Usina de Letras
Usina de Letras
46 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62343 )

Cartas ( 21334)

Contos (13268)

Cordel (10451)

Cronicas (22543)

Discursos (3239)

Ensaios - (10410)

Erótico (13576)

Frases (50723)

Humor (20055)

Infantil (5475)

Infanto Juvenil (4795)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140850)

Redação (3314)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6222)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Erotico-->13. LIBERDADE ÀS AVESSAS -- 19/09/2003 - 06:45 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Plínio, enquanto Cleto progredia a seu modo, tinha todo o tempo do mundo para as suas realizações. Nem Margarida perturbava mais, zumbi a cumprir as tarefas caseiras automaticamente, com a idéia fixa no filho que partira em definitivo para o etéreo.

Certa ocasião, Plínio desejou explorar o tema do destino das almas após o desenlace, a ver se dava ânimo à esposa:

— Querida, você tem-se martirizado demais desde que Ari se foi. Você mesma me levou ao centro espírita e não está suportando o fato de que as pessoas têm que passar por sofrimentos por causa do que fizeram em outras vidas. Como é mesmo o nome daquele que falou?

— Ariovaldo.

— Isso mesmo. Pois ele (você se esqueceu?) disse que a melhor maneira de a gente superar os problemas era fazendo tudo ao nosso alcance pelo bem das pessoas. Ele disse que a oração serve para dar tranqüilidade para quem a gente pede e para nós mesmos que rogamos. Você tem rezado?

— Tenho.

— E por que tanto sofrimento? A gente nem está conversando mais... Será que você não está sendo muito orgulhosa, pensando que está carregando o mundo nas costas? E eu?...

Margarida olhou com tanta tristeza para o marido que este se calou. Então, ela fulminou-o:

— Onde está a felicidade que você me prometeu antes do casamento?

Plínio ergueu os braços como a suplicar ao céu que lhe desse inspiração mas capitulou mediante a consciência de que a realidade era o oposto do mar de rosas que descrevera à noiva. Teve força apenas para concordar:

— Você tem razão. De repente, não temos nada semelhante ao mínimo da alegria que sempre desejamos.

Não obstante, Margarida deu sinais de desequilíbrio:

— Sabe o que me está fazendo muita falta? O liqüidificador...

Antes que atinasse o marido com o desaso da proposição, Margarida sumiu de sua vista.

Mais tarde, Plínio atendeu à porta uns policiais que traziam a esposa de regresso ao lar. Ela estava impassível e dócil e logo foi entrando, deixando o marido às voltas com as explicações que lhe eram exigidas. Dizia um dos guardas:

— Sua mulher foi detida numa loja, quando saía com um aparelho elétrico que retirou do mostruário.

— Santo Deus! Seu guarda, ela não está regulando.

— Isso é evidente, senhor. Só que ela deu muito trabalho para soltar o aparelho, dizendo que era aquele que o filho tinha levado embora. O senhor tem de vigiar a mulher, para que ela não saia por aí fazendo tolices. Se não fosse o doutor delegado conhecê-la, ela ia ficar no distrito.

Plínio não sabia o que dizer. Acabou por perguntar:

— Qual foi a loja e de quanto foi o prejuízo?

O policial deu as informações pedidas e se retirou.

Quando Plínio entrou, deu com a mulher descascando todas as frutas da geladeira. Ficou claro que ela iria demonstrar a falta que fazia o liqüidificador.

De imediato, Plínio apanhou os documentos, foi até a loja citada, identificou-se, pediu desculpas ao gerente e às balconistas que passaram pelo drama com Margarida, abriu um crediário e retirou um aparelho para levar à esposa.

De volta, Margarida não estava. No fogão, borbulhava um resto de calda grossa de açúcar, com os pedaços de frutas incrustados no fundo negro da panela, da qual se desprendia um fumo espesso que já enchia toda a cozinha.

O coitado imaginou que a mulher teria voltado à loja, culpando-se pelo fato de não ter dito nada quanto a ir comprar o que ela tanto desejava. Mas as suas pesquisas foram vãs.

Tarde da noite, Moacir e Silvinho trouxeram Margarida, esclarecendo o que se passara. Tinha chegado ao escritório em que trabalhavam, perguntando pelo marido. Não houve quem a convencesse de que lá não se encontrava, despedido que fora. Parecia não atinar com o sentido das palavras. Mas não fez escândalo, propondo-se a esperar no saguão a hora da saída. De fato, quando todos debandaram, deram com ela sentadinha no banco lateral, completamente alheia às pessoas. Moacir e Silvinho interessaram-se pelo estado emocional da pobre mulher e propuseram-se a trazê-la para casa. No entanto, Margarida, dando mostras de reconhecer os dois, impôs uma condição para acompanhá-los, qual seja, a de que a levassem ao centro espírita, porque desejava muito conversar com o filho morto. Evidentemente, frustrou-se tal tentativa, ainda porque os trabalhos do dia não eram mediúnicos. Coube a Ariovaldo ficar com ela, tentando explicar-lhe as razões que Deus teria para fabricar-lhe a sorte horrível de sua vida. Quando Moacir e Silvinho regressaram de suas tarefas, precisaram fazer-lhe companhia, até que o prédio se esvaziasse, que foi quando se resignou a retornar a casa.

Por seu turno, Plínio contou os sucessos da tarde e rogou aos amigos que aceitassem o seu pedido de desculpas. Punha-se nas mãos deles para qualquer recomendação útil. Entretanto, nada disseram que ele não tivesse pensado, insistindo os dois que procurasse levar a esposa a serviço médico especializado em doenças mentais. Se fosse preciso, segundo o parecer clínico, que a internasse em algum sanatório público, onde estaria mais segura, recebendo os medicamentos e as atenções que seu estado exigia.

Plínio quis saber se o centro não oferecia nenhum atendimento nessa área.

Foi Moacir quem esclareceu:

— Leve-a amanhã à noite, que tem um médico de plantão. Ele vai poder orientar melhor.

O infeliz agradeceu o espírito de solidariedade dos amigos, prometendo que iria pensar a respeito do que haviam conversado. Estando muito cansados, saíram logo, mesmo porque Margarida não se dignou coar café, não tendo sequer voltado para se despedir.

Quando Plínio foi procurá-la, encontrou-a a acionar o liqüidificador vazio, ameaçando, perigosamente, enfiar a mão no interior do copo. Só não o fez porque, segundo Saldanha pôde comprovar, tivera muito medo de ter de renascer em outra encarnação sem os dedos ou a mão, o que lhe dava aos olhos uma direção de infinito.

No dia seguinte, logo cedo, Plínio colocou a mulher no carro e saiu atrás de alguma instituição que a abrigasse. Mas não o fez sem muitas lágrimas e forte tremor nas mãos.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui