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Erotico-->5. QUESTÕES JUDICIÁRIAS -- 06/09/2002 - 06:10 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Não havia precedente de indenização a inocentes baleados pela polícia. Processos, sim, muitos, corriam de fórum a fórum, subindo nas escaladas do Poder Judiciário. Se algum magistrado dava ganho de causa, vinham as demandas do Estado e tudo se adiava indefinidamente.

Caracterizado que Orivaldo tinha sido atingido pela polícia, a Ordem dos Advogados decidiu que era hora de atingir o coração dos políticos no Governo, para abrir precedente. Orivaldo não poderia ser acusado de traficante nem Raimunda de acoitá-los. Não havia registro de qualquer droga no “barraco”, nem se caracterizou a mínima permanência de nenhum dos fugitivos ali dentro.

As câmaras da televisão acompanharam o assalto e evidenciaram que só os policiais atiraram. As fitas, ao contrário do projétil, estavam ao alcance da defesa dos direitos públicos.

Por seu turno, o Doutor Mário havia comprovado que o chumbo fora retirado da perna do agredido. Fizera cinco radiografias, demonstrando como se alojara e a que profundidade.

Tudo apontava para o sucesso dos requerentes, menos o fato de que Raimunda não era legítima representante de Orivaldo, precisando comprovar que cuidava dele há mais de cinco anos, o que, pelas lembranças gerais dos vizinhos, não era difícil de se testemunhar. Mas isso fez arrastar o processo, jogado pelos escaninhos dos representantes do Serviço de Defesa do Patrimônio Estatal, que se revezavam compreensivelmente, por férias, por dispensa, por aposentadoria, por licença-prêmio, por transferência, por promoção, por exoneração. A cada troca de advogado, vistas de processo, arrolamento de testemunhas, pesquisas adicionais nas armas dos policiais, nos registros hospitalares, nas fitas dos noticiários televisivos e quantas artimanhas se permitissem, para levar o preito até o próximo Governo. Mas as urnas repetiram o Partido no poder, de modo que os prazos se dilatavam, pretendendo engolir o mandato do novo governador inteirinho.

O causídico da Ordem dos Advogados responsável pelo acompanhamento do processo junto ao Judiciário, o Doutor Alvarenga (Epitácio Alvarenga de Morais), era novato e apanhou o trabalho para fazer figura na Instituição. Desse modo, ia concordando com os revoluteios intercessores da Defesa, demandando pouco, argumentando fraco, desatento, improdutivo. Alvarenga fazia o mínimo para que não se julgasse oportuno arquivar o pedido e ia levando, até que...



É preciso voltarmos à subida ao morro do Doutor Mário, naquela noite em que foi requisitado.

Por caminhos estranhos, através de muros baixos, de sebes vivas, de quintais escuros, penetrou com o rapazelho que o viera buscar, subindo lentamente. Na escuridão da noite, aqui e ali, reluziam metais em pontos elevados e vozes soturnas iam pedindo senhas desconhecidas. Não se assustava com as incursões e levava a pesada maleta de atendimento cirúrgico, com certo esforço. Se pedisse ajuda, alguém apanharia o pesado fardo, que seria encontrado, incólume, no local a que estava sendo levado.

Meia hora depois, adentrava salão mal iluminado, onde divisou diversas pessoas, sem reconhecê-las. Havia poltrona no centro e não percebeu ninguém disposto para o atendimento médico. O convite era tácito. Sentou-se.

— Precisamos conversar — disseram-lhe da escuridão. — Sabemos que o Doutor atendeu uma criança baleada...

— Orivaldo. Está muito mal.

— Vai morrer?

— Se morrer, não vai ser da bala.

— Explica.

— O garoto está com diversas moléstias. O tiro não o atingiu diretamente. Foi só um ricochete, que perfurou uma veia, sem gravidade. Perdeu sangue, mas o ferimento se fechou, não tendo sido hemorrágico. Grave é a pneumonia. Graves são os vermes. Grave é a doença de pele. Se não tiver nada no sangue, que mandei examinar, o conjunto do quadro é suficiente para levá-lo.

— Faz de tudo pelo meu filho, Doutor.

— É teu filho? Não consta no hospital...

— É meu filho. Isso é tudo. Não o deixes morrer.

— Farei o que estiver ao meu alcance.

— Vais fazer mais. Vais fazer o que estiver ao meu alcance. Se ele vier a morrer porque lhe faltou alguma coisa, vou pensar em negligência...

Mário viu que não estava tratando com peão. Era um dos bispos, se não fosse o próprio rei.

— Como entrarei em contato, se houver emergência?

— Basta dizer em voz alta perto da equipe de que aparelho ou medicamento estás precisando. Em duas horas, estará disponível, em teu nome, na portaria. Mas isto ficará nesta sala. Está claro?

— Perfeitamente.

— Estás precisando de alguma coisa neste momento?

— Preciso descansar... Ah! Lembrei. Preciso resguardar as radiografias, que a bala desapareceu.

— Tudo bem! O Doutor não voltará a ser chamado para nenhum outro atendimento nem receberá qualquer paciente em casa. Vais dedicar-te ao Orivaldo com exclusividade. Se for preciso, irás dar os plantões junto ao leito. Não te preocupes com os aspectos formais. Se precisares de especialistas, é só mandar chamar. Basta isso. Todas as despesas já estão cobertas. Podes ir.



Em casa, Mário ruminava a estranha determinação. Não sabia por que havia sido escolhido. Talvez por causa do interesse demonstrado. Lembrou-se de ter manifestado os sentimentos perante a equipe dos médicos e dos enfermeiros. Ali estaria infiltrado o membro da quadrilha. Ficou com medo. Não pensava a organização criminosa tão poderosa e tão meticulosa.

Não estava conseguindo dormir.

Por que Orivaldo tinha enfrentado a tremenda penúria, quase morrendo sem assistência e, agora, sem mais aquela, era tratado como verdadeiro príncipe e herdeiro eventual?... Mas a chefia troca tão constantemente de mãos... Os crimes atingem os comandantes. Os mais categorizados estavam na cadeia, de onde administravam a organização criminosa. Quem era aquele que permaneceu na obscuridade?

As perguntas começavam a não obter respostas. Às cinco horas, logrou adormecer. Às seis e meia, o despertador dava-lhe o aviso de que o dia iria começar.

Quando chegou ao hospital, recebeu o aviso de que o Doutor Darci esperava por ele, imediatamente. Nem se trocou e lá foi atender ao pedido do principal administrador.

— Sente-se, Mário.

— Obrigado.

— Sabe como está passando o rapazinho?

— Orivaldo?

— Sim.

— Disseram-me que a febre cedeu. Não tive tempo de ir vê-lo.

— Ele está sendo assistido pelos médicos do plantão da noite. O que tenho para lhe dizer é que vou determinar prioridade de atendimento a essa criança. A televisão divulgou e os jornais registraram. O pessoal dos Direitos Humanos está em cima. A polícia surrupiou a bala, deixando um registro “frio”.

— Já estou sabendo. Pedi para enviar o projétil diretamente à perícia mas os sacanas foram mais espertos. Ainda bem que tenho as chapas...

— Estão no meu cofre particular. Não há temer sejam desviadas.

Mário se estarrecia. Era evidente que os tentáculos da quadrilha se haviam instalado no alto da administração pública. A ordem ao Darci deve ter vindo de bem acima.

— Esteja certo de que farei o que estiver... — Lembrou-se de que “o seu alcance” estava muito mais longe e paralisou a frase. Darci complementou:

— Eu vou me empenhar pessoalmente e lhe darei total abertura para o tratamento. Não tenha medo de gastar.

— Se me der licença, tenho o que fazer.

— Vá, Mário. Vamos ver se o hospital não...

Bateu-lhe nas costas, amigavelmente e despachou-o sem mais.



No plano espiritual, Alfredo não sabia o que pensar. Perdera a entrevista entre Mário e o pai de Orivaldo e não conseguia aproximar-se do médico para auscultar-lhe o coração. Havia ondas de rejeição em torno dele, de sorte que as tentativas se frustraram. Não sendo neófito, percebeu que havia o resguardo de forças ponderáveis, a dominar os pensamentos do médico.

Seguiu-o a distância e viu que as atividades dele estavam como que sendo robotizadas, para o efeito único do interesse do pequeno paciente internado na Unidade de Terapia Intensiva.

Voltou para a sala do Doutor Darci e o encontrou mergulhado nas mesmas ondas tenebrosas. Sentiu tremendo pavor. Quaisquer fossem os adversários, não estavam nem um pouco preocupados com sua presença. Bastava muito pouco para impedi-lo de perceber o que se passava.

Rapidamente, transferiu-se para a residência de Raimunda e a encontrou transtornada. Que teria acontecido em sua ausência? Havia três pessoas com ela, mas foi barrado por forte parede magnética. Estava impossível transpor os umbrais da malignidade. Ajoelhou-se para pedir ajuda e, subitamente, se viu perante seu grupo de colegas, na sala de aula da “Escolinha de Evangelização”. Irmão José estava presente e deu início à reunião, pedindo amparo a Jesus. Alfredo estava atarantado. Que estaria acontecendo de tão perigoso?

— Vamos ficar tranqüilos, quanto ao estado de saúde do pupilo de Alfredo. Há muitos interesses em jogo para que fique bem. Precisamos...

A reunião foi longa e entrecortada de opiniões, palpites, solicitações de elucidação, preterições de atividades e de esclarecimentos. Ao final, de concreto mesmo, era para Alfredo continuar seguindo de longe o protegido, sem desafiar as forças que lhe impediam o acesso à consciência dele.



Alvarenga fazia o mínimo para que não se julgasse oportuno arquivar o pedido e ia levando, até que, ao cabo de dois anos, bateram-lhe no ombro, aconselhando-o a que desse pressa ao desfecho do processo ou renunciasse a favor de alguém mais experiente. Não tivesse medo, que os embargos não prosseguiriam.

Alvarenga suspeitou do poderio daquela mão pesada e daquela voz segura e entrou com pedido de urgência no andamento das providências solicitadas pela defesa. Eram quinze alentadas páginas, com o histórico dos adiamentos e das artimanhas, onde denunciava o Poder Público de procrastinação, em detrimento dos interesses de seus clientes. O juiz julgaria procedente a solicitação e todos os departamentos oficiais seriam obrigados a conhecer e a providenciar, no prazo máximo de oito dias.

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