Quando pareceu a Teotônio estar há mais de dois dias imerso nas sombras, tendo perdido a conta das vezes que precisou ir ao banheiro, nem sempre atendido com a presteza das palmas, recebeu ordem para se alimentar.
Deram-lhe um pedaço de pão velho com margarina e um copo de leite com café. Sentiu náuseas ao sorver o líquido quente, porque não tolerava a nata grossa boiando. Mas tomou tudo, ávido, ganancioso, como se fosse aquela a derradeira refeição.
— Você vai ficar com um litro de refrigerante, pra tomar o remédio. Mas nós é que vamos dar, para que não tente se matar. Está claro?
Mal conseguiu responder:
— Sim. Está claro!
Não lhe passaria jamais pela cabeça que deveria pôr fim à vida, para livrar-se do sofrimento. Em todo caso, a observação pareceu-lhe justa, porque a desesperança do isolamento e a pressão da violência poderiam tornar o seqüestrado tendente ao suicídio.
— Por que sofrer nas mãos dos perversos malfeitores, se a própria pessoa pode passar para o outro lado, abreviando a angústia?!...
Essa idéia poderia ter desenvolvimento, se não se sentisse melhor, tendo forrado o estômago, sem ouvir xingamentos ou ameaças. Recebeu os comprimidos na palma da mão, bem como lhe puseram na outra a garrafa, para que bebesse no gargalo.
Lembrou-se de que, se quisessem sedá-lo ou envenená-lo, era ele mesmo quem iria administrar-se a dose perversa. Por isso, deixou que os comprimidos se dissolvessem mais ou menos, para sentir o paladar conhecido. De fato, havia um amargor muito semelhante àquele a que estava habituado.
— Você está tomando também um comprimido pra dor de cabeça.
— Muito obrigado!
Gostaria de conversar, mas, sem olhar o outro nos olhos, não se atrevia. Punha-se a meditar como é difícil de tratar as pessoas sem vê-las. Até para telefonar, a imaginação age em auxílio da composição do interlocutor, porque a pessoa é posta com um fone no ouvido. Mesmo que a realidade seja completamente outra, o assunto vai destacando as reações de forma previsível. Quanto a conversar com alguém que estava dilapidando-lhe as posses, não poderia estabelecer nenhum vínculo afetivo que não fosse o do ódio, da aversão.
À vista de ter de agradecer os pequenos favores, punha-se temeroso de que poderia falar algo inconveniente e, então, acabariam as refeições, o remédio e até o silêncio do cômodo.
Lembrou-se de haver lido que muitos ficavam ouvindo fitas de músicas em alta vibração, para que não viessem a reconhecer o local do cativeiro. Ali onde estava, não ouvia sequer a sirene das fábricas, o ruído das buzinas ou o cantar dos pássaros. Se lhe perguntassem que sons poderia identificar, não haveria nenhum outro que não fossem os do momento do seqüestro.
— Será que o mal-estar das primeiras horas foi causado por algum produto que me fizeram inalar, como clorofórmio ou éter?
Pensou muito a respeito e concluiu que bem poderiam ter aplicado alguma injeção, que ele não teria sentido nada. Bem que poderiam tê-lo transportado para a zona rural e enfiado em algum túnel, com ventilação muito fraca. Mas o azulejo do banheiro desmentia a hipótese.
Começou a cansar-se de pensar nas circunstâncias em que se via mergulhado.
— Se não tomar cuidado, acabo ficando louco. Que posso fazer?
Lembrou-se de rememorar todos os principais lances da vida.
— Não é isso que fazem os que estão em vias de morrer?