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Erotico-->2. A ENTREVISTA -- 03/09/2002 - 07:24 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Quando Raimunda estava aguardando notícias médicas, no salão de espera apinhado de gente em péssimas condições, em meio ao burburinho lamentoso de quem sofre, respeitando, contudo, o sagrado ambiente, onde irão obter recursos de saúde, foi indicada pelo segurança, que embolsara uns reais da jornalista.

— Você é a mãe do menino baleado?

A repórter perguntou de maneira incisiva, como se soubesse a resposta.

— Não, sou... — engasgou. Diria tutora se conhecesse a extensão da palavra. Tia não era, definitivamente. — É. Pode-se dizer...

— Como assim?

— É que Orivaldo não é meu filho. Eu sou solteira, sabe?! Achei o menino na porta de casa. O pobrezinho...

— O que eu quero saber é se ele faz parte da quadrilha, da gangue de traficantes.

— Ele só tem seis anos...

— E como foi levar o tiro?

— Foram tantos que quase derrubaram a casa.

— Quantos marginais estavam lá dentro?

— Nenhum, não senhora...

— Foi a polícia que acertou o garoto?

— Eu não vi nada. Só sei que o barulho...

— Se a senhora não viu nada, como pode ter a certeza de que foram os traficantes que atiraram nele?

— Eu não tenho certeza de nada...

— Então, não sabe quem foi que atirou?

— Não sei, não.

— Onde estava o menino?

— Na caminha dele.

— Por que não se escondeu?

— Ele está muito doente. Com febre, cheio de feridas pelo corpo todo...

A repórter não estava contente. Queria algo concreto. Precisava redigir a matéria.

— Viu algum bandido?

— Vi, quando voltei para casa.

— Reconheceu quem era?

— Não. Ele estava caído, sujo de sangue. Parecia morto.

— Onde ele estava?

— Em frente da porta.

— O que a senhora estava fazendo fora?

— Fui comprar açúcar.

— Não ouviu os tiros?

— Só depois de ter descido uma boa caminhada.

— E aí?...

— Aí, voltei sem nada. Não queria levar uma bala perdida.

— E o cara estava caído na tua porta?...

— Tinha uma espécie de espingarda ou escopeta na mão.

— A senhora sabe que a polícia diz que não matou ninguém?

— Não sei, não, senhora.

— Aquele sujeito ferido, não foi ele quem deu os tiros no menino?

— Aquele lá não foi, não. Acho que estava muito machucado. Não dava sinal de vida.

— Então, não foi ele...

— Não foi mesmo.

— A senhora viu algum soldado atirar?

— Não vi ninguém atirando.

— Mas ouviu os tiros?

— E ouvi quando gritaram de fora para que os bandidos saíssem.

— Eles saíram?...

— Saíram nada, pois não tinha ninguém.

— Tem certeza de que não tinha ninguém em casa? Só a senhora e a criança? Olhe que é muito importante para a reportagem.

— Claro que tenho.

A repórter desligou o gravador e saiu sem se despedir ou agradecer. Quis saber o nome completo da criança e foi em busca da ficha, na portaria do hospital. Nada encontrou de positivo. Orivaldo — sem sobrenome. Pais desconhecidos. Responsável: Raimunda de Oliveira Gonçalves. Solteira. Setenta e dois anos. Negra. Rua sem nome e sem número, em Andaraí de Cima.

Não havia que ver, a matéria iria trazer a informação de que o menino tinha sido baleado na cama, pela polícia. Erro de interpretação. Bala perdida. O Departamento de Balística não recebera o projétil. O médico, no hospital, tinha o recibo de um sargento, o qual afirmava que não recebera nada. Mas estava assinado. O Delegado, à vista do interesse da repórter, telefonou para o Chefe de Redação. Este desconversou. Não iria esconder a verdade. Abrisse inquérito interno, sairia o seu nome no jornal, para resguardo da autoridade. Desse tempo ao tempo que os acontecimentos seguintes iriam fazer esquecer o incidente. O menino nem sobrenome tem...



Orivaldo, sem saber de nada, iria ficar internado no hospital por mais de dois anos. O Doutor Mário, o da extração da bala, condoeu-se do coitadinho:

— Blastomicose. Vai dar trabalho. O pulmão está um caco. O abdômen está proeminente, cheio de vermes. Vamos aguardar os resultados da hematologia. Só falta descobrir que o coitado carrega a AIDS. Se sobreviver...

Sobreviveu, infelizmente para a instituição jurídica do Estado e para o sistema de Saúde, que tiveram de desembolsar muito dinheiro, pela campanha que se fez em favor do orfãozinho. Orfãozinho? Era o que se pensava.



Nem bem saíra a repórter, um grupo de pessoas saudáveis e bem vestidas queria saber quem era Dona Raimunda de Oliveira Gonçalves.

— Somos do Departamento de Direitos Humanos da Divisão Regional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil. Queremos saber o que aconteceu em sua casa. É verdade que o Orivaldo foi baleado no próprio leito pela polícia?

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