Usina de Letras
Usina de Letras
43 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62343 )

Cartas ( 21334)

Contos (13268)

Cordel (10451)

Cronicas (22543)

Discursos (3239)

Ensaios - (10410)

Erótico (13576)

Frases (50723)

Humor (20055)

Infantil (5475)

Infanto Juvenil (4795)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140850)

Redação (3314)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6222)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Erotico-->20. ADAUTO -- 14/02/2002 - 06:22 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Rosalinda passou um ano esforçando-se por cumprir a promessa feita à filha. Por ocasião, porém, de seu trigésimo primeiro aniversário, alguns dias após a festinha que lhe promoveram as funcionárias, passou por uma das experiências mais desagradáveis de sua vida.

Ficara-lhe a impressão de que as mulheres a afastavam dos maridos, tanto que, tendo anunciado que levaria um bolo para o pessoal do centro, se viu rodeada tão-somente das moças solteiras, das senhoras viúvas, dos rapazes e mocinhas do grupo de jovens do círculo de estudos. Compareceram alguns senhores da diretoria, idosos o suficiente para serem seus pais. Daqueles dentre os que poderia extrair um companheiro nas condições de dotar sua família de um chefe, esteve lá apenas um rapaz mais novo que ela dois anos, bem falante, disposto a fazer-lhe abertamente a corte. Mas havia um problema a ser superado: Adauto era negro, retinto.

Rosalinda quis sentir toda a extensão dos sentimentos do homem, aceitando encontrar-se com ele para combinarem, conforme Adauto lhe havia dito, o programa de ação da chapa que organizara para concorrer nas próximas eleições do conselho deliberativo do centro, de olho, evidentemente, na presidência da diretoria.

Para não darem na vista, precisaram de um local neutro, ou seja, a própria repartição pública em que o rapaz exercia as funções de zelador.

Lá compareceu Rosalinda após o expediente, enquanto o pessoal administrativo saía e a turma da limpeza se apresentava.

Adauto conduziu a moça para o saguão, para que ficassem sob o olhar vigilante dos subalternos, pois não pretendia, conforme confessou, dar motivo algum para falatórios.

— Não se preocupe por mim, disse-lhe a moça. Eu já estou calejada e mais uma difamação de meu nome não irá pesar-me.

Adauto refletiu um pouco e aduziu:

— Eu estou pensando, desculpe-me, em mim mesmo, porque, diariamente, estou em contato com este pessoal, a quem tenho trazido as idéias da doutrina. Se eu cair na boca do povo, eles não vão mais dar-me ouvidos.

Rosalinda não via como poderia alguém arrebanhar prosélitos em ambiente de tanta pobreza escolar, ciente de que o Espiritismo depende, principalmente, da leitura e discussão dos textos da Codificação. Resguardou, porém, a observação, para aplicá-la futuramente, quando da análise do programa que iriam elaborar.

Em rápidas pinceladas, Adauto descreveu-lhe as idéias principais:

— O meu objetivo é dar ao centro espírita um caráter menos elitista. Gostaria de vê-lo abrir as portas para todo tipo de pessoas, mesmo que a gente precisasse abrir mão de algumas idiossincrasias dos mais aferrados na teoria de Kardec. Por exemplo, se o povo acredita em amuletos, por que não plantar espadas-de-são-jorge em toda a extensão do muro? Assim, muita gente poderia perceber não estar sendo rejeitada. Os mais velhos colocam toalhas de todas as cores, mas, se a gente adotar toalhas brancas, muitos vão ficar contentes, porque não vão ter medo de atrair espíritos malignos. São pequenas concessões que, em tempo hábil, irão sendo desfeitas através do ensino do valores espíritas, conforme a doutrina livresca.

