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Erotico-->34. IMPORTANTES DECISÕES MEDIÚNICAS -- 10/10/2003 - 06:45 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Plínio nem se apercebeu de que chegara o dia em que a turma deveria reunir-se a portas fechadas, para apreciação do texto que distribuíra. De repente, se viu sentado junto à mesa, reunidos todos os médiuns e doutrinadores da última sessão, mais uma companheira que havia faltado, Liberata, a qual, por sua avançada idade, não primava já pela freqüência nem, por isso mesmo, havia tomado conhecimento da mensagem ou sentido certo frêmito de expectativa nos semblantes.

Ariovaldo fez as leituras ocasionais de dois livros doutrinários, solicitou que os médiuns se concentrassem, pensando em Jesus e nos beneméritos guias do centro, realizou a prece de abertura e evocou a presença de alguma entidade que desejasse apresentar-se, para dar início aos trabalhos, não se esquecendo de ressaltar que os serviços a serem prestados naquela noite deveriam resumir-se o mais possível, para que se desse tempo aos debates.

A diligente médium dos cabelos de neve solicitou permissão para incorporar um amigo da espiritualidade, falando com clareza e ponderação:

— Meus irmãos, graças a Deus! Estou disponível para acompanhar esta importante reunião, onde serão discutidos temas da maior relevância para o desenvolvimento mediúnico dos tarefeiros do Senhor. Vocês devem ter percebido que este que lhes fala é o Irmão Juvenal, seu velho conhecido de tantas memoráveis jornadas de amparo aos infelizes que recorrem às luzes dos encarnados para se situarem no etéreo, com uma vontade inquebrantável de se melhorarem, crescendo em virtudes, com o fito de ampliar a faixa de atuação, para que o bem que venham a fazer abranja um círculo cada vez mais amplo de necessitados. Respeitando, entretanto, o desejo de todos, vim para lhes dizer que apenas eu me manifestarei, para notificar que o ambiente está coalhado de entidades interessadas nos pontos de vista que se analisarão, segundo o parecer de cada encarnado que estudou a temática proposta pelo espírito que assinou como João a mensagem que incentivou tantas pesquisas e fomentou tanta preocupação. De seu discernimento, concluirão os convidados do plano espiritual quais as melhores diretrizes a serem impressas às comunicações escritas, ditas psicografadas, para seu preparo junto ao educandário que os agasalha na colônia. Por isso, requeiro, em nome de todos, que os expositores se lembrem de Jesus falando ao povo e aos doutores da lei, com o coração na mão e a inteligência produzindo as melhores expressões para o entendimento dos raciocínios e das conclusões. Fiquem com Deus, sob o amparo cada qual de seu anjo de guarda, porque se espera que a sessão seja produtiva e esclarecedora. Assim seja!

Ariovaldo ainda aguardou alguns minutos até definir que não haveria mais nenhuma incorporação mediúnica. Então, abriu os debates:

— Espero que todos tenham lido, mais ainda, estudado e decifrado todas as intenções do texto que o nosso irmãozinho Plínio escreveu diante de todos nós, na última semana. Sei que ele fez o possível para tornar esta reunião plausível do ponto de vista doutrinário, tanto que me procurou, expondo-me as suas dúvidas quanto a cumprir a determinação do grupo que o obrigava a transcrever a mensagem na íntegra. Recomendei-lhe cautela quanto a manter o sigilo do tema apenas dentro da abrangência do povo aqui reunido, mas não o estimulei no sentido de que suprimisse nenhum trecho, porque era preciso, segundo meu ponto de vista, conhecer exatamente o que esse espírito e autor tinha em mente ao lhe oferecer um texto cuja interpretação pode causar a maior discordância entre nós, caso nos atenhamos a fixar uma diretriz inflexível para o nosso modo de estabelecer os critérios, em coerência com os princípios expostos por Kardec. Eu mesmo considerei cada expressão, cada frase, cada parágrafo, conseguindo assentar um prisma para a crítica do ato mediúnico e sua resultante textual. Mas vou dar a primazia da abertura das discussões ao nosso irmão Severo, o “do contra”, conforme ele mesmo se considera.

Severo não aguardou que a palavra lhe fosse formalmente passada, emendando a frase do orientador com a sua primeira observação:

— Gostaria que me considerassem, daqui para a frente, como o a favor, porque todas as minhas participações se deram e se darão no sentido de respeitar a doutrina que nos permitiu este agrupamento de pessoas para a efetivação de um ato de grande importância para as nossas vidas de espíritas convictos. Vou ao ponto. Li, com muito interesse, a mensagem em questão e posso afirmar que, sem sombra de dúvida, merece muitos encômios, pelo rigor com que trata os textos produzidos por João Evangelista. Claro está que, como ele mesmo promete, vou ficar ansioso para conhecer um pouco mais a respeito da sobrevida do Cristo ao suplício da cruz. No que respeita às transcrições do “Velho Testamento”, fui averiguar e obtive a revelação de que muitos trechos reproduzem passagens dos autores apontados. Para mim, o fato fez diminuir em muito os méritos das predições (quase diria maldições) contidas no “Apocalipse”. A advertência quanto à mudança proposta para a personalidade do Messias, que era pura doçura nos relatos evangélicos, passando a expressar-se como o deus dos exércitos das “Antigas Escrituras”, desejoso de punir e esquecido de perdoar, também me pareceu absolutamente procedente. No que concerne ao envio do “Consolador”, do “Espírito de Verdade”, que nós do Espiritismo vinculamos à história religiosa da humanidade com o nome de “Terceira Revelação”, atribuindo a passagem evangélica à nossa doutrina, por força de inúmeras citações mediúnicas, inclusive endereçadas a Kardec, devo confessar que me vi surpreso quanto a ter sido exposta apenas em “João”, nada havendo semelhante em “Lucas”, em “Mateus”, em “Marcos” nem nos “Atos dos Apóstolos”. Aliás, seria muito justo que, no “Apocalipse”, houvesse a reprodução desse informe tão precioso, mas lá não achei nada disso. Ao contrário, em lugar de Jesus nos prometer outro Consolador, faz-nos ver que a Besta está preparada para assumir o controle do mundo, em época futura e não determinada. Aí, eu me lembrei de um dos critérios mais importantes de Kardec para fixar as diretrizes doutrinárias, qual seja, o da coincidência universal dos preceitos, porque o codificador só aceitava os pensamentos filosóficos dos fundamentos espíritas se recebesse comunicações de mesmo teor ou assemelhadas de muitas origens, porque se correspondia com o mundo todo. Sendo assim, salvo melhor juízo, considero a mensagem transmitida ao nosso amigo Plínio como perfeitamente cabível, dentro dos parcos conhecimentos evangélicos que possuo. A partir daí, no entanto, não concluam, por favor, que eu opte pela divulgação do texto. Continuo, como mencionou o Doutor Ariovaldo, “inflexível”, porque considero que a doutrina espírita não tem nada a ganhar com polêmicas mensagens, cujo maior mérito se encontra na possibilidade de estar historicamente correta, sem, contudo, oferecer outra prova qualquer que não seja a das prerrogativas do saber raciocinar em função das próprias informações que registra. Lamentavelmente, tenho de respeitar o fato de que, naquela noite da semana passada, o ambiente estava em paz, eu mesmo tendo dado passividade a duas manifestações maravilhosas quanto à moralidade e à teoria espírita. Lamento, não pelo fato em si, mas porque me coage a aguardar novos desenvolvimentos, pela curiosidade que me despertou quanto a oferecer essa entidade outros conhecimentos sobre que não tive ensejo de me dedicar. Lamento ainda mais porque não vou votar pela abertura desta sessão ao público em geral, estimulando a curiosidade mórbida das pessoas que não vêem com bons olhos os trabalhos a portas fechadas, como se o que se passa dentro destas quatro paredes se inspire nas entidades menos evoluídas. Agradeço o discernimento do nosso orientador e amigo, Ariovaldo, por me deixar falar à vontade, talvez se surpreendendo com o que eu disse a favor do texto. Se me permitirem, vou procurar ouvir o que cada um tem para dizer e não vou mais colocar qualquer obstáculo, caso a decisão eleja um ponto de vista diferente do meu. Apenas, como Pilatos, vou lavar as minhas mãos quanto à responsabilidade das distorções educacionais que a publicação do texto promoveria. Afinal de contas, permitam-me o gracejo, por mais que Pilatos tenha ensaboado o sangue que enxergava impregnado em sua pele, tendo Jesus descido da cruz ainda vivo, não havia muito para expiar.

O efeito da brincadeira não atingiu o objetivo de amenizar a seriedade das considerações. Ariovaldo estava cada vez mais admirado da sagacidade e da inteligência do amigo e levou um bom tempo para refazer-se da incrível avalancha de conceitos. Finalmente, avaliou que outras poderiam ser as opiniões das pessoas presentes e ofereceu a palavra a quem se apresentasse.

Olívia, uma das cinco do corpo feminino de médiuns presentes à reunião anterior, desejou oferecer a sua contribuição. Ariovaldo introduziu-a:

— Com a palavra a nossa querida irmãzinha, Olívia. Aliás, se elas não se manifestarem, iremos ter os conceitos apenas da ala masculina.; e nós não queremos que pensem que somos chauvinistas.

— Muito obrigada. Devo avisar que falo em nome de todas, porque nos reunimos e chegamos a algumas conclusões, quase todas coincidentes com as idéias de Severo. Antes que pensem que demos conhecimento da mensagem a outras pessoas, previno que tomamos o máximo de cuidado e nenhuma cópia caiu em mãos estranhas. Tivemos em mira definir os pontos de coincidência entre o texto do “Apocalipse” e os das fontes citadas. Não sei se vocês sabem, mas encontramos uma edição da “Bíblia” que apresenta anotações muito valiosas quanto às referências repetidas, de modo que bastou olhar para o rodapé para saber de onde provinham os textos originais. Antes de eu prosseguir, o grupo das mulheres decidiu inquirir do amigo Plínio se ele conhece esta edição que está aqui comigo.

Ao mesmo tempo, Olívia mostrava um grosso volume, abrindo-o ao acaso, apontando os rodapés aleatoriamente, lendo um ou outro rapidamente, para a constatação do que afirmara.

Plínio prestou atenção e esclareceu em seguida:

— A “Bíblia” que possuo contém esse mesmo aparato. Se não me engano, esse sistema recebe o nome de “chave de concordâncias”. Quanto a saber que muitos trechos do “Apocalipse” derivaram dos outros livros do “Velho Testamento”, no entanto, não fazia idéia de que a coisa era tão séria.

A moça prosseguiu:

— Mesmo que soubesse, dificilmente iria citar tantos autores, a menos que tenha acrescentado alguns após consulta, quando datilografou o texto...

Correu Plínio a afiançar o contrário:

— Se vocês quiserem ver, tenho comigo o original escrito na presença de vocês.

— Não vai ser preciso, porque o mais importante é conhecer a verdade.; e a verdade se encontra na confissão do apóstolo (se é que foi ele mesmo quem se apresentou) de haver transcrito muitas passagens. Se me permitirem, posso reproduzir uma.

Ariovaldo consultou o auditório e anuiu:

— Você terá o direito de uma citação apenas, porque, penso eu, todos nós fizemos o mesmo cotejo e chegamos ao mesmo resultado.

— Então, vou reproduzir, primeiro, um texto de Daniel. Para não ficar monótono, peço à Judite que execute as leituras, conforme eu for solicitando. Certo?

Meio impaciente, Ariovaldo acenou que estava bem. Olívia deu as diretrizes da citação:

— A “Bíblia Sagrada, Antigo e Novo Testamento”, que utilizamos foi traduzida por João Ferreira de Almeida e publicada no Rio de Janeiro pela Sociedade Bíblica do Brasil, em cinqüenta e nove. Não consta o número da edição. À página oitocentos e setenta e seis do “Antigo Testamento”, em “O Livro de Daniel”, capítulo sétimo, versículo treze, lê-se, conforme Judite irá demonstrar:

— “Eu estava olhando nas minhas visões da noite, e eis que vinha com as nuvens do céu um como o Filho do homem, e dirigiu-se ao Ancião de dias, e o fizeram chegar até ele.”

— Agora, do mesmo livro, à página oitocentos e oitenta, capítulo décimo, versículos cinco e seis:

— “[...] levantei os olhos, e olhei, e eis um homem vestido de linho, cujos ombros estavam cingidos de ouro puro de Ufaz.; o seu corpo era como o berilo, o seu rosto como um relâmpago, os seus olhos como tochas de fogo, os seus braços e os seus pés brilhavam como bronze polido, e a voz das suas palavras como o estrondo de muita gente.”

— Voltando à página oitocentos e setenta e seis, capítulo sétimo, versículo nono:

— “Continuei olhando, até que foram postos uns tronos, e o Ancião de dias se assentou.; sua veste era branca como a neve, e os cabelos da cabeça como a pura lã.; o seu trono era chamas de fogo, cujas rodas eram fogo ardente.”

— Reparem agora como se encontram as mesmas idéias e quase as mesmas palavras no “Apocalipse”, à página duzentos e noventa e dois do “Novo Testamento”, capítulo primeiro, versículos treze a quinze. Por favor, Judite.

— “[...] e, no meio dos candeeiros, um semelhante a filho de homem, com vestes talares, e cingido à altura do peito com uma cinta de ouro. A sua cabeça e cabelos eram brancos como alva lã, como neve.; os olhos, como chama de fogo.; os pés semelhantes ao bronze polido, como que refinado numa fornalha.; a voz como a voz de muitas águas.”

Prosseguiu Olívia:

— Pode parecer que houve um resumo mas, na verdade, a reprodução não poderia eleger os textos todos ou João poderia ser acusado, simplesmente, de plágio. Nós não achamos isso. Julgamos que, naquela época, as palavras sagradas poderiam representar, para o espírito dos leitores e dos ouvintes, a autoridade de que se revestia o autor, que falava em nome de Jesus. O que não se concebe é que o Cristo se desse a conhecer ao apóstolo de forma tão exata e igual à descrição antiga. Por outro lado, muitos outros trechos se encaixam perfeitamente, de forma que se justifica plenamente a mensagem que o nosso parceiro recebeu. Se eu tiver um tempinho mais, gostaria de expor um recurso utilizado nesse mesmo sentido, o qual nos pareceu, no mínimo, perverso, para uma obra provinda do Nazareno.

Ariovaldo perguntou:

— Alguma outra companheira irá fazer uso da palavra?

Ana Beatriz manifestou-se:

— Eu posso fazer as vezes da Olívia, porque nós todas sabemos sobre o que ela irá discorrer.

Ariovaldo percebeu que não escaparia tão cedo, de modo que deixou a decisão para as mulheres:

— Façam como acharem melhor, mas sejam breves, por favor.

Olívia antecipou-se:

— Fale você, Ana, para demonstrar que todas estamos interessadas no tema.

Ato contínuo, Ana expôs o assunto:

— Descobrimos que o fecho do “Apocalipse” desfere sobre a humanidade uma ameaça terrível. Depois vimos que até a notícia do flagelo foi extraída do “Velho Testamento”. Judite, por favor, leia o que se encontra à página trezentos e nove do “Novo Testamento”, versículos dezoito e dezenove do capítulo dezenove.

— “Eu, a todo aquele que ouve as palavras da profecia deste livro, testifico: Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos neste livro.; e se alguém tirar qualquer cousa das palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, da cidade santa, e das cousas que se acham escritas neste livro.”

Ana prosseguiu:

— O grupo feminino tremeu de medo com a profecia, mas, levando em conta que o próprio autor da funesta previsão foi quem veio para acrescentar e diminuir, como lembrou Severo, não vimos como Plínio deva ser atingido pela maldição. Acreditamos na justiça de Jesus. Querem ver de onde proveio esse trecho? Judite, por favor, reproduza “Deuteronômio”, capítulo quarto, versículo segundo, página cento e noventa e seis, e, em seguida, do mesmo livro, capítulo doze, versículo trinta e dois, página duzentos e sete.

— “Nada acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os mandamentos do Senhor vosso Deus, que eu vos mando.” “Tudo o que eu te ordeno, observarás.; nada lhe acrescentarás nem diminuirás.”

Ariovaldo rejubilava-se com a eficiência demonstrada pelos parceiros de mesa mediúnica. Percebeu que estampavam no semblante não mais o receio da abertura, mas a satisfação de se verem úteis e reconhecidos. Foi assim que fez questão de mencionar o seu pensamento a respeito:

— Vejo que todos nós nos deixamos envolver pelo estudo da mensagem. Não quero dizer que esteja o texto correto nem que tenha provindo do augusto nome que o assinou. Acho que isso não interessa muito, porque o princípio em evidência foi o de realizar um trabalho de busca, de pesquisa, de exegese bíblica, no sentido de fazer com que prevaleça a verdade. Não vamos mudar os nossos pontos de vista anteriores quanto a ser sagrada e universal a carta da revelação endereçada às sete igrejas asiáticas. Vamos, sim, colocar as idéias no lugar e passar a refletir sobre a existência, sobre a vida, sobre a encarnação e sobre a morte, de acordo com os paradigmas fornecidos pelos espíritos de luz a Kardec. Não vamos desprezar a maneira antiga de angariar prosélitos para os cultos nem de prendê-los através de fulminantes razões religiosas. Penso que as informações da mensagem ditada ao irmão Plínio estejam suficientemente discutidas. Águas passadas não movem moinho. Vou pedir aos que ainda não se manifestaram que comentem a proposta do Severo, quanto a não dar ao prelo, ou melhor, quanto a não divulgar o texto. Que tal você, Moacir?

