Uma garoa acariciava a janela. O abajur, de quando em quando, refletia relâmpagos nos anéis de bronze, o relógio latejava sensual sobre a mesa de cabeceira, os lençóis exalavam um discreto perfume.
A mudança no dia anterior fora exaustiva, mas aquele cansaço era excitante quando olhava em volta e via tudo nos devidos lugares: quadros nas paredes, tapetes sobre o chão encerado e os dois cálices sobre a pequena mesinha.
Trouxera apenas uns poucos móveis e algumas peças ornamentais, tudo cuidadosamente escolhido e planejado através dos anos de insônia ao lado daquele homem. Ele ressonava com hálito de uísque e eu calculava e fazia planos enquanto não era possuída pelas lembranças do excitante mundo novo que recém conhecera.
O André da Universidade... Que estranho o fascínio que ele exercera sobre mim. Quem sentiria tesão por André? Camisa abotoada até o pescoço, o jeito meio delicado, um colono, minhas amigas diziam. Será que André trepava? Ele me acariciava com os olhos quando eu falava. Não saía com ninguém. Ele se masturbava pensando em mim?
O barulho no elevador, passos no corredor, estava na hora?
Os livros prometidos deveriam chegar, talvez um pouco úmidos nas mãos de André. Por certo viria de guarda-chuva. Que contraste a atmosfera do apartamento com a aparência do menino de Não me Toque.
Ele tomaria vinho na medida certa e a discussão política derivaria para uma conversa calma e acariciante.
André batendo à porta, André soltando os livros, André bebendo vinho, André tirando os óculos, André me lambendo com os olhos verdes, André tão esperado.
Vera Ione Molina
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