— Por que, Dráusio, há tanta vigilância sobre Isabel?
— São os beneficiários da maldade dos traficantes, que velam para assegurar à quadrilha o melhor sucesso.
— Não são os obsessores dela. Pelo menos, não os reconheci.
— Esses não teriam acesso a esta região.
— Que veio ela fazer?
— Estou acompanhando-a, por determinação de José, desde um mês atrás. Cabia-me fazê-la interessar-se pela sorte do filho. Veio-me a idéia de prendê-la ao vídeo, com o noticiário do tiroteio.
— Sabia do ferimento de Orivaldo?
— Não sabia. Queria que ela se lembrasse do filho, que deixara em Andaraí de Cima. A filmagem do guarda transportando a criança foi surpresa. Ainda bem que Raimunda veio junto.
— Garanto-lhe que não participei dessa ação.
— Estão envolvidos muitos interesses na proteção da vida do menino. Isso quer dizer que as ações da benemerência deverão atuar sobre as pessoas que lhe estão dando assistência.
— Isabel, o que está querendo, afinal?
— A causa de procurar Raimunda está em afastar de novo o menino do pai. Está buscando retaliação. Entretanto, alcancei fazê-la lembrar-se do pequeno com ternura. Pensou que tivesse morrido e quis entristecer Leandro. Depois fraquejou emotivamente. Agora quer ter o filho de volta. É um bom começo para a recuperação desses laços cármicos.
— Mas o menino está em estado gravíssimo. José nos afirmou que superará a crise, mas não percebo como isso ocorrerá nas mãos de criaturas de tanta maldade. São poderosos esses obsessores, tanto que constroem muralhas energéticas, que me impedem a aproximação. Sozinho, não poderei fazer nada.
— Acredito que José não vá autorizá-lo a agir, pelo menos enquanto não se estabelecer rigoroso plano de abordagem dos pais. Isabel mesmo, se voltar para o meretrício, ficará disponível para os perseguidores e demais vampiros do sexo. Aí, não desafiará o antigo companheiro. Não resgatará o filho.
— Você tem algum projeto de influenciação?
— Tenho e foi aprovado por José.
— Dá para me revelar?
— É simples. Devo cuidar para que Isabel se mantenha interessada em ficar com o filho. Para isso, irá localizar o hospital em que se internou e verificar quem é o médico responsável por ele. Aí, tentará, de um modo ou outro, fazer-se reconhecer como mãe de Orivaldo, para convencê-lo a entregar-lhe a criança. Não é difícil, já que possui documentos idôneos. Entretanto, precisa do apoio de Raimunda e essa está presa a mando de Leandro.
— Como assim?
— Leandro imaginou que a polícia iria fazer Raimunda desaparecer e determinou aos capangas que a seqüestrassem. Numa boa. Deu-lhe moradia bem melhor...
— Já fui atrás dela, mas o resguardo vibratório estava muito vigoroso.
— Pois, então. Como Mário irá acreditar em que Orivaldo é filho dela? Não se esqueça de que o nome do registro é Leandro, como o pai. Aí, sem o testemunho de Raimunda, só com exames especializados. Isso só se consegue por ordem judicial. Nesse campo, Isabel não conseguirá lutar contra o poderio do ex-amante. Imagine que Isabel precise comprovar idoneidade perante o juiz. Prostituta, Leandro acabará moralmente com ela. Não se esqueça de que, oficialmente, ele é dono de restaurante bem conceituado.
— Você tem alguma idéia de como aproximar Isabel do Doutor?
— Não será difícil. O que temos a fazer e manter-lhe a lembrança do filho bem viva na memória, mesmo correndo o risco do estímulo aos sentimentos de ódio.
— Conversar com ela durante o sono, não seria possível?
— Seria, se obtivéssemos ajuda de todo o grupo mais a intercessão dos guardiães das esferas elevadas. Mas, aí, a deliberação não seria nossa.
— É verdade. Estou querendo resolver tudo pela minha cabeça.
Houve um momento de nostálgica impotência de ambos, na rememoração do que os fazia fracos, diante da malignidade. Mas Dráusio tinha trabalho a realizar e não podia desperdiçar mais tempo.
— Quer vir comigo, para sentir como está reagindo Isabel, após ter-se compenetrado de que Leandro deverá estar por detrás do sumiço de Raimunda?
— Vamos lá. Como não tenho forças para ficar ao lado de Orivaldo, posso assistir você, na emergência de buscar socorro.
Isabel perdera-se na multidão. Mas tinha determinado que encontraria o filho. Buscou um matutino no jornaleiro mais próximo. Sentou-se num tamborete de bar. Pediu refrigerante. Dispensou os gracejos do balconista, olhando fixamente para o jovem, deixando-o sem jeito perante os fregueses. E leu o noticiário relativo aos acontecimentos do morro. Não demorou para topar com o nome do hospital para onde se recolheram os feridos. Leu os nomes de Raimunda e de Orivaldo. O filho deveria estar lá.