O designado imediatamente assumiu a palavra:

— Quero dirigir-me por um caminho paralelo, sem tocar nos pontos principais da mensagem em si. A minha preocupação se situava noutro setor. Eu pensava que, se os estudos e pesquisas fossem continuar, o trabalho mediúnico a que estamos acostumados iria perder em ênfase, ficando muitos irmãozinhos sem atendimento. Até ia fazer esse reparo para o meu amigo Plínio, ou seja, que não desse vazão aos textos desse naipe, porque não via muita importância nas discussões decorrentes. Dois fatos, porém, estão me obrigando a mudar de opinião. Em primeiro lugar, o interesse, digo mais, o empenho da turma, inclusive da parte das senhoras e moçoilas, em decifrar o que de verdade possa existir nas informações que, convenhamos, desafiam os conhecimentos tradicionais, para não dizer milenares, de um texto considerado de fundamental importância para o cristianismo. Está parecendo que houve um como rejuvenescimento de espíritos, uma regressão aos bancos escolares, quando a gente chegou ao centro e se pôs, com muita desconfiança, a estudar a mediunidade nos cursos iniciais. Vendo por esse prisma (desculpem-me se me atrapalho), está sendo muito útil estimular a inteligência da maioria e a sabedoria de alguns, como no caso do amigo Severo e do Doutor Ariovaldo. Mas, se fosse só isso, ainda assim iria solicitar que Plínio evitasse tais ditados polêmicos. Outro fator, contudo, se interpôs entre a minha intuição primeira e as observações posteriores. Foram as palavras com que o espírito Juvenal, nosso emérito guia, abriu esta sessão de maneira tão clara e insofismável, atentando-se ao fato de que a veneranda irmã que serviu de intermediária desconhecia por completo o objetivo da reunião. Se ele não informasse sobre a presença de inúmeros companheiros desencarnados interessados no desenvolvimento dos debates, até eu poderia acreditar que estávamos gerando uma tarefa sem repercussão, porque, como Severo fez questão de frisar, também sou de opinião que o grande público não deve ser incitado aos mesmos assuntos, dado que a temática necessita de pessoas mais doutas, mais eruditas, mais sábias, para que possa vir a ser esgotada em todos os seus aspectos. Creio que estas minhas idéias encontrem ressonância na alma dos parceiros, para que firmem posição de absoluta imparcialidade quanto a não aconselhar a divulgação dos escritos, em cujos méritos, reafirmo, não desejo penetrar.

Ariovaldo ficou intrigado e expôs a sua dúvida:

— Quer dizer, Moacir, que você não aceita que o texto tenha sido produzido por um espírito de luz, da categoria de João Evangelista?

As faces de Moacir adquiriram um tom fortemente avermelhado, tanto que fez um gesto involuntário com as pontas dos lábios, mas se definiu:

— Quem somos nós para receber avisos de tamanha magnitude? Como não temos recursos para aprimorar as teses espíritas, quer me parecer que, embora verossímeis, as mensagens são tendenciosas, no sentido, evidentemente, de nos trazer cativos a certos princípios bastante diferentes daqueles que nos sustentaram até aqui. Não é verdade que eu disse que modifiquei a minha diretriz de pensamentos? Pois admito que o exercício mental a que nos conduziu o autor (seja ele quem tenha sido) pode vir a ser útil para a nossa formação espírita. No entanto, eu me sentiria bem mais seguro se as coisas voltassem ao normal. Vocês não pensam como eu?

Agitou-se a pequena assembléia. Entretanto, Ariovaldo, preocupado em dar oportunidade a todos e observando que, se cada um levasse o mesmo tempo, a reunião ainda duraria umas duas horas, pediu silêncio e se dirigiu diretamente a Silvinho:

— Você e Moacir são unha e carne. Você concorda com ele? Vocês estudaram juntos? Tem alguma coisa a mais para acrescentar?

