Imediatamente, ambas adquiriram a imagem da outra no monitor.
— Preciso conversar com vc.
— O canal está aberto.
— Sem áudio.
— Tudo bem.
— Não tem ninguém na janela?
— Exclusividade pra vc.
— Menstruei.
— Parabéns, querida. Mas isso é uma coisa natural. Por que o segredo?
— Pensei que pudesse estar grávida.
— Como pensei?!...
— Transei sem camisinha.
— Já falamos a respeito. Vc. quer pegar uma doença?
— Se esqueceu que tomei a vacina?
— Nunca se sabe. Acabaram com a AIDS, mas só depois que ela acabou com muita gente.
— Isso é coisa do século passado.
— Deste século, até um pouco antes de você nascer.
— Foi com o Wanderley.
— Aquele moreninho que conheci no teu aniversário?
— Até parece que te apresentei mais alguém...
— Ele me pareceu efeminado.
— Só pras mães e pras avós...
— E se vc. ficasse grávida?
— Punha o teu nome nela.
— Vcs. fizeram a seleção espérmica?
— Brincadeirinha!...
— Aposto que está armando comigo...
— Foi só uma idéia. Lá eu vou querer brincar de boneca?
— Vc. está é brincando muito.
— Mas é tão gostoso!!!!!
— Deixa tua mãe saber disso.
— Foi ela quem me explicou tudo e com os nomes certos.
— Ela é médica, mas não ia aceitar um neto tão cedo.
— Ia é me internar.
— Por que vc. está achando que eu não vou contar a ela?
— Porque vc. é muito legal e já enfrentou tudo na vida.
— Cuidado com o desrespeito!!!!!
— Vó, eu te amo!!!!!
— Bajuladora.
— É verdade.
— Que vc. me ama ou que é bajuladora?
— As duas coisas.
— Falando sério: vc. não acha o Wanderley muito imaturo pra assumir a responsabilidade de ser pai?
— Isso importa?
— A criança que não tem pai gera uma série de problemas na cabeça.
— Vc. criou a Beatriz sozinha.
— Quem cuidou de sua mãe foi sua bisavó. Mas o pai dela, vc. sabe muito bem, até agora a visita.
— O cara é professor aposentado. Vem com uma mão na frente e outra atrás.
— Não diga cara pro seu avô.
— O Lauro é muito folgado. Como é que vc. deu pra ele?
— Boca suja! Isso lá é termo que se use?
— Vc. foi quem me contou que era desbocada na minha idade.
— Era mesmo. Reconheço. Mas agora eu sei que existem muitas coisas mais importantes na vida. Falar bobagens é perda de tempo. Vc. gostou do meu último romance?
— Sério demais. Eu só fui até o fim porque queria saber como os três ex-maridos da heroína iriam dar-se depois de mortos.
— Vc. não achou o desenlace emocionante?
— Puro... Ia dizer deboche. Mas vc. não ia gostar. Então, eu te pergunto se essa solução de todos os espíritos continuarem com seus amores, relembrando os fatos da vida, não é imoral.
— Imoral seria se eles se odiassem.
— Vc. acha que o pai de Beatriz vai aceitar o pai dos gêmeos e também o Aristides?
— Isso é o de menos. Como é que as outras mulheres deles vão me aceitar?
— Bem faz minha mãe, que só transou com meu pai e vai poder ficar com ele pra sempre.
— E as encarnações anteriores?
— Eu não posso ser nem um pouquinho romântica?
— Ser romântica é bom pra sonhar com o Wanderley. A vida aperta os laços existenciais... Desculpe!!!!!
— Eu li muitas histórias infantis que as pessoas desejam um amor eterno.
— Nas histórias infantis, as personagens são idealizadas. Pra quem vem dizer que, aos treze anos, está transando numa boa, a realidade está chegando bem cedo.
— Vc. não aprova?
— Eu previno. Esse Wanderley deve estar indo com outras.
— É bom mesmo, porque eu não vou ficar com ele pra sempre.
— Contradição: não era vc. que desejava um amor eterno?
— Nos livros, vó. Só nos livros...
— Pois nos livros é que é bonito a mocinha engravidar. Eu passei a vida toda trabalhando com mães solteiras e vi quantos dramas precisam ser superados. Faça o favor de não cair nessa.
— Vc. está parecendo minha mãe falando.
— As experiências da vida são intransferíveis. Por isso é que existem pais e mães, avós e avôs, professores e pessoas mais velhas: pra impedir que os jovens sofram antecipadamente.
— Porque sofrer todos vão...
— Nem todos. Mas na loteria, poucos bilhetes são premiados. E eu não acho que o Wanderley mereça o prêmio.
— Vc. não gostou dele.
— Não sou eu quem tem de gostar.
— Tem gente querendo entrar. Tchau! Depois a gente conversa mais.
— Tchau! Bi...
Quando Rosalinda desligou, estava tremendo. Via a neta batendo a cabeça vida afora, até encontrar um viúvo que lhe dava serenidade e segurança. Mas precisou acrescentar à visão uma criaturinha de treze anos decidida a enfrentar os dissabores e as vicissitudes, porque acreditava que essa nova personagem poderia ser ela mesma, necessitada de vencer defeitos e de curar feridas.