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Erotico-->10. CARLOS EM CAMPO -- 28/07/2002 - 07:10 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Tudo que Carlos foi capaz de usufruir em espírito, aos poucos, foi sendo filtrado para seu organismo, de modo que, em breve, sentia-se forte e bem disposto, como nunca antes.

De início, atribuiu a perturbação ao ódio avassalador que sentiu pelo ato criminoso muito mais do que pela pessoa que o ferira. Nunca estivera tão perto da morte, de sorte que julgava que a mente se ia abrindo para as verdades da vida, por força de se ter visto na iminência de partir, sem as realizações de inúmeros projetos relativos aos filhos.

Ainda em fase de restabelecimento, percebia que as emoções se expandiam de forma muito abrangente, vendo, na esposa e nos filhos, seres com quem deveria confraternizar no banquete da vida. Coisa estranha, não parava de pensar nos pais, em suas atitudes de vida, na infância ao lado deles, na adolescência distante, na maturidade alienada. Pensava nos pais como criaturas enigmáticas, de difícil decifração, mui especialmente quando se lembrava de que ambos, ao final da vida, se dedicaram ao auxílio dos pobres e à doutrina dos espíritos, tendo o pai terminado sem qualquer propriedade de muito valor. Não se recordava de jamais terem feito qualquer esforço para convencer os filhos de que deveriam seguir-lhes as idéias. Tinha vaga lembrança de haver o pai um dia dito qualquer coisa a respeito do valor da espiritualidade, mas que fora ridicularizado por todos, ao final de esplêndida festa regada a capitoso vinho e borbulhante champanha.

Em sua debilidade, tivera a impressão de ter sonhado com seres estranhos, com pessoas esquisitas a acusarem-no de crimes, como se a estocada que levara tivesse sido ele quem dera. Mais pungente era a figura de alguém que o ferreteava com pontiaguda lança, que, em seguida, convertido o ferro em longa bisnaga de pão, se punha a comer, em lágrimas, em meio a atroz sofrimento por se ter arrependido. Ao ir fortalecendo-se, contudo, os delírios diminuíam e as noites transcorriam calmas e agradáveis. Surpreendia-se, muitas vezes, a buscar o sono durante o dia, tão grande a satisfação que lhe penetrava a mente por se sentir absolutamente desprendido das preocupações.

Fora levado para o hospital com alucinantes desejos de desforra.; saía com enlevada vontade de colocar-se de bem com o mundo.

No etéreo, regozijavam-se os pais, inteiramente cônscios de que, uma hora ou outra, conseguiriam acesso direto à mente do filho, para o que bastaria que o induzissem a seguir a doutrina espírita.

Ao reassumir as lides cartorárias, Carlos pelejou por descobrir que propriedades do irmão haviam sido transferidas para o nome do desafeto. Descobriu que eram duas ricas mansardas que não sabia estarem registradas em seu tabelionato. Era tão grande o movimento e o irmão tinha tão livre trânsito, que ele mesmo providenciava tudo o que dizia respeito aos próprios bens. Nessa pesquisa, surpreendeu-se com o número e a quantidade das propriedades do irmão. Imaginava-o extremamente rico, mas sua fortuna era, pelo menos, dez vezes superior ao cálculo mais otimista. Que mistérios se escondiam por trás dessas transações milionárias?

Carlos não atinou logo com a solução do problema, mas atentou para fato que ainda não o havia intrigado, preso ao leito do hospital: por que as atividades policiais foram sustadas? Ligou para seu advogado, recebendo dele a informação de que estava tudo arranjado junto à justiça, conforme determinação do mano Alfredo. Ficasse tranqüilo que não iria ser mais incomodado com qualquer investigação junto aos seus domínios cartorários.

Havia, nas expressões do causídico, algo que o alertava para poder assaz vigoroso.; parecia que tudo se deixara domar pela chibata enérgica do irmão.

Esse pressentimento de que “havia algo de podre no reino da Dinamarca”, dada a declarada ênfase da corruptibilidade policial e judicial e a menção de que o cartório sofrera a ameaça de vir a ser devassado, deixou-o de orelha em pé. Não via mais no irmão aquele anjo de bondade que imaginara diante de sua solicitude e boa vontade. Instalava-se-lhe no coração o temor de levantar dúvidas a respeito da probidade de ente tão querido.

Antes, porém, de ferir fundo o conhecimento da verdade, indagando diretamente ao acusado de que recursos secretos lançara mão para apoderar-se de tão extensa fortuna, resolveu ir em busca do estimado irmão mais velho, que se desdobrara ao seu lado, para restabelecer-lhe as condições vitais, e que o acompanhara diuturnamente durante o restabelecimento, não deixando jamais de se informar até mesmo na convalescença. Lembrava-se de alguns sorrisos de mútua compreensão trocados com bela enfermeira que transitava pelos corredores do hospital, mas, qual orgulhoso pai, sentia no doutor o poder carismático de ser superdotado, a trazer presas à sua condição de superioridade todas as fêmeas da espécie. Marcos era, de longe, o mais formoso dos três...

Interrompeu o devaneio e preparou o discurso para a apresentação das desconfianças ao irmão, para que não viesse este a dizer-lhe que estava enganado, que os negócios haviam propiciado lucros exorbitantes, que conhecia o caçula e o considerava incapaz de fraudes e demais argumentos evasivos, próprios de quem não deseja ver a verdadeira contextura dos fatos. Desse modo, organizou longa lista das propriedades desconhecidas, arrolando outras que não estavam catalogadas em seu cartório mas que sabia pertencerem ao irmão. Nessa pesquisa, surpreendeu-se ainda mais, pois recebeu informações sigilosas de notários amigos a respeito de inúmeras outras possessões, o que o deixou estarrecido.

Carlos, que jamais se deixara arrostar pelo medo, tendo enfrentado a lâmina do oponente de peito aberto, começava a temer encontrar-se diante de problema de imensurável dimensão. Sentia-se impotente para safar-se da perquirição da esfinge: iria ser devorado.

Estranhamente, surpreendeu-se a recitar em voz alta a prece dominical, que aprendera nos idos da época de primeira comunhão. Orava inconscientemente, como a solicitar do mistério a proteção necessária para não derruir diante da dor de ver-se na condição de enfrentar a vergonha e o sofrimento de ter pessoa tão íntima do outro lado da lei. Lembrava-se de haver usufruído lucros em transações ilegais ou, ousava dizer, pecaminosas, contra o fisco. Burlara o governo e declarara muitos valores bem aquém dos verdadeiros, transferindo, para suas posses, polpudas recompensas. Mas isso era como se fazia habitualmente, nos corredores dos palácios, desde que o mundo era mundo, principalmente nestas terras doadas aos extraditados dos crimes, aos expatriados pela justiça, degredados e degradados. Daí a ferir princípios morais que envolvesse diretamente o ser humano vivente, dotado de corpo e alma...

Positivamente, as excogitações do amigo tendiam a aproximá-lo vigorosamente da realidade. Havia, na sua imaginação, um elemento estranho, um componente novo, a induzi-lo a refletir coercitivamente em determinado sentido, como se a intuição lhe tivesse florescido e fosse capaz de perceber a verdade que se impunha muito mais à mente que aos sentidos. E isso o atemorizava pelo teor das suspeições.

Estava com esse espírito quando buscou marcar o encontro com o irmão médico. Aí recebeu desagradável surpresa. Ao ligar para Marcos, sentiu-o triste e desanimado. Antes que lhe dissesse a razão da chamada, ouviu dele que precisavam muito conversar. Havia sérios problemas em casa, que deveria resolver de modo ponderado. Precisava da ajuda do irmão. Queria ouvir-lhe a opinião a respeito de possível separação do casal ou, até mesmo, divórcio.

Pelo tom da voz, pareceu a Carlos que o irmão vivia momentos de profunda angústia. Que lhe reservaria aquele encontro?

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