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Erotico-->EPÍLOGO (Fim do romance ADONIAS E ADÃO) -- 07/11/2003 - 06:52 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Adonias saiu com Alice num crescendo de felicidade, porque se ajustavam suas vibrações, segundo antigas promessas de amor e de companheirismo. Enquanto caminhavam, impulsionados já pelo poder do pensamento, a moça orientando o jovem senhor no sentido de controlar a precária volitação que ia alcançando produzir, conversavam a respeito dos derradeiros sucessos dentro e fora da Igreja Cristã.

— Quer dizer, perguntava Adonias, que eu me fantasiei de Jesus Cristo, nem mais nem menos, após o decesso? Por que faria isso, se jamais tive qualquer impulso de me tornar grande dentro da Igreja Católica? De qualquer modo, poderia agora considerar-me curado dessa loucura ou, antes, deverei caracterizar que espécie de ambição me fez um messias? Quem eram, na verdade, Marta e Maria, que transformei em irmãs que jamais tive?

— Quanto a mim, querido amigo, o que posso afiançar-lhe é que você foi surpreendido pela morte num momento muito ruim de sua vida. Eu já estava do lado de cá e apresentava condições de pleitear por você, de sorte que a sua exoneração eclesiástica se transformou em algo muito mais grandioso. Quando vivo, se você for capaz de se recordar, a sua rebeldia não foi tão grave, embora estivesse sofrendo um processo por desobediência. Mas você se recolheu ao convento e se submeteu à penitência relativa à humildade. Está lembrado disso?

De fato, à medida que os eventos eram narrados, os acontecimentos como que perpassavam pela mente, fluindo da memória. Era como se Adonias vivesse tudo outra vez. Chegou a se lembrar do dia em que solicitou para sair, pois desejava visitar a família, uma vez que a irmã iria casar-se. Na volta, tendo o pai ao volante, é que sofreram o acidente fatídico.

O acidente nem tanto mas a lembrança da discussão que estabelecera com o pai durante o percurso é que lhe oprimia o coração. Na verdade, bem pouco redargüiu às censuras do velho, mas o suficiente para deixá-lo transtornado porque via que, apesar de haver grande possibilidade de ser perdoado e reintegrado ao clero, deveria ser transferido para algum local distante como penalidade de exílio, para que se desfizessem as relações perigosas que o haviam instigado à rebeldia.

Foi num acesso de raiva que o pai conduziu o carro ribanceira abaixo, Adonias batendo a cabeça e entrando em coma, o pai, bastante ferido mas sem correr risco de vida.

Esse desenvolvimento levou o sacerdote a raciocinar que, estando o pai morto, deveria ser fácil encontrar-se com ele. Saberia Alice informá-lo a respeito da morte do Senhor Fernando?

— Não tenho idéia, apesar de desconfiar de que houve alguma tragédia, porque Adão não foi capaz de trazê-lo para a Igreja. É bom saber que somos discretíssimos quanto a vasculhar os segredos alheios, inteirando-nos dos problemas íntimos apenas quando demonstramos estar verdadeiramente interessados em melhorar as condições das pessoas a quem nos propomos auxiliar. Mas eis que estamos em sua casa e Dona Genoveva poderá nos informar, já que se trata de um legítimo direito de assistência de filho para com seu pai, mesmo havendo um possível descompasso moral entre os dois.

De fato, telepaticamente, como sempre, Adonias conseguiu entrar em contato com a mãe, que, não fosse a profunda convicção católica de sua formação religiosa, bem poderia sentar-se à mesa mediúnica de qualquer centro espírita.

Foi como Adonias ficou sabendo, pesarosíssimo, que o pai se suicidara.

— Por que é que não fui capaz de atinar com o fato de meu pai estar tentando comunicar-me sua decisão dramática quanto a acabar com a própria vida, naquele dia em que o encontrei durante o sono dele, pensando que era eu mesmo quem dormia? Pelo pouco que conheço dos processos espíritas no mundo dos desencarnados, acho que mereci uma digna proteção naquele momento, porque meu pai estava bem fundo nas trevas. Então, como é que não me dei conta da real situação de nosso relacionamento?

Alice balançou a cabeça, surpreendida por uma questão cujas circunstâncias não dominava:

— Posso aventar uma hipótese, mas apenas isso. Mais tarde, todas as respostas lhe serão fornecidas, de um modo ou de outro, quer você se dedique ao estudo das questões nas obras, ou seja, de forma teórica, quer vá estudar casos semelhantes, durante campanhas de ajuda a pessoas encarnadas com os mesmos problemas. Eu acho que Adão devia estar por detrás disso tudo, ele que foi designado para atendê-lo mais de perto.

— Por que não foi você?

— Porque as pessoas envolvidas nas mesmas faixas sentimentais, como ocorrerá com você se intentar levar avante o plano de cuidar do espírito errante de seu pai, podem apenas dar uma parcela de contribuição, como sustentação fluídica, por exemplo, através de preces e de providências secundárias, como levar e trazer mensagens, interessar especialistas (no seu caso, o Doutor Anésio), arrumar outros colaboradores, como o motorista Valério, e assim por diante. Mas a minha hipótese...

— Adão apareceu no “sonho”, mas agiu de modo muito estranho.

— Não deve ter agido, não. Você é quem deve ter dado esse papel a ele, para manter seu estado de alheamento existencial. Também é possível que ele não desejasse despertá-lo para a sua realidade naquela hora, preferindo esperar momento mais oportuno, quando, como se viu, você poderia reagir bem melhor.

— Que vamos fazer quanto à compreensão desses episódios?

— Vamos propor a Adão que nos elucide. O que nos importa considerar neste instante é o fato de você estar ou não sabendo reconhecer...

Adonias, ao ver o sobrinho, despertou para outra indicação de que poderia ter descoberto que estava morto:

— Você sabe, Alice, que, antes de meu pai morrer, minha mãe me informou que o meu sobrinho iria ser meu xará? Mas, quando voltei para casa, ele trazia o nome do avô. Não era indício para eu concluir que se passava algo estranho? No entanto, não dei atenção a isso, muito mais intrigado com o fato de minha mãe haver contraído novas núpcias. Isso realmente aconteceu ou é outra ilusão minha?

— Vejo que você voltou ao ponto que eu ia referir, isto é, quanto a reconhecer quem pertence a um e a outro mundo. Vamos tentar?

— Qual seria a dificuldade?

— Várias dificuldades. A primeira é perceber se o vivo está em vigília ou se está visitando esta esfera durante o sono.

— Essa eu sei resolver. Quem está dormindo e, ainda assim, se mete entre os espíritos, traz consigo uma faixa luminosa pertencente ao seu perispírito, a qual o prende ao corpo. Os vivos não são capazes, em sua quase totalidade, de ver os espíritos, logo, se me apresentar a eles e tentar conversar com eles, vão ignorar-me. As exceções são os médiuns videntes, mas esses logo vão identificando a gente e denunciando o fato, de sorte que suas vibrações são fáceis de perceber.

— Agora você disse a palavra mágica. É através das vibrações que somos capazes de distinguir uns dos outros. Quando estamos perante perispíritos somente, ou seja, perante irmãos desencarnados, os sentidos de nossas percepções se ajustam mais plenamente. Diante dos corpos animados por espíritos, a vibração que percebemos é muito mais densa.

Adonias deu a entender que assimilara a lição e eles saíram para o passeio público, para o exercício correspondente.

— Você acha que minha mãe está bem? Está mais feliz com o novo marido do que quando vivia com meu pai? Quando voltar para cá, irá ficar ao lado de quem? Ou haverá outros seres com quem se tenha ligado maritalmente em existências anteriores? Por que é que nós, você e eu, estamos juntos, sabendo que, provavelmente, tenhamos tido outros relacionamentos íntimos, com juras de amor etc., inclusive com vasta prole existência afora, e agora estamos caminhando tão sós? Algum dia, terei a possibilidade de descobrir resposta para todas as minhas perguntas, sem o risco de me perturbar com possíveis falhas de procedimento em relação a estas ou aquelas pessoas, dado que o ritmo evolutivo é crescente, mas os débitos devem ser resgatados? Ou a minha existência me redimiu de algumas falhas, enquanto devo ainda esperar a cobrança de outras dívidas, talvez até mais terríveis? Não é verdade que o meu crescimento é certo e que devo esperar o mesmo de todas as criaturas, de sorte que, em desenvolvendo o meu poder de perdoar, os outros seres também irão fazê-lo, quem sabe com maior desenvoltura, de modo que, ao suspeitar eu mesmo de estar devendo isto ou aquilo, não haverá cobrador para determinados compromissos cármicos?

Ia prosseguir nesse despejar inquisitorial de dúvidas e suspeitas, tudo mesclado, quando ambos se depararam com Marta e Maria, aquelas mesmas entidades que desempenharam os papéis de irmãs do sacerdote.

Tentou Adonias aproximar-se delas para abraçá-las mas sentiu um forte aperto na mão que Alice segurava. Estranhou mas não reagiu, porque as duas se puseram a rir convulsivamente, apontando-o com o dedo, como a figurá-lo ridículo sem as barbas e os cabelos de Jesus, naquela batina novinha, engomada, passada a ferro e lustrosa. Antes que se desse conta do que ocorria, ambas desapareceram, rindo ainda.

Perplexo, Adonias, agora carente de qualquer impulso verbal para a pergunta que todo o seu ser realizava, simplesmente olhou para Alice, que explicou:

— Eu não sabia de que nível evolutivo tais seres poderiam ser, no entanto, para mantê-lo na ilusão ou na quimera de uma fantasia, fazendo-o estacionar até mesmo numa condição de superior conhecimento evangélico, só poderiam pertencer a alguma falange de baixa categoria. Contudo, a convivência com a sua, entre aspas, “santidade”, deve ter-lhes sido útil, tanto que se limitaram a escarnecê-lo, quando viram que não poderiam subjugá-lo.

— Mas sempre foram tão amáveis para comigo... Tratavam de minhas vestes, cortavam minha barba, perfumavam os meus cabelos, tinham cuidados de irmãs. Acredito até que minha mãe, às vezes, deve tê-las confundido com filhas suas...

— Não se esqueça de que elas só apareciam a Dona Genoveva no plano da espiritualidade, plano que, se é de difícil descoberta para você, na qualidade de desencarnado, imagine para uma encarnada. Assim, tudo pode estar na sua mente, mesmo as considerações de sua mãe ao adotá-las como filhas e, depois, ao rejeitá-las. E se, por outro lado, elas, verdadeiramente, numa outra existência, foram do mesmo sangue dela e do seu, suas irmãs, portanto?

— Pelo menos, existem pistas para, qualquer hora, a gente ir atrás delas em serviço de atendimento perispiritual ou mesmo espiritual, para trazê-las à realidade da superior benemerência, como propugnava Jesus. O que me ficou muitíssimo evidente é que eram entidades incorpóreas.

Calaram-se ambos por bom tempo, perpassando, cada qual de seu lado, as intuições para as respostas à enxurrada de questões anteriores. Enquanto isso, sem errar, Adonias identificou a natureza material ou semimaterial de todos os seres com quem cruzaram, muitos deles cumprimentando o casal, dando evidentes sinais de respeito. Em nenhum caso, se sentiram na obrigação de um respeito acima das conveniências etéreas, porque não lhes pareceu que ninguém estivesse a merecer transferir-se de imediato para uma esfera mais adiantada.

Por fim, Alice comentou:

— Quanto ao seu interrogatório, posso resumir tudo com uma única expressão de respeito e de admiração, porque, pelo que pude sentir, houve apenas um ligeiro hiato entre a pergunta e a subseqüente resposta que a sua inteligência ia apondo a cada pergunta. Estou enganada?

— Pensando bem, eu me sinto agora em condições, ao menos, de não repetir nenhuma das questões dentro do panorama em que as elaborei. Talvez, num contexto diferente, elas reapareçam, especificamente, quando eu me deparar diante de problemas de fato, criaturas reais a se postarem à minha frente para o confronto inevitável ou para a definitiva reconciliação, hipótese esta que rogo a Deus seja a mais corriqueira. Não, eu posso dizer que você não está enganada. Todavia, a sua observação leva-me a desconfiar de que você vem lendo os meus pensamentos, ao passo que eu, simplesmente, fico na expectativa de ouvir a sua fala para saber o que vai pela sua mente. Estou enganado?

— Está e não está. Nem tudo você deixa perpassar em forma de vibrações para a minha condição particular de leitura do pensamento. Se fosse assim, seria muito fácil para nós. Eu ia falando e você só ouvindo. No entanto, se você não elabora as frases logicamente, o cruzar das idéias e das intuições, muitas vezes não disposto organizadamente através dos raciocínios lógicos, não tenho como interpretar. Por exemplo, sei que você está fazendo-me um teste, perguntando-me telepaticamente se Adão teria condições de ler-lhe todos os pensamentos. Respondo afirmativamente, mas devo adverti-lo de que os bloqueios emocionais, mas nem todos, são bem capazes de impedir uma leitura de Adão. Afirmo-lhe, também, que Anésio não teria a mínima dificuldade em conhecer tudo quanto se passa no seu íntimo. Ele só não o faz porque não haveria nenhum ganho real para você nem para ele, nesse tipo de atividade surrealista e metafísica, para dizer o menos figuradamente o que sei que você irá saber interpretar. Finalmente, peço-lhe para me poupar um pouquinho deste exercício de leitura paradigmática de sua mente, porque isto cansa e impede que eu mesma lhe proponha problemas que considero mais importantes para seu desenvolvimento, dentro do campo dos conhecimentos deste setor do Umbral.

A palavra “Umbral” foi o acicate com o qual Alice fez que Adonias buscasse outro tipo de interesse. Em vão, ele tentou decifrar o inteiro teor da palavra naquela circunstância existencial em que estavam mergulhados, de modo que precisou fazer uma pergunta:

— Umbral não é uma região de trevas, espécie de inferno ou purgatório, onde as almas, ou melhor, os espíritos padecem por terem sido desobedientes ou infratores quanto aos artigos das leis de Deus?

— Que tal deixarmos em suspenso alguns temas, dedicando-nos às sugestões da hora e do lugar?

— Haveremos de encontrar algo mais que nos interesse observar nesta minha peregrinação pelo mundo em que se confundem duas esferas?

— Com certeza muitos mistérios se escondem, meu caro, sem que tenhamos sequer levantado a fímbria de sua suspeita. Por acaso, você não está interessado em caracterizar aquelas criaturas pequeninas que viu a se intoxicarem debaixo do viaduto?

— Vamos até lá.

Assim que se aproximavam, logo divisaram algumas crianças naquelas atividades tão denegridoras para a sociedade humana, alguns cheirando cola, outros injetando-se cocaína, a maioria queimando fumo ou com seus cachimbos de craque. Todos absolutamente alheios à presença dos dois ex-religiosos convertidos em observadores um pouco além de curiosos, a ver se havia um meio de auxiliar os infelizes.

Foi Adonias quem incitou a amiga a lhe dar um parecer a respeito:

— Será que essas crianças estão exercendo seu direito ao livre-arbítrio ou estão estigmatizadas desde tempos remotos, condenadas a passarem através desse tipo de sofrimento, porque o resultado disso haverá de ser a dor, a morte e o arrependimento?

— Existem ali somente gente viva ou há também espíritos errantes?

— Reconheço uns e outros.

— Então, a resposta que lhe posso oferecer é a de que, após terem vivido tão mal, irão prosseguir existindo no etéreo buscando manter seus vícios. É que as personalidades se estruturam segundo paradigmas em mutação para o todo, mas que se fixam em função dos que se alheiam do conjunto e se dedicam ao dia-a-dia de seus prazeres e vantagens transitórias. E se eu lhe disser que esse agrupamento é mera representação de sua mente ouriçada para a composição de uma realidade em que você pudesse atuar de acordo com seus prismas filosóficos, sem levar em conta a verdade como um todo harmonioso?

— Querida, será que me iludo? Não se esqueça de que era bem mais fácil que Marta e Maria fossem criações minhas do que esse quadro tão triste, tão desolador.

— Pense em que seria bem melhor que esses fatos não se dessem e você conseguirá eliminá-los como preocupação. Se persistirem, é que você não está ainda preparado para enfrentar os embates socorristas, ou seja, aqueles que convocam os especialistas para o tratamento das doenças psíquicas, ou melhor, espirituais.

Adonias percebeu que havia um certo resquício de repreensão na fala da amiga e concordou em fechar os olhos, esforçando-se por debelar da mente a necessidade que ali criara de salvar, ele mesmo, a alma de cada criatura, porque, pensou bem nisso, sua formação religiosa predispunha os sacerdotes com a habilitação de perdoar e encomendar as almas para seu ingresso no paraíso. Lembrou-se de que tal poder somente teria sentido se ele mesmo estivesse apto a adentrar os portais do reino de Deus, o que, de fato, não era o que estava ocorrendo.

Quando abriu os olhos, debaixo do viaduto não havia mais ninguém. Então, orou em silêncio, apertando as mãos de Alice, como a agradecer-lhe as lições.

A companheira aguardou com paciência que Adonias terminasse, pondo-se de bem consigo mesmo, porque as acusações iam transformando-se em promessa de trabalho e de estudo. Após uns minutos, disse-lhe:

— Agora eu acho que você está preparado para enfrentar uma conversa bem mais séria com Adão, que lhe irá resolver alguns outros problemas, sempre de acordo com a sua possibilidade de compreensão. Vamos regressar ao nosso tugúrio espiritual?

Em breves instantes, adentravam o templo, que não se transformara nem um pouco, contrariando as expectativas de Adonias que julgava que, tendo consciência de seu novo estado, iria ver tudo na espiritualidade com nova acuidade visual. Lá estava o saguão de entrada e lá estavam os corredores, por onde caminharam até o elevador que subia, como da primeira vez.

Subiram ambos e logo se viram junto ao letreiro que indicava a sala do Doutor Adão, onde ainda se lia: “Correção cirúrgica facial”.

Entraram e se sentaram, mas não se passaram nem dez segundos e o médico entrou sorridente e afetuoso, solicitando um rápido histórico dos acontecimentos.

Quando Adonias ia começar a falar, Adão foi dizendo:

— Obrigado, Alice. A sua narrativa, como sempre, é lúcida e colorida. Quanto ao meu paciente, deve saber que o meio de comunicação mais eficaz para os espíritos é, propriamente dito, a troca de idéias, ou melhor, propriamente pensado, com perdão do gracejo fora de propósito. Mas, em breve, nós três estaremos permutando informações e demonstrando nossos sentimentos uns aos outros de maneira bem mais tranqüila. Vamos, porém, às questões finais do nosso bom amigo, antes de sua preparação para o enfrentar dos alunos. Sinto-lhe o desejo de confirmar as intuições relativas ao que seja inteligência em confronto com os ideais de conscientização. Na verdade, a partir do princípio de que Deus é a suprema inteligência, temos de admitir que também é uma consciência absoluta. Isto é elementar. Mas os homens, que participam da natureza de Deus, porque são criaturas suas, também têm uma inteligência em expansão, de modo que sua consciência vai globalizando-se aos poucos. Sendo assim, se o sujeito se recusa a ampliar qualquer dos aspectos que dariam curso a novos conhecimentos que permitiriam elaborar novos pensamentos, atingindo a descoberta de verdades cada vez mais sutis e mais extensas, estaria sustando o desenvolvimento gradual de sua consciência, limitando-se a marcar passo indefinidamente, até que, veja bem, tome consciência de que sua inteligência está prejudicando-o. Uma coisa vai imbricando na outra, de tal modo que, no seu caso, a rejeição quanto a se compenetrar da importância das ciências implica na suspensão, inclusive, dos elementos já sabidos e arquivados, porque se desestruturam as vias de acesso à memória, como ocorre quando a gente deseja recordar-se de fatos ocorridos em outras vidas e acaba totalmente bloqueado, porque não tem como entender os princípios que geraram tais ou quais procedimentos, o que só será vencido quando ousar dedicar-se com seriedade à compreensão das leis gerais que regem o comportamento espiritual. Um exemplo: o meu amigo não soube entender o “flash” de suas reminiscências quanto aos textos latinos ou franceses. Se tivesse a janela da memória totalmente franqueada para o seu vasculhar, iria perceber que, em uma encarnação, foi um monge copista e, em outra, um usuário do idioma francês. Como abrir todas as janelas? Com o tempo, à vista do interesse de se pôr diante de situações mais penosas que as da derradeira encarnação, onde você conseguiu praticar o bem, ajudando as pessoas, até com certos sacrifícios pessoais. Haverá necessidade de caraterizar corretamente esses “sacrifícios” (coloque aspas) para definir-lhes o que havia de puro e o que havia de impuro. O mais são quireras e melindres que se deixam exterminar por um bom plano de atividades voltadas para a prática do bem, até que desapareçam todos os focos de egoísmo, para que você e todos nós adquiramos condições de freqüentar um mundo melhor. Deixei para trás alguma coisa?

— Certamente, mas tenho de me sujeitar ao trabalho das descobertas íntimas, como ainda de conhecer os meandros desta instituição, aquelas diretrizes maiores que irão pôr-me à vontade perante as responsabilidades que pretendo assumir. E tenho o dever da leitura das obras que deixei para depois. Sendo assim, meu bom amigo, peço-lhe que me perdoe a ousadia de aliviá-lo de maiores preocupações relativamente a mim, porque sei que existem, sob seu encargo, criaturas bem mais necessitadas de ajuda do que eu.



Três meses depois, contados rigorosamente pelo tempo do mundo dos encarnados, Adonias fez anunciar nos quadros de avisos da “Igreja Cristã da Misericórdia Divina” a sua primeira conferência, sob o título: “Os meus dias de Messias”. E gracejava: “Pelo Pastor Adonias”.


Fim


Indaiatuba de 16.10 a 11.12.98.
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