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Erotico-->22. VALIOSA NOTÍCIA -- 01/03/2004 - 06:09 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Depois de outras repousantes horas de sono, Teotônio foi acordado por Severino. Vinha transmitir-lhe a notícia de que a irmã tinha informado que as solicitações estavam para ser atendidas.

— Foi ela mesma quem conversou com vocês?

— Eu estava presente. Ela foi categórica quanto às providências para o levantamento da quantia solicitada.

— Vocês confirmaram?

— Claro! Há um grupo estrangeiro interessado na aquisição de todo o complexo industrial e comercial, inclusive pretendendo manter o nome das marcas registradas, de forma que, quando você retornar, vai poder se reintegrar no ambiente, até conseguir resgatar tudo o que vier a ser transferido.

— Quer dizer que estão se desfazendo de tudo?

— E como é que você acha que poderiam conseguir o dinheiro?

— Eu bem disse que a quantia era muito elevada.

— De acordo. São pouquíssimos os que teriam condições de pagar tão alto preço.

— Você fala “pouquíssimos”...

— E não são? Os capitães da indústria, os magnatas do comércio e os reis da agricultura...

— Desculpe. São esses “-íssimos”. Estou reparando em que você se expressa com muita propriedade e até certa elegância, demonstrando cultura acadêmica, no mínimo.

— Não enverede, de novo, no caminho das descobertas relativas a nós.

— Só se for estúpido. Mesmo que não diga, é fácil de concluir que tenho cabedal para elaborar, ainda que de forma precária, o perfil cultural de quem conversa comigo sem disfarce.

— Digamos que tenho curso superior.

— Era o que desconfiava.

— Mas você não vai querer que lhe conte a história da minha vida nem lhe forneça o número da carteira de identidade!...

— Ao contrário. Agradeço-lhe muito que saiba concatenar as idéias. Desse modo, poderemos conversar a respeito de muitos assuntos.

— Desde que você não pretenda me convencer a libertá-lo, sem o devido pagamento.

— Essa preocupação com o lucro da ação criminosa é revoltante.

— Eu não preciso ficar ouvindo você me recriminar. Cada qual sabe ou deveria saber onde, exatamente, os sapatos lhe apertam os calos.

— Você não tem preocupação com o futuro?

— Se não tivesse, não ia ligar pra ganhar o meu rico dinheirinho. Só assim vou encher meu pé-de-meia.

— Estou falando da vida após a morte.

— Que entende você de vida além da vida?

— Até essa sua maneira de falar é estranha.

— Pois posso dizer-lhe que ouço muitas vezes as pregações dos espíritas. Gosto de ficar imaginando como há de ser depois que passar pro outro lado.

— E se você for atirado nas valas infernais?

— Terei de pagar o preço. Segundo o que sei, desonestos, injustos e imorais são os homens que arquitetaram esta sociedade medíocre em que vivemos. Deus há de agir de modo muitíssimo diferente.

Teotônio sentiu que o outro recalcitrava, dando desculpas para todos os atos, acusando uma figura multifacetada e monstruosa, a qual, através da história da humanidade, construiu o mundo dos relacionamentos. Julgou que descambar para o lado mitológico do raciocinar em defesa própria, sem considerações morais ou espirituais de ordem elevada, iria forçar a ser colocado pelo guarda em campo diametralmente oposto.

— Talvez você esteja coberto de razão — disse, com a nítida intenção de fechar o diálogo.

— E não somente eu vou ter de pagar o preço — prosseguiu Severino, como se não tivesse ouvido o que o outro tartamudeara. — Também os governantes, os ricos, os poderosos, os juízes, que pronunciam sentenças sem considerarem os valores humanos, baseando-se somente nas leis fabricadas pelos interesses dos que têm “pedigree”. Não me provoque, porque o meu azedume vai deixar você triste. Sabe por quê?

— Por quê?

— Porque irá perceber que faz parte da turma dos exploradores.

— Mas eu dou emprego a tanta gente que sustenta as próprias famílias...

— E que mais?

— Não é suficiente?

— Quanto tempo se dedica a fazer benfeitorias palpáveis, aquelas que trazem conforto material e felicidade espiritual às pessoas de todas as classes? Aposto que desconversa, sempre que alguém lhe pede ajuda efetiva, de corpo presente, não pequenas doações...

— Vou ter de me defender.

— Pois diga tudo o que pensa.

— Vim de uma família muito pobre.

