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Erotico-->17. ISABEL VENCE ETAPAS -- 18/09/2002 - 06:06 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Mário, ao receber o “faz o que tem de ser feito” de Leandro, não desconfiou de que a presença de Isabel estava sabida. Mais uma vez, não vislumbrou a face do bandido, de modo que não tinha elementos para saber como lhe refletira no coração a notícia de mais uma grave moléstia. Se tivesse tirado a máscara ao pai, encontraria outra, fria, indecifrável, puxando para o violento, em todo caso, imperturbada, como se todas as saídas estivessem vigiadas e todos os do rebanho devessem sacrificar-se.

Naquela noite, especialmente, Marlene oferecera preces de muita angústia pela salvação da criança, porque o esposo lhe havia passado os temores da derrota. Alfredo e Dráusio comoveram-se com o acréscimo de fé, nas ardentes palavras da mulher, que, depois do seqüestro dos filhos, se apegara muito mais à religião, concebendo a pessoa humana bem pequena, perante o Universo, e a vontade individual, uma chispa na fogueira infernal da sociedade. Deus poderia justificar os atos humanos e interpretá-los de modo absolutamente justo. Punha-se nas mãos do Senhor. E acompanhava os filhos, para onde precisassem ir.

Desde o primeiro dia do regresso, um detetive foi posto à disposição do médico, para resguardo da família. Mário temia recusar-se a aceitá-lo e, ao mesmo tempo, gostava que a vigilância se desse pela força policial. Sabia que Leandro mantinha gente sua a observar os petizes e isso o punha de cabelo em pé, porque a descoberta pela polícia dessa clandestina segurança acabaria por envolvê-lo com a quadrilha. Mas, como não podia fazer nada de positivo, evitava, ao máximo, dar demonstração de que reconhecia as pessoas que se postavam ao derredor da residência.

Na verdade, Leandro fora informado de que havia policiais no pedaço e retirara os homens. Pusera um vendedor de cachorros-quentes na esquina e mais uma bêbada a fazer estágio na pracinha, diante da porta lateral da residência, que ocupava uma esquina. Com ela, duas crianças maltrapilhas, para o efeito da mendicância. Eis que a paisagem urbana se compunha, sem desequilíbrios. Importava, agora, muito mais, ter Isabel sob controle.



Uma noite, quebrando a rotina do plantão, às duas da madrugada, Mário recebeu Isabel e Marlene, no hospital, para levá-las a conhecer o menino. Não estava muito bem, mas as contagens dos glóbulos brancos se equiparavam às da normalidade.

A enfermeira da noite percebeu de imediato que a moça era a mãe e deu discreto aviso aos comparsas. Acompanhou as visitantes ao quarto e observou atentamente as reações de Isabel.

Esta se pôs estática ao pé do leito. Orivaldo dormia serenamente. Não havia nenhum aparelho ligado ao corpo franzino. Deixara de receber soro fisiológico. As doses de antibiótico haviam sido suspensas há mais de mês. A pele marcara-se pelas feridas, havendo ainda uma ou outra que purgava. Sobre os ossos, alguma carne tirava-lhe a expressão mais cadavérica. Entretanto, os olhos fundos impressionavam. Lembrava as crianças somalis da fome e da peste. Quando chegara, era um borrãozinho negro sobre a brancura dos lençóis. Para a mãe, era a personificação da desgraça.

Isabel não chorou. Tinha sido preparada por Mário para encontrar a criança debilitada. À presença do pequenino cadáver, ficou sem forças morais.

A enfermeira inibia a exposição do médico. No leito do acompanhante, dormia Raimunda, ajudada por sonífero, por conta de analgésico, administrado pelo próprio Doutor. Com a desculpa de que não se poderia fazer barulho, falava junto ao ouvido de Isabel, descrevendo as medidas médicas aplicadas. Houve momento em que levantou de leve o lençol para mostrar que o local em que penetrara o projétil estava quase totalmente imperceptível.

Isabel fez menção de se ajoelhar, mas Marlene a amparou e, suavemente, a levou para o corredor. Sussurrou-lhe ao ouvido:

— É preciso que sejas forte. Olha o segurança no corredor. Está curioso. Vai revelar ao chefe o que se passou aqui. Mário talvez saiba o que fez, mas eu desconfio de que terás de desaparecer por uns tempos.

Isabel não respondeu. Vagavam-lhe os pensamentos muito longe. Via Leandrinho brincando com o pai. Gordinho nunca fora, mas saudável e inteligente. Dera-lhe o peito por muito tempo e vira-o sugar-lhe o leite, deliciado e confiante. Não entendia como fora capaz de largá-lo à maldita porta da velha. Queria ferir o pai. Atingira o filho em cheio. Começava a tremer.

Mário chegou e ajudou a levá-la para o carro. Ao reentrar, viu que o segurança estava ao telefone. No corredor, encontrou-se com a enfermeira:

— Era a mãe, não era Doutor?

— Era, sim. Não me pareceu justo que não visse o filho.

Falar de justiça deveria ser o mesmo que dizer nada. Mas contava que a espiã também fosse mãe, que entenderia...

— O Senhor não irá atualizar o fichário do hospital?

Mário percebeu o interesse burocrático e a ameaça velada. Respondeu com sagacidade:

— Querida, nós dois sabemos quais são os interesses em jogo. Faças o que tens para fazer. Mas não deixes de contar que a moça nem tocou no menino. Entendeste?