Quando os dois protetores a localizaram, estava voltando de ônibus para casa. Não havia obsessor por perto. O campo vibratório do morro exercia o seu poder até os limites da atuação da quadrilha de narcotraficantes.
Dráusio instalou-se de modo a perceber os pensamentos da protegida e verificou que tinha a intenção de ir ao hospital. Mas precisava vestir roupa mais adequada.
“Se tivesse dinheiro na bolsa, compraria um conjunto e não perderia tempo.”
Era como que a resposta a uma observação telepática de Dráusio.
Alfredo se regozijava pela facilidade do amigo.
“Ao menos, uma pessoa está podendo sentir os eflúvios benéficos dos protetores. Graças a Deus!”
Acostumado a agradecer cada pequenina vitória no campo do socorrismo, Alfredo se pôs a orar com muita devoção, dando amparo magnético ao companheiro, para que exercesse mais proficientemente a tarefa evangélica. Enquanto rezava, emitia vibrações de muito amor, para que se transformasse a atitude de desprezo e de rancor contra Leandro em pensamentos de solidariedade e de comunhão fraternal, na criação do filho. Apanhou-se sonhando com ideais familiares equilibrados sobre as virtudes. Será que Isabel realizaria, nesta encarnação, os projetos delineados no etéreo e mal alinhavados na vida?
Não foi difícil de perceber que Isabel estava resolvida a alguma modificação fundamental de comportamento. Alfredo quis ver a influenciação de Dráusio mas não atinou com quais meios obtivera o impulso consciencial.
Isabel tinha economias. O suficiente para se agüentar durante bastante tempo em quarto de hotel sem classe, onde passara os últimos anos. Não se preocupou com o sujeito que a espoliava na qualidade de cafetão. Saberia como escafeder-se, se fosse preciso. Tinha parentes que a agasalhariam, por algum tempo. Mas somente em último caso, porque Leandro teria facilidade para encontrá-la.
Enquanto traduzia os pensamentos da moça, Alfredo notou que havia paz ao derredor. Dráusio, como se tivesse compreendido a reflexão, assinalou:
— Observou, meu caro Alfredo, que os obsessores não se aproximaram ainda? Sabe por quê?
— Imagino.
— Diga lá!
— Querem ver o circo pegar fogo. Estão sabendo de suas atividades e julgam que, se você aproximar os dois, irá provocar o desfecho da selvageria que o ódio desencadeará.
— Isso mesmo. Pensam que estamos trabalhando por eles. É bom que acreditem nisso, pois nos deixam o campo livre. Lamento, somente, por eles mesmos, porque não se permitem contaminar pelos eflúvios de regeneração espiritual que concentraríamos, para levá-los a meditar sobre as verdades evangélicas.
Vestida com roupa de cidadã comum, Isabel contou o dinheiro e decidiu tomar um táxi. Queria estar logo no hospital.
No caminho, foi pensando em que desculpa daria para conversar sobre a criança ferida. Não poderia aventar a verdade. Se Leandro estivesse controlando as visitas para o filho, seria descoberta.
Na porta do hospital, parou indecisa. Tirou o espelhinho da bolso e avaliou a maquilagem. Estava com o rosto praticamente lavado. Era bonita mas percebeu o cenho excessivamente carregado. Se entrasse tão preocupada, chamaria a atenção. Notou que havia vários encarregados da segurança. Uniformizados. Pediria informações a um deles. Selecionou o que lhe pareceu mais confiável, pela cor negra e pela atenção dada aos transeuntes e dirigiu-lhe a palavra:
— Estou procurando o médico encarregado do pronto-socorro. É o Doutor Paulo ou o Doutor Roberto?
— O Doutor Paulo não está, no momento. O Doutor Roberto, eu não conheço...
— Será que fiz confusão com os nomes? Quem é o médico principal?
— É o Doutor Mário...
— Isso mesmo! Mário... Mário... — Isabel fingia vasculhar na memória o sobrenome esquecido.
— Doutor Mário Santana. Mas não vais poder falar com ele. É importante?
— Para mim é, sim. Estou procurando emprego e me disseram que o hospital está contratando faxineiras.
— A sessão de pessoal não tem nada a ver com os médicos.
— Mas não é o pronto-socorro...
— Se quiseres esperar, quando o Doutor sair, eu mostro quem é.
— Muito obrigada.
Discretamente, Isabel foi sentar-se num banco, à vista do guarda. Mas não deixou de ocultar-se aos que entravam e saíam.