— Não me consta. Seus pais possuíam casa própria, empregos, renda suficiente pra mantê-lo estudando, sem trabalhar...

— Mas isso é o mínimo que qualquer pessoa deve possuir para iniciar os próprios empreendimentos.

— De que tipo? Aprendendo, na escola, a como ludibriar os que não tiveram acesso aos mesmos bens?

— Trabalhei duro, desde o começo. Consegui amealhar a minha fortuna, depois de muito sacrifício.

— Ganância, ambição. O seu objetivo era subir na vida às custas dos esforços alheios. Já pensou em quanta gente precisou amargar vidas muitíssimo rigorosas, sem comida, sem moradia, sem segurança, sem saúde, sem saneamento básico, sem educação, sem o “mínimo necessário”, não pra alcançar os dez milhões que você administra, mas pra se conduzir com dignidade pelas estradas da sociedade? Quando chove, você se abriga. Sabe quanta gente vê seus barracos destroçados, arruinados, invadidos pelas águas, submersos na lama, arrastados morro abaixo pelos desmoranamentos e deslizamentos?

— Tenho pensado muito nisso e não vejo como nem o que fazer para melhorar as condições de vida dos miseráveis.

— É bem isso que está impedindo você de saber o quanto estamos em planos diferenciados.

— Mas você partiu para o crime, para a subjugação através da força, para a marginalidade. As leis não amparam essa atitude.

— Quando interessa, você cita as leis dos homens. Mas não se esqueça de que foi você quem me argüiu quanto aos desígnios do Senhor.

Teotônio estava simplesmente arrasado. Não acreditava o outro tão preparado, com tão fortes argumentos para o delineamento da hipocrisia dos que se mantêm no topo das benesses sociais. Quando quis acreditar que Severino era tão-só um dissidente da formação universitária, via um sujeito revoltado contra todas as mazelas que formaram a base de sua construção material. Jogou um balde de água fria na conversação:

— De qualquer modo, não me sinto lesado grandemente com a dispersão, com a venda, com o desfazimento das propriedades. Tenho bem montada rede de influências e extenso círculo de amigos, de forma que meu nome irá renascer, mesmo que meus pais e minha irmã passem tudo o que tenho para a frente. Eu sei que você vai ficar decepcionado comigo, mas não entenda, simplificando o meu pensamento, que irei voltar a fazer de novo as mesmas atividades. Vou querer restaurar tudo o que perdi. Isso me parece justíssimo (para me utilizar do superlativo de que você tanto gosta). Entretanto, vou reformular minha visão dos homens, solicitando ajuda a minha irmã, a qual trabalha com muita dedicação pelos pobres, participando das atividades de um núcleo espírita.

— Isso veremos. Assim que você se vir na miséria...

— Quem tem pais, família e amigos como os meus, jamais estará na miséria.

— ... vai pensar de modo diferente, a começar por amaldiçoar os momentos que passou neste lugar, sob o guante de vigilante tão sagaz em não se deixar engodar por sua arenga burguesa, a qual emprega, inclusive, os dizeres evangélicos para se justificar perante o próprio “ego”.

Teotônio não tinha tido nunca a pretensão de ir tão longe no espicaçar dos melindres do outro. Compreendeu que a mágoa que provocara poderia representar a volta à máscara, aos piolhos, à aflição da mais absoluta escuridão.

Severino concluiu:

— Para demonstrar que estou condoído com a sua situação atual, vou proporcionar-lhe uma regalia única. Você vai ter o direito duma lâmpada no teto, assim que me apresentar a primeira página de memórias, retratando-se por inteiro, sem que o sistema de defesas psíquicas lhe dite os termos referendados pela aristocracia mundana.

Antes que o prisioneiro pudesse se refazer das sucessivas surpresas, a culta e misteriosa personagem fechou a porta atrás de si, passando o ferrolho com estrondo, firmando na mente do outro que era ele quem determinava qual lhe seria o destino dentro daquelas quatro paredes.

Sozinho, em voz alta, não reclamou de nenhuma atitude dos facínoras. Preferiu chegar a resultado simpático:

— Ao menos, tenho agora a certeza de não estar em mãos brutas. Se me matarem, por certo haverão de fazê-lo com compaixão, sem dor...

Não pôde prosseguir. Sentiu, no fundo do coração, que sofrera cutilada moral muito mais penetrante que o pontapé que lhe enodoara o peito.

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