A visita não teve outro mérito que avivar o sentimento de culpa de Isabel. Rejeitou a sugestão de “desaparecer por uns tempos”. Marlene queria levá-la ao confessionário, porém, Isabel recalcitrava. Não se lembrava de ter sido sequer batizada. Quando acompanhava a família à missa, a cerimônia punha-a perplexa. Não compreendia como é que as pessoas podiam interessar-se pelas imagens, pelo incenso, pelos cânticos, pelos movimentos hieráticos, que ela traduzia como perda de tempo, já que não resultava em nada valioso para ninguém. Desconfiava de que os sacerdotes embolsavam uma bela soma em cada solenidade, porque o pessoal punha notas graúdas na cesta, de mão em mão.

Confessou a Baltazar, que não era padre e que a entendia muito bem em todos os anseios carnais. Fez dele confidente. Não escondeu nada. Se tivesse nojo de seu corpo ou medo da “bandidagem” do morro, que fosse embora. Soubesse, contudo, que, se ficasse, correria graves riscos.

Baltazar sorria com todos os dentes. Não caçoava da rapariga, mas punha-a muito sem jeito. Compreendera que o meretrício lhe dera traquejo sexual e isso o deliciava. Não punha fé em que fosse muito importante o pai da criança. Rejeitou a idéia de carregar o menino para longe, destruindo o objetivo do ódio no nascedouro do coração da amante. Sentia-se forte no terreiro, corpo fechado para as malvadezas humanas. Na rua, carregava um trinta-e-oito municiado e evitava os lugares ermos, apropriados para as emboscadas. Se resolvessem acabar com ele, uma rajada de metralhadora bastaria. Ou uma bala dita perdida depois pela imprensa, mas que teria o destino traçado.

O bom balconista não insistiu em levá-la ao terreiro. Por aquele tempo, interessava-se pelos prazeres do leito. Mas houve uma constância em procurar a moça com a qual não contava. Parecia necessitar dela. Achava doce demais aquela vozinha meio chorosa, adequada para as carícias sentimentais. Não conhecera ninguém mais insinuante nem mais evasiva. Várias vezes, permanecera esperando por ela inutilmente, apesar da confirmação do encontro por telefone. Quando voltavam a se ver, não se estimulava às recriminações. A felicidade de estar com ela suprimia as dores das horas de martírio. Sabia que se apaixonara, mas pretendia afogar o sentimento na reiteração dos encontros, na pasmaceira da companhia.

O seu guia, por essa ocasião, lhe disse para ser firme no relacionamento amoroso, aconselhando-o à fidelidade, à estima, à ternura. Disse-lhe que o destino lhe reservava agradáveis surpresas, após muita luta e muito sacrifício. E passou-lhe algumas obrigações, dentre as quais a de trazer consigo a namorada, na próxima sexta-feira.



— Não vou!

— Precisas ir, sim!

— Quem vai me obrigar?

— Ninguém. Vais porque assim deve ser. Foi o guia que me pediu para levar você. Pensas que ele pede isso a qualquer um? É honra muito grande. É dignidade que não se pode recusar.

O curso primário completo lhe dava vezos de vestibulando. Aliás, o segundo ciclo ia adiando-se, na necessidade dos ganhos imediatos, para pôr comida para a mãe e a irmã. Essa facilidade com as palavras causava admiração em Isabel. Como é que um negro podia ser tão educado? Os que ela conhecia eram broncos. Diziam o que desejavam e tomavam logo. Depois desapareciam. Baltazar ia ficando. Ia deixando-se ficar. Concordava em que ficar era o que desejava. Quando ela faltava ao encontro, sentia que a voz se enternecia, que os desejos se acentuavam, que os carinhos redobravam.

— Quem é esse “guia”?

A palavra impunha respeito. Não se podia brincar com o transcendental.

— É meu protetor espiritual. É meu orixá. É aquele que vai me receber quando eu morrer, para me levar à terra da felicidade perfeita. Se eu não cumprir minhas obrigações, os exus me dominarão e me levarão para o inferno.

Baltazar procurava enfeitar com as cores mais vivas do convencimento. Ele mesmo não era capaz de conceber as raízes da Umbanda como religião e culto a entidades perfeitamente entrosadas com Jesus—Orixalá. Era muito moço e seus interesses, materiais. Mas respeitava a força dos médiuns que incorporavam as entidades do terreiro. E o poder que sentia emanar das palavras dos espíritos. Não se dizia supersticioso. Era supersticioso.

— Vamos ver o que diz o Doutor Mário e a Dona Marlene.

— Eles vão dizer para ir à missa. Você não pode contar aonde eu te pretendo levar. Isso vai fazer perder o encantamento da visita.

Era mentira, mas precisava reforçar o pedido.

— Se você vier me buscar, talvez eu vá. Mas, de ônibus, eu não vou toda de branco.

— De onde tiraste a idéia de ir de branco?

— Não é assim que as mães-de-santo se vestem?

— Você não é mãe-de-santo. Estás pensando que é só chegar e ir entrando? Vais precisar passar por toda a iniciação, se fores chamada pelo babalaô.

— É como fazer a primeira comunhão?

— Muito mais complicado.

— Então, eu não vou.

— Não sejas espevitada. É puro orgulho pensar que vais ser aceita “de cara”, só porque eu recebi a obrigação de te levar. Sexta-feira, arrumo um carro emprestado ou pego um táxi. Me espera às sete e meia. E não conta nada a ninguém, especialmente a essa Joana dos Santinhos.

Isabel achava gozado que ele a chamasse assim, por causa das figuras de santos que lhe dava. O que Baltazar não sabia era dos esconjuros que Joana lhe fazia, sempre que se falava no tal.



Sexta-feira, às sete e meia, Isabel estava, toda de branco, aguardando Baltazar, que chegou a essa mesma hora. Obrigação não se discute: cumpre-se!

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