco de perder as comodidades. Entretanto, o Doutor dava de ombros diante dos desplantes da velha, ciente de que o pai iria solucionar o problema do filho. O que nunca lhe passara pela cabeça era o pedido da adoção.

— Sabes o que vamos fazer? Vou te levar para veres como o garoto progrediu. Vou te apresentar à antiga tutora, que lá está ainda como garantia psicológica inventada pelo pai. Com certeza, a velha virá de contrapeso. É algo para...

— Estás indo depressa demais nas conclusões. Aceito ir ver o menino. Vamos levar as crianças, se não houver perigo de contaminação e se não houver nada para deixá-las impressionadas.

— Será preferível, então, trazê-los aqui em casa.

— Mas não está proibido pela Justiça?

— Vamos testar a força do tráfico. Se me negarem o pedido, aciono o pai.



À noite, Mário adormeceu tranqüilo, como se estivesse acrescentando alguns pontos ao ativo socorrista. Durante o sono, recebeu a visita de Alfredo e Dráusio, com quem planejou a assistência a ser dada àquele espírito primitivamente destinado ao crime. Acordou com a impressão de que recebera influxos energéticos para o enfrentamento da nova situação. O intelecto parecia revigorado, como se as coisas estivessem bem melhor definidas. Saiu em busca dos livros de Kardec, constatando que lera todos. Estava na hora de voltar ao Centro Espírita, para a aquisição de outras obras. Foi o que se determinou a fazer naquele dia.

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