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Erotico-->10. ALICE -- 17/11/2003 - 08:53 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Adonias acordou preocupado com um fato novo desde quando se internou na Igreja Cristã da Misericórdia Divina, ou seja, acordou mal-humorado. Mas não atinava verdadeiramente com o motivo desse sentimento de desajuste emocional, atribuindo-lhe a causa a um problema de caráter íntimo, como se estivesse a ponto de rebelar-se contra a instituição que o acolhera e lhe dera tratamento, da mesma forma que o fizera em relação à Igreja Católica Apostólica Romana.

Havia um fator diferente no caso atual, porque não punha nenhuma culpa nos outros, senão que denunciava a si mesmo como causador de tudo, razão para se conceber ainda muito primário no domínio de sua personalidade, pensando pela cabeça dos outros, sempre que desequilibrado emocionalmente.

Foi com esse pensamento que se lembrou de pedir auxílio a Alice e logo arrepiou caminho, porque não estaria dando suficiente importância ao caráter, que via moldado pelas falhas milenares de seu passado infeliz. Toda vez que se recordava de uma atitude pessoal e destemida, tinha agora o retrato exato das péssimas conseqüências de seus atos, porque sempre fundamentados nos piores defeitos, sendo que se via egoísta, orgulhoso, vaidoso, ciumento etc. etc. Estendia a lista dos defeitos até cansar, incluindo alguns de que reclamava a consciência, porque julgava que esse exagero era um vilão maior que seu mau humor.

“Será que os meus fracassos desta noite, quando tentei entrar em contato com Clarice e com meu pai, é que estão a me perturbar, como gota d’água a transbordar o copo? Será que foi o desafio de me manter lúcido, contrariando a natureza, que exigiu de mim que dormisse completamente? Será que foi a pergunta final sobre o que é mais importante, se o sono, se o sonho, que me fez ver o quão tolo sou considerando inteligente a pergunta, quando o que realmente importa é a resposta?”

Certamente Adonias iria ficar entretido por muito tempo nesse tipo de devaneio meio filosófico, meio intimista, meio neurótico, meio qualquer outra coisa, que quatro metades jamais irão completar só um inteiro, conforme ia concluindo ainda azedo, quando a tela de seu terminal de computador se acendeu, revelando a figura sorridente de Alice, que lhe pedia para se encontrarem imediatamente, pois ela havia reservado a manhã para conversarem sobre os últimos sucessos, uma vez que, disse ela taxativamente:

— Eu acho que você deve estar passando por uma crise de identidade, igualzinha àquela que me surpreendeu quando despertei para a realidade de minha ignóbil pessoa. Vamos encontrar-nos na biblioteca.

Não se passaram nem dois minutos e já estavam ambos de mãos dadas, sentados num banco rústico num jardinzinho de inverno artificialmente iluminado, onde as flores recendiam perfumes variegados e deliciosos.

Alice tomou a iniciativa:

— Pense vigorosamente em tudo quanto se passou por sua imaginação, estando adormecido, pois agora eu sei que você começa a ter domínio sobre o sono ou não teria me mandado um recado tão claro quanto à necessidade de ter alguém de confiança para quem confessar os distúrbios que tanto o desagradaram.

— Quer dizer que o meu desejo de falar com você se transformou numa mensagem telepática?

— Perfeitamente, meu amigo. Mas vamos tentar outra vez, “via-à-vis”, como diríamos na encarnação em que fomos mulher e marido na França.

Adonias estaria disposto a prosseguir naquela linha de recordações, mas Alice, apertando-lhe fortemente as mãos, comunicou-lhe tacitamente que fizesse o que ela havia solicitado.

Foi mais um teste bem acabado do poder de rememoração do ex-sacerdote. Sendo assim, em menos de dez minutos, tudo se gravou no cérebro da amiga, até mesmo os raciocínios mais recentes.

Alice logo foi fazendo algumas considerações:

— A partir de seu parecer, se fôssemos censurar a criação por ter feito o homem, ou melhor, o espírito, simples e ingênuo, não chegaríamos a resultado algum, porque temos de admitir, como ponto de partida, que os caminhos se abrem a poder do livre-arbítrio, caso contrário não haveria necessidade de nenhuma espécie de criação, permanecendo Deus sem suas criaturas, o que não lhe modificaria nenhum dos atributos. Teve ele a iniciativa de criar. Muito bem, quem somos nós para investigar suas supremas razões?

— Não vejo a relação entre esses seus comentários e meus pobres...

— É simples: você acha que pouco sabe e gostaria de saber muito mais. Ora, para que isso suceda, é preciso considerar o fato da perfectibilidade dos seres. Sendo assim, é justo aguardar que o bem nos chegue depois que tomarmos uma iniciativa justa e adequada para o recebimento do dom correspondente. Se me fosse dado lembrar-lhe, deveria dizer-lhe que a natureza só dá saltos de acordo com premissas claramente definidas, não havendo jamais um resultado de transformação cujas causas, mesmo distantes, não possam ser estabelecidas. Você, no entanto, está pleiteando um estágio de mutação sem vínculo com nenhum esforço correspondente de sua parte. Aliás, sua reclamação quanto a não chegar sozinho a nenhuma conclusão importante se alinha com este último pensamento, porque você está desejoso de evoluir sozinho, quando nós sabemos que, em todo lugar, os seres se congregam para ajuda mútua em todos os setores de suas personalidades, o que uns chamam de afinidade vibratória, outros de solidariedade fundamental, outros de humanitarismo avançado ou superior, outros, simplesmente, de amizade ou de simpatia ou de amor. Ou você acha que o amor pregado por Jesus era simples figura de retórica, para convencer os homens de que deveriam ser “bonzinhos”, para que o Pai os perdoasse de todos os pecados e os agasalhasse no reino, reservando para eles uma quinta com água corrente, ensolarada, povoada de pássaros canoros, com uma casinha sempre limpinha por mãos misteriosas, que fariam o serviço automaticamente, sem despertar sequer nele o desejo, o interesse, muito menos o labor de um pensamento?

— Ou muito me engano ou estou recebendo uma raspança em regra. Não deveria a minha querida amiga, que tanto me perdoou na existência, levar em consideração o meu noviciado...

Alice levou ambas as mãos de Adonias aos lábios e as beijou carinhosamente. E concluiu:

— Você pode pensar o que quiser, mas saiba que sou eu quem está aqui a lhe lembrar alguns pontos a serem considerados, quando se dedicar a descobrir as verdades escondidas nos fatos antigos e quando se dispuser a realizar novas conquistas, tendo em vista os desastres revelados por uma crítica bem elaborada dos procedimentos estruturados e ainda vigentes em sua maneira de ser. Você já perlustrou o nosso relacionamento existências afora? Se o tivesse feito, iria perceber que nós estamos atraídos um pelo outro desde sempre e que, por causa de nossos defeitos, nos temos afastado cada vez que uma união mais feliz está prestes a se dar. Combinamos não nos ferir diretamente na derradeira encarnação. Então, você achou que o sacerdócio celibatário seria a fórmula mais adequada para essa realização idealizada.; eu concordei e fui na condição de pleiteante a freira. Nós nos encontramos e o amor se despertou no seio de nossas almas. Fomos fortes, porém, até que eu me definhei, numa expectativa de sofrimento moral que me conduziu a uma doença incurável. Abandonei logo as vestes carnais. Você se rebelou contra as normas seculares da Igreja, sem consciência, verdadeiramente, de que o fazia impulsionado por razões ponderabilíssimas encontradas numa obra que refugou, “O Livro dos Espíritos”, que lhe sedimentou algumas diretrizes, malgrado seu, ainda mais porque tinha repercussões num passado impossível de reaver naquele instante. Vamos dizer que o Espiritismo tenha herdado alguns ideais da Revolução Francesa, para dizer o mínimo, e teremos um fulcro sobre que fazer girar alguns pensamentos...

Adonias impacientava-se com tanta circunspeção e interrompeu Alice:

— Minha querida, quem está dando saltos nos raciocínios é você. Não seria mais tranqüilo referir-se à minha personalidade como a de alguém que sempre teve vidas regaladas na Terra e que agora estava fadado, por conta de um compromisso cuja origem eu não estava em condições de analisar, a viver uma vida de sacrifícios, muito particularmente quando me condoí com a situação dos mais miseráveis, entre os quais situava os indigentes da carne e os falidos da moralidade?

— Vamos, então, falar do problema mais grave dentre os que perpassam por sua consciência: vamos falar de seu pai, o Senhor Fernando. Você já o caracterizou como personagem de sua história desde sempre?

— A dizer a verdade todinha, estou com receio de realizar um reconhecimento completo.

— Terá sido ele a pessoa que você assassinou com uma arma branca, quando era um rico comerciante na Itália?

— Mas eu tive a impressão de que alguém que estava presente durante a minha reminiscência do fato e que me obstou o reconhecimento é que seria aquela criatura.

— Eu obstei, com o apoio dos outros, porque era um problema a mais para resolver num momento crucial para o seu despertar. Além disso, eu estava lá e vi tudo ocorrer. Portanto, se você não conseguir reviver a cena, eu posso ajudá-lo.

— Quer dizer que você sabe que era exatamente o meu pai?

— Quer dizer que, naquele tempo, ele era seu tio e você investiu contra ele por haver descoberto que ele o enganava de várias maneiras, o que não vem ao caso porque... Conclua.

— São águas passadas e renovadas. Estou recordando-me agora das circunstâncias e não desejo reavivar os aspectos negros de um episódio completamente ultrapassado. Se nós estivéssemos elaborando um roteiro de romance, talvez nos interessássemos em ativar a curiosidade dos leitores. Mas, como estamos enfronhando-nos no nosso passado para reaver uma conduta que merece ser analisada, para configurarmos se ainda resta algo a remir...

— Muito bem. Eu mesma não estou à vontade para me apresentar naquela situação, quando eu não passava para você de uma pessoa, vamos dizer assim, avulsa.

As mãos de ambos se apertaram significativamente, como a comprovar que tudo aquilo só não estava esquecido completamente porque estava sendo útil para o momento de reintegração da personalidade de Adonias.

— Querida, passando adiante, vendo-me na escuridão do Umbral, antes de me encarnar de novo, percebo que meu espírito ainda guardava muito rancor contra aquela figura. Quem terá sido ele para mim, quando estive metido nas armas, na diplomacia e na política? Ei-lo que surge em meu campo vibratório: era um oponente de outro partido. Tivemos alguns entreveros, até que me desafiou a um duelo. Tirei-lhe a vida no chamado campo da honra, mas, dessa vez, ele teve condições iguais de me atingir. Tanto que, no negrume de minha nova passagem pelo Umbral, não me preocupei com esse fato, recordando-me daquele adversário mais como o da passagem anterior, desconhecendo que nosso relacionamento havia evoluído para uma situação mais amena, menos agressiva. Juiz na França, essa mesma figura se juntou ao meu destino como um infortunado criminoso, talvez mais vítima do que agente do assassinato que efetivou de maneira acidental, de baixo intelecto e de rude aspecto, que me enojou e que eu condenei de forma injusta e brutal aos trabalhos forçados. Soube que morreu no cárcere. Outras notícias obtive de novo na escuridão das trevas, onde desenvolvi um espírito crítico muito mais rigoroso, porque constatei que todo o auxílio que recebera ao ser adotado ficou no olvido e que, como a compensar o abandono de que fui vítima muito novo, com os conseqüentes maus tratos na rua e no orfanato, me tornara ferrenho catão da Justiça, imagem que gostava de configurar para justificar o excessivo rigor de minhas sentenças. Foi quando me veio a necessidade de clamar por perdão, arrependido que estava por haver entendido, além do direito humano, que eu estudara e que levara a efeito no tribunal, que havia uma justiça absoluta e eterna distribuída pelo Criador. Recordo-me do momento em que meu pai se dispôs a receber-me em seu novo lar, impondo-me a condição de que cumpriria a promessa de ressarci-lo dos débitos antigos. Entendo, agora, a razão de ele querer mandar em minha vida, forçando-me o ingresso no seminário.

— Não vá com muita sede ao pote, querido, que ele é de barro e você irá abalroá-lo com tanta fúria. Não havíamos nós acordado que iríamos ter um amor platônico? Não havíamos chegado à conclusão de que o melhor seria um afastamento de caráter moral e religioso? Então, seu pai, com suas exigências, simplesmente corroborou com o nosso plano, talvez sob a influência de nossos protetores e dos dele.

— De que vale possuirmos um livre-arbítrio que se submete às adversidades de um destino elaborado à nossa revelia?

— Você acaba de derrubar o pote. Deixa ver se eu o salvo ainda, pelo menos um pouco da água derramada. Veja que ele está inteiro: na verdade, bastava você dizer não à vocação deficiente, para que sua rebeldia transparecesse mais cedo. Concorda comigo?

— Concordo.

— Então, de qualquer modo, a sua situação na vida lhe era até confortável, tendo em vista que a instituição a que pertencíamos era e é muito rica e que nada falta a nenhum de seus componentes. Certo?

— Certo.

— Sendo assim, era mais uma vida de regalias, caso você não sofresse uma transformação substancial, com certeza pelo influxo dos ideais de justiça que havia desenvolvido e que aplicava aos que você chamou de “indigentes da carne e falidos da moralidade”. É isso?

— É.

— Ora, deu-se o acidente e você pereceu, vitimado por um descuido de seu pai. Quer analisar agora a razão dessa tragédia?

— Vamos lá, mas com cuidado, porque estou vendo que você já refletiu muito sobre o assunto.

— Certamente, porque é preciso que a gente entenda de tudo, muito especialmente a respeito das conseqüências aparentemente motivadas de modo injusto por situações críticas anteriores. Assim, vamos raciocinar pelo avesso e dizer que seu pai precisava, veja o termo que vou usar, “descontar” em você o que de você havia recebido, aplicando-lhe a famosa lei de talião: dente por dente, fratura por fratura, lesão por lesão, nesse caso no campo do sangue e da carne, da vida, enfim. Mas você não havia pedido perdão?

— Com o coração na mão.

— Ele não lhe havia dado uma oportunidade em que demonstrava ter aceito o seu pedido?

— Creio que sim.

— Como, então, arrumou um modo sutil e engenhoso de descarregar o fel de seu mau caráter, provocando-lhe um decesso estúpido?

— Nunca o acusei de revide, mesmo porque eu não sabia o que ele representava para mim, quando tive conhecimento de meu acidente nem quando soube que se suicidara, demonstração evidente de que se arrependera, inclusive (isto estou concluindo agora) pelo fato de haver buscado esse “modo sutil e engenhoso de descarregar o fel de seu mau caráter”, causando-me um desfecho trágico.

— Então, você concorda comigo que o motivo de ele haver ocasionado a sua morte deve ser procurado em outros fatores?

— Posso levantar uma hipótese?

— Deve.

— Alice, querida amiga e companheira, eu acho (e aqui o “achismo” calha perfeitamente) que o Senhor Fernando tinha de provar o mesmo gostinho amargo (perdoe-me o eufemismo), a mesma sensação tremenda de quem se vê o vilão da história, acusado principalmente por sua própria consciência, talvez porque ele me houvera condenado e perseguido sem analisar direito uma das leis primordiais na natureza e de nossa formação espiritual: a lei de ação e reação.

— Penso que tenhamos liqüidado o problema quanto às sugestões que podemos dar para seu equacionamento. Quem sabe, assim que tivermos um contato tão lúcido quanto este com seu pai, possa ele configurar para nós, definitivamente, o que ocorreu na realidade. Que devemos fazer agora?

— Primeiro, eu quero que você se junte a mim numa prece que deixei passar e que sei que terei condições de efetuar com maior sensibilidade e boa vontade, muito embora ainda não me haja refeito completamente das emoções destas descobertas desagradáveis. Sei que você irá dizer que vão transformar-se e que acabarão esquecidas por terem sido superadas através de realizações de bom quilate. Mas, que fazer, se a evolução, como você me ensinou, caminha a passos de tartaruga, jamais ensaiando um pulinho sequer?!

Alice se divertia com o intento do amigo de melhorar seu humor e se pôs a acariciar-lhe o rosto, fazendo-o mergulhar num passado em que fora feliz no mundo, sem desencadear-lhe as reflexões a respeito dos acontecimentos infelizes posteriores.

Sem que percebessem, uma onda de paz os envolveu e eles puderam, em conjunto, observar que aquele era, verdadeiramente, o primeiro instante no etéreo em que conjugavam todas as suas emoções, realizando o ideal dos seres que se completam, como se pudessem fundir-se numa única entidade do Senhor. Foi assim que dedicaram uma linda prece pela restauração de Fernando e que se encheram de questões para serem resolvidas isoladamente. No primeiro impulso de solução diferenciada, Alice e Adonias se separaram e se identificaram consigo mesmos, ambos reconhecendo que não estavam ainda preparados para tal simbiose afetiva.
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