Rosalinda achou que Adauto estava plantando verde para colher maduro. Pensou em que as concessões pudessem ser da parte dela, aceitando a companhia de uma pessoa de outra raça. Achou graça no circunlóquio do rapaz e levou o assunto para o campo dos sentimentos:

— Você não precisa fazer tanto rodeio. Se está interessado em minha pessoa, por que não diz diretamente? Eu sei que os negros se sentem socialmente inferiorizados, ainda mais quando desempenham funções humildes. Eu sei que você não possui posses nem recursos para progredir rapidamente no setor econômico. No entanto, quem lhe disse que eu não poderia considerar uma afeição carinhosa e honesta da parte de alguém que age em prol dos necessitados, sem pensar exclusivamente em si mesmo?! Quando Jesus disse ao jovem que desejava salvar-se que deveria vender tudo quanto possuísse e distribuir aos pobres, falou aos homens, porque, naquela época, a organização social assim o determinava. Hoje, quem me diz que o Nazareno não se dirigiria também às mulheres, já que muitas adquirem bens por herança e outras através do trabalho? Quando aceitei vir conversar com você, senti bem forte uma simpatia por um possível relacionamento entre nós. Quem sabe não seria você aquele príncipe encantado para me despertar o prazer de uma vida conjugal plena de realizações? Em suma, diga o que você tem no coração, porque o meu está disposto a se deixar envolver por uma paixão definitiva.

Enquanto Rosalinda falava, Adauto ia ficando cada vez mais sem graça. Não lhe ocorrera a idéia de uma palavra que não fosse a estrita consideração do tema que o levara a reunir-se a ela. Por isso, gaguejou, completamente indeciso:

— Rosalinda, eu jamais poderia esperar de você uma reação dessas. No centro, eu tenho ouvido dizer que as esposas estão deixando os maridos em casa, com medo de um ataque de sua parte. Eu nunca imaginei que você pudesse olhar para mim. Mas não concordo com uma coisa que você disse.

Adauto criava coragem para desabafar, uma vez que se julgou ofendido.

Rosalinda estava totalmente passada. Simplesmente balbuciou:

— Com o que você não concorda?

— Eu acho que os negros estão em plena ascensão social. Mesmo dentro do Espiritismo, onde somos considerados uma raça inferior, isso dito pelo próprio Kardec, estamos ganhando terreno, haja vista, que vários pregadores pretos estão destacando-se no movimento espírita. Por outro lado, é raro o centro espírita cujos melhores médiuns não são da minha raça.

— Você está exagerando.

— Talvez esteja, mas dizer que os brancos são castigados reencarnando em corpos de negros eu já cansei de ouvir.

— E você acha que eu compartilho dessa idéia ou desses sentimentos?

— Certamente, não. Mas, de alguma forma, pelo que entendi, você abre mão de suas regalias de mulher branca e rica, para praticar a caridade para comigo. Eu não acho que Jesus diria isso.

— Você torceu completamente o que eu disse.

— Quem torceu alguma coisa aqui foi você, pensando que eu estivesse interessado em atraí-la para um encontro amoroso.

Rosalinda não agüentou a represália. Não tendo como defender-se, porque percebeu que dera um tremendo fora, pediu a Adauto que a deixasse ir, desculpando-a pelas ofensas diretas e indiretas que lhe havia feito.

Adauto ainda tentou retê-la:

— Vamos esquecer tudo isto e discutir os pontos de minha candidatura.

Mas a frase morreu no vácuo deixado pela moça em sua saída apressada.

Se tivesse ficado a observar escondida, teria visto aproximar-se do rapaz uma linda jovem negra do grupo que trabalhava pesado para lustrar o chão, a qual, com extrema faceirice, puxou a orelha do rapaz, beijando-o delicadamente, fugindo-lhe ao enlace dos braços estendidos.

Rosalinda não voltou mais àquele centro, não tendo visto a derrota da chapa proposta por Adauto. Entretanto, recebeu-lhe posteriormente a visita na loja, acompanhado da noiva, para entregarem-lhe o convite de casamento.


Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui