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Erotico-->18. DE VOLTA À IGREJA -- 04/11/2003 - 06:36 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Ao chegar, Adonias foi recebido pelo mesmo rapazelho que o guiara das outras vezes. Só então quis saber:

— Mocinho, como é mesmo o seu nome?

O rapaz apenas exibiu o crachá que estava meio escondido debaixo da larga lapela de seu vistoso paletó azul claro. Lia-se ali Renato.

— Pois bem, Renato, em que dia, mês e ano estamos?

— O senhor deseja a contagem interna ou externa?

— Por quê? Existem duas modalidades de contar o tempo?

— É que, aqui dentro, estamos acostumados ao que chamamos de desenvolvimento temporal absoluto, ou seja, marcamos os minutos, as horas, os dias pelos momentos que passamos trabalhando. Quando estamos bem dispostos, nem notamos que lá fora os dias e as noites se alternaram, de modo que, ao sairmos, muitas vezes ficamos surpresos por termos estado tanto tempo interessados em nossas rotinas que nem demos conta de que as pessoas estão mais velhas. O interessante, se o senhor me permite dizer, é que, na Igreja, sucede como que uma suspensão orgânica, de tal forma complexa que o senhor, se puser reparo em mim, estará me vendo no máximo uns dois anos mais velho, quando já se passaram nove anos desde que nos encontramos pela primeira vez.

Adonias seguiu com muita seriedade cada palavra que o rapazote havia pronunciado, reparando que todo o enunciado dos pensamentos não correspondia à idade cronológica aparente do jovem. Era mistério a acrescentar ao rol das questões a fazer a Adão, de sorte que não insistiu na pergunta a respeito da data atual. Do mesmo modo pareceu haver compreendido o cicerone, tanto que não se estendeu na direção do ponto levantado.

Diante do elevador, Renato se despediu, deixando o sacerdote às voltas com o itinerário a realizar. Pegou a chave do quarto e decidiu emendar a entrada à saída, desfazendo o desejo de abandonar o recinto, agora parecendo imantado à idéia anterior de volver sozinho até o diminuto apartamento.

De fato, seguindo as indicações, dois ou três minutos após (ele não se arriscava a consignar o tempo), estava dando uma volta na chave dentro da fechadura, para avisar que havia regressado.

Ao entrar, encontrou diversos objetos pessoais, seu antigo baú, os livros de antigamente e um rolo de tecido, como se fosse um pergaminho, em cuja parte externa estava escrito: “Cartas de São Jerônimo”. Mas tudo estava sobre a mesinha, de sorte que precisava urgentemente encontrar espaço para depositar as coisas, pois desejava descer a cama para repousar.

Pôs tudo no chão, ao lado da mesa, e fez que a cama se movimentasse para baixo. Para sua surpresa, um molejo especial deu-lhe segurança para ficar um pouco mais elevada do solo, o suficiente para não pressionar os objetos. Outra surpresa, sobre o leito: roupa limpa, duas toalhas, uma de rosto e outra de banho, e um lembrete impresso para colocar o que precisasse ser lavado do lado de fora, no escaninho próprio.

Adonias estava muito cansado. Mesmo assim, acionou o computador para ver se se registrara algum recado para ele. Realmente, lá estava o aviso de que precisava dirigir-se ao refeitório, que estava quase na hora dos remédios.

Daria tempo para um banho rápido? Não pensou duas vezes, tirou a roupa e entrou no minúsculo espaço para um banho. Acionou o botão e a água jorrou do alto, quente e agradável. Assim que se banhou, apertou o botão do jato de ar para se secar e em breves instantes se viu completamente apto a vestir-se. Foi quando lhe surgiu, imperativa, a pergunta a respeito da utilidade das toalhas. Mas não foi capaz de atinar com a resposta.

Então se vestiu, se penteou, ou melhor, ajeitou os fios da escovinha que insistiam em se projetar para a frente, viu no espelho que o seu rosto estava um pouquinho menos cadavérico, o que lhe dava um ar de maior juventude. Achou-se até com certos resquícios da bonita fisionomia que tinha na idade dos trinta anos, homem maduro, cuja barba lhe punha na figura a imagem de Jesus, a ressaltar os profundos olhos castanhos, quase negros.

As regalias de uma vida dedicada ao conforto pessoal logo desapareceram quando a memória fez que se deparasse de novo com as criaturinhas debaixo do viaduto. Foi quando deliberou sair imediatamente, porque a conversa que estava preparando-se em seu inconsciente já transparecia como rude e impertinente.

“Dessa vez, não vou permitir respostas evasivas. Até o tal do Renatinho está contaminado com essa forma de fugir espetacularmente das questões. Acho melhor ir visitar primeiro o necrotério.”

A idéia de ir ao necrotério surgiu em sua mente como provinda do nada. Foi como um despertar para uma situação criada muito antigamente e que só a custo volta, depois de muito esforço. No entanto, aquela idéia era de um dia antes. Não entendeu a sugestão de sua fonte de reminiscências e foi diretamente ao refeitório, onde se achou diante de Alice, que o esperava à porta, para que ele não se perdesse no meio da multidão.

Apanhou-o pela mão e tal gesto como que desarmou o seu intento de ser rude com a moça por tão pouco, só porque se esqueceu de fazer referência ao transcurso do tempo do lado de fora. Além do mais, foi obrigado a dar razão à consciência quando lhe lembrou de que não se preocupara em perguntar-lhe uma única vez a respeito.

— Padre Adonias, como é que foi sua viagem até a casa de sua mãe? Soube que o senhor foi e logo voltou. Aconteceu algo?

— Como correm as notícias por aqui. Quem foi que lhe contou?

— Está arquivado no seu registro pessoal. Eu sou obrigada a digitar o seu nome para cumprir as minhas obrigações e, por isso, preciso localizá-lo. Mas não vamos perder tempo. Arregace a manga para as duas injeções de praxe, por favor.

Depois das duas picadas, o gosto meio azedo da carambola em suco para a ingestão dos medicamentos.

— O senhor vai querer jantar agora?

— Mas eu comi há tão pouco tempo. Ou as coisas se passaram de tal modo que eu perdi a noção até da minha digestão?

— Se não estiver com fome, é bom não comer, porque logo o Doutor Adão virá para completarem o passeio que o desmaio interrompeu. Aonde é que os dois iam mesmo?

— Eu queria ir visitar o necrotério mas disse ao médico que desejava ir ver a maquinaria dos porões.

— Não me peça para acompanhá-lo porque há outros pacientes à minha espera. Aliás, devo retirar-me agora.

Adonias não pôde deixar de reparar em que os olhos da enfermeira, de novo, demonstravam que se emocionava. Desta feita, prendeu-a pelo braço e a interrogou:

— Por que você tem chorado em minha presença? Até parece que você sabe de alguma coisa muito grave acontecendo comigo. Estou prestes do fim? Você se penaliza com a minha situação? Recorda-se de que nem fiquei sabendo que estive preso neste hospital por nove anos inteiros e você não me disse nada a respeito? Por que essas lágrimas? Saiba que o meu interesse é sincero.

Alice se limitou a afagar o rosto do paciente, olhando-o demoradamente dentro dos olhos e saiu sem dizer nada.

Adonias é que se intrigou com aquela expressão dulcíssima do mais profundo respeito e consideração. Se algo havia em sua saúde, não seria através de Alice que ficaria sabendo. No entanto, aquele olhar continha mistérios a serem decifrados, porque lhe pareceram a mais pura reprodução de um outro olhar antigo, armazenado nas profundezas da memória.

“São reminiscências femininas. Seria eu capaz de fazer desfilar, como fiz com todos os itens de ‘O Livro dos Espíritos’, como...”

De novo perdeu a linha lingüística da exposição íntima, contudo, desta feita, os pensamentos se ordenaram conforme se havia proposto a executar o ato da recordação, passando-lhe pelo quadro que se formou no fundo de sua consciência, quadro colorido e luminoso, todos os olhos femininos de sua vida. Estava adentrando o convento das irmãs beneditinas, quando cruzou com aqueles olhos verdes, inesquecíveis:

“Irmã Alice. Nem mais nem menos. E me disseram que havia morrido. Deixou o hábito, isso sim, e veio para um lugar em que não deve se entregar tanto às orações, interessada em ajudar a quem precisa. Eu bem queria estar no lugar dela, porque o que produz é real, é concreto, enquanto a minha atuação é impossível de medir-se, a não ser pelo testemunho esparso de alguns fiéis a quem minhas palavras repercutiu e que terminaram por gostar de mim, o Homero, o Valério, o Vicente...”

Nesse ponto, pôs reparo em que voltara a pautar os pensamentos através de construções lingüísticas bem definidas. Mas fez a observação na velocidade com que desfilou os olhares. Então tornou estática a imagem antiga, pondo ao lado dela, como vira ocorrer na tela do computador, a foto atual, de forma que pôde cotejar as lembranças, definindo as transformações ocorridas no semblante da moça. Mas a sua curiosidade redundou num grave problema, porque lhe estava parecendo o retrato atual muito mais antigo que o outro, no cotejo das idades da pessoa representada:

“Nem parece que o tempo teve algum transcurso para ela. Ao contrário, a impressão que me passa é de que tenha rejuvenescido. Renato, ao menos, cresceu. Ela regrediu para melhor, se é que eu posso dizer assim. Então, eu devo concluir que as suas lágrimas possam estar relacionadas ao fato de eu não na haver reconhecido, quando, naqueles dias felizes em que estava de bem com a Santa Madre Igreja, tínhamos longas tertúlias, conversando sobre a vida de Jesus, evitando falar das coisas tristes, cada um de nós dando relevo à pureza e à castidade do moço judeu, numa eloqüente demonstração de que nós dois tínhamos de preservar os nossos votos de castidade, por amor ao Filho de Deus feito homem.”

Ocorreu-lhe que Alice poderia ter-se apaixonado por ele e que, em vista desse pecado da carne, não tendo vencido a tentação, após muito purgar os sofrimentos de uma vontade que não se deixava subjugar pelo espírito de religiosidade, tendo deixado seu corpo definhar em miseranda doença, conseguiu forças para se internar na Igreja Cristã, onde se recuperou para nunca mais voltar à sua congregação.

Quando olhou para o relógio do salão foi que percebeu que ficara ali mais de três horas a meditar sozinho, sem se dar conta de que as pessoas entravam e saíam ruidosamente e de que estava ficando com fome.

Dirigiu-se à máquina eletrônica, passou o seu cartão magnético e foi até o balcão para receber a bandeja. De fato, mecanicamente, as bandejas vinham saindo de uma espécie de corredor apoiadas em uma esteira sem fim, até que se depositavam ao longo do balcão por um processo de braços mecânicos que empurravam uma a uma para a frente, liberando-as da esteira.

Em pouco tempo, estava de volta a uma das mesas desocupadas, para efetuar sua refeição balanceada. Havia alguns copos hermeticamente lacrados com sucos frios. Havia uma tigela de sopa quente, mais caldo do que creme, feito de vários legumes. Havia também um pequeno prato de macarrão tipo espaguete, com molho branco, coberto de queijo ralado gratinado, como o prato da berinjela anterior. Mas a refeição era bastante frugal. Foi quando se recordou da comida que a mãe estava preparando e de uma das razões de se ver impelido a fugir dali.

Estava nesse vaivém rememorativo, quando apontou a figura de Adão à porta em frente.

Adonias se sentiu um tanto incomodado. Do mesmo modo que se conteve diante de Alice, fez perante o médico, acrescentando um item ao seu arrazoado para aquietar-se: sensibilizou-o o interesse do outro por tratar dele com tanto desvelo e consideração, pondo toda sua ciência a serviço de sua cura, dando-lhe, inclusive, uma esperança de consignar seus ideais de vida bem de acordo com o que ele mesmo teria sido capaz de imaginar como a melhor das posturas intelectuais, ou seja, fazendo-o prosseguir em sua pregação religiosa, abrindo-lhe uma perspectiva de resultados mais categóricos, pela possibilidade de acompanhamento dos alunos, avaliando-os no sentido de perceber se estavam recebendo todo o influxo de seu amor, em nome de Jesus.

Foi um átimo de segundo, mas Adonias soube examinar com absoluta clareza todos os sentimentos e todas as idéias que aquelas rapidíssimas reflexões lhe proporcionaram.

Antes que Adão chegasse, já Adonias se levantara e fora abraçar o médico.

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