Silvinho percebeu a agitação do orientador e fez questão de acalmá-lo:

— Falo apenas por mim. Moacir tem as idéias dele e eu tenho as minhas. Não obstante, não vou fazê-los perder mais tempo com considerações argutas e específicas. Penso que os temas tiveram tratamento adequado. Concordo com que seja muito cedo para levar ao pessoal de fora os arremessos, os atrevimentos, as novidades que se encontram consignadas nestes textos, os quais, no mínimo, são surpreendentes, porque não vejo, no meu querido Plínio, nenhum interesse em nos trazer tais problemas. Por isso, acho que devemos aguardar novas manifestações da mesma entidade, permanecendo atentos para as críticas e comentários de nossos guias e guardiães, uma vez que nenhum ofereceu resistência contra este tipo de serviço mediúnico. Seguindo nesta linha de raciocínio, proponho que, na próxima reunião, alguém venha com algumas perguntas preparadas, para dar azo a que as respostas do plano espiritual nos encaminhem para o que for melhor para todo o mundo. Se tomarmos as deliberações que prescrevi, certamente estaremos valorizando sobremodo o trabalho dos médiuns, abrindo, inclusive, a perspectiva para que o mesmo espírito se utilize de outro membro efetivo de nosso corpo mediúnico, para que não fique tudo sobre as costas só de um.

Ariovaldo criou uma suspeita no âmago da alma e a expôs de imediato:

— Não há dúvida de que todos os que se pronunciaram o fizeram com desembaraço e muita fluência. Como são médiuns, estarão sendo amparados, inspirados, ou não foram vocês mesmos que criaram as suas falas, apenas reproduzindo oralmente o que os espíritos lhes ditaram? Na verdade, gostaria de crer em que tudo o que expuseram seja fruto de seus cérebros privilegiados, porque muito me honrariam com a sua amizade e companheirismo.

Severo não deixou que Ariovaldo prosseguisse:

— Diga-o você mesmo, prezadíssimo confrade, que está tão entusiasmado com as realizações alheias que não é capaz de avaliar o mérito de sua própria oratória.

Instado, Ariovaldo revelou a sua opinião:

— Eu acho que a influência das personagens da esfera espiritual se faz sentir no formalismo com que todos se expressaram, por respeito ao fato de saberem que estamos sendo visitados por gente muito gabaritada. No entanto, se nos dermos conta de que tais irmãos evoluídos se aproximaram de nós em virtude das decisões que pautarão certos procedimentos deles, conforme nos informou Juvenal, estamos agindo corretamente, segundo nosso próprio discernimento, sem interferências estranhas. Pelo menos eu sinto assim.

Foi Olívia quem aparteou:

— Quer dizer que existe uma sutil contradição em seus sentimentos, isto é, sem ofensa, você está achando que o seu jeito de ser prevalece quando fala e o nosso se expõe à orientação dos irmãos benfeitores...

Se Olívia não fizesse um gesto conciliador, como se desse umas palmadas no amigo, talvez não se entendesse que estava brincando. Mas todos, pelo sorriso maroto que aflorou em sua fisionomia, perceberam que a tentativa da parceira era a de tornar a sessão menos tensa, assegurando o bom humor que caracterizava o relacionamento do grupo.

Não se atrapalhou Ariovaldo e enviou um careta alegre à colega, retomando as rédeas, segundo o tema:

— Vocês acham que devemos acatar o parecer geral dos que se apresentaram, ou seja, que fiquemos na expectativa de novas mensagens, sem dar ao público conhecimento do que nos trouxe tão atarefados? Levantem a mão os que aceitam esta tese.

Houve unanimidade, todos concordando com a proposta coincidente dos três que deram sugestões. Ariovaldo voltou a consultar a turma:

— Quanto a elaborar um questionário, vocês estão de acordo? Quem estiver levante a mão.

Houve apenas um voto a favor, o do dono da idéia, Silvinho. Ariovaldo aduziu:

— Pela minha experiência, fica-me claro que o povo quer que você redija as perguntas.

Um franco sorriso de aprovação demonstrou que havia o grupo superado os momentos mais difíceis. A partir daquele instante, cada qual sabia que estava integrado num ambiente de acatamento das noções espíritas que vinham assimilando. Ariovaldo não se esqueceu de Plínio e ofereceu-lhe um tempinho para que demonstrasse quais impressões estava levando da sessão:

— Fale você, ó magno causador do rebuliço, meu irmão querido, Plínio.

Plínio olhou demoradamente para cada rosto voltado para si, fez um gesto característico de quem abraça amorosamente a cada um e resumiu o que sentia numa única expressão:

— Muito obrigado!

Mas Ariovaldo, depois que percebeu que as reações de afeto serenaram, chamou-o a cooperar um pouco mais:

— Desta você não se safa tão facilmente. Queira, por favor, dizer a prece de encerramento.

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