Um dado importante acerca do pensamento fi losófi co ao longo da história
da humanidade é que sempre o postulado atual retoma as formulações
anteriores em um processo cíclico e permanente. No dizer de Hegel, essa é
a grande síntese da dialética. O fato é que Descartes não fugiu à regra, uma
vez que remonta a estrutura dualista de Platão sobre o físico e o metafísico.
Além, é claro, de defi nir uma divisão entre as idéias, afi nal, surgiu como um
grande ícone racionalista. Não se poderia deixar de observar, ainda acerca das
idéias, que a teoria cartesiana não aprofundou a discussão sobre a existência
de Deus, uma vez que seria muito lógico, para ele, concebê-Lo.
O estudo da relação existente entre corpo e alma concentrou a atenção
de Descartes, pois até então não se concebia a possibilidade da separação de ambos. Portanto, a partir do pensamento
moderno, percebeu-se que o corpo pertencia ao mundo físico, nesse caso seria passível de desaparecimento. No
entanto, a alma pertencia ao mundo espiritual, então, não seria submetida à decomposição. “Descartes soa como
São Paulo quando fala a respeito da separação do corpo e da mente, também conhecida como dualismo. Ele
sustentava uma cisão do mundo físico e considerava a mente imbuída pelo espírito. Descartes acreditava que um
corpo sem espírito ainda poderia ser uma entidade animada, como um andróide”. (Mannion, 2006). Na verdade,
alguns físicos e cientistas defendiam a divisão entre corpo e alma como estudo da natureza da matéria, ou seja,
voltaria às discussões iniciadas pelos pré-socráticos sobre essa temática. Entretanto, os debates não possuíam idéias
norteadoras, pois, estavam fi cando cada vez mais mecanicistas.
Descartes afi rmava que a alma é a razão pura, pois, além de poder controlar o corpo (o fato mecânico de
dirigir resume a idéia de que o pensamento comanda, muitas vezes inconscientemente, o corpo; mesmo os instintos
são responsáveis pelo comando radical do corpo em uma prova de que, mesmo no pensamento, existem dois
comandos distintos), a alma expressa toda a necessidade oriunda do meio físico. “Concebamos, pois, aqui que
a alma tem sua sede principal na pequena glândula que está no meio do cérebro, de onde irradia para todo o
resto do corpo, por intermédio dos espíritos, dos nervos e mesmo do sangue que, participando das impressões dos
espíritos, pode levá-los pelas artérias a todos os membros e lembrando-nos anda do que já foi dito anteriormente
a respeito da máquina de nosso corpo, a saber, que os tênues fi letes de nossos nervos são de tal forma distribuídos
em todas as suas partes que, por ocasião dos diversos movimentos aí provocados pelos objetos sensíveis, abrem
de modo diverso os poros do cérebro. Isso faz com que os espíritos animais contidos em suas cavidades entrem de
maneira diversa nos músculos, por meio de que podem mover os membros de todas as diversas formas que esses
são capazes de ser movidos e também que todas as outras causas que podem mover diversamente os espíritos
bastam para conduzi-los a diversos músculos”. (Descartes, 1998). A grande questão referente a esse assunto seria
esta: como ocorre de a alma controlar o corpo? Descartes observa de forma mecanicista que, embora corpo e alma
sejam independentes, há uma relação de consentimento mútuo entre os dois; um verdadeiro processo mecânico.
Não haveria a possibilidade de o corpo ser mais veloz do que a idéia, uma vez que aquele somente age com o
consentimento desta. Se a alma e a idéia expressam a razão, o ente humano é essencialmente um ser racional.
No que se refere ao pensamento, Descartes concebe a divisão das idéias em inatas, acidentais e fi ctícias.
Essa divisão facilitaria a justifi cativa sem incoerência da existência de um Ser supremo, pois, um ser imperfeito não
poderia conceber a idéia de um ser perfeito, uma vez que sua imperfeição impossibilitaria o acesso ao mundo das
idéias perfeitas. “(...) ao refl etir sobre aquilo que eu duvidava e que, por conseguinte, meu ser não era totalmente
perfeito, pois via claramente que o conhecer é perfeição maior do que o duvidar, decidi procurar de onde havia
aprendido a pensar em algo mais perfeito do que eu era. Descobri evidentemente que devia ser de alguma natureza
que fosse realmente mais perfeita”. (Descartes, 2000).Porém, todos os entes humanos, ao nascerem, recebem como
um presente do Ser perfeito que o criou as idéias inatas. Tal marca caracteriza-se como a possibilidade de perfeição
entregue ao ser imperfeito.
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Portanto, já se poderia passar a compreender a existência de um Deus, pois as idéias inatas, por terem origem na
perfeição, guiariam o ente humano ao caminho pleno. As idéias acidentais provêm da experiência adquirida pelo
homem no decorrer de sua existência. Como não têm relação com as idéias inatas, não são confi áveis pela origem
na imperfeição. E, por fi m, as idéias fi ctícias. Estas evidentemente pertencem ao imaginário da irrealidade. Afi nal,
o ser humano apresenta-se como um misto de vida real e fantasia. Descartes afi rma que não poderíamos confi ar em
nossa experiência sensível, uma vez que se encontra fora da sombra da perfeição. Portanto, deve-se duvidar de tudo
o que existe e de tudo o que se conhece, pois a dúvida conduz o pensamento à verdade.
Segundo a teoria cartesiana, todo ente humano tem uma concepção do que é a perfeição, conquanto ele
não seja perfeito. Como então poderia ter a idéia da perfeição sem ser perfeito? Se viesse do homem, seria uma
contradição. Portanto, tem de se originar das idéias inatas, pois, estas por sua vez, teriam origem no Logos, ou seja,
teriam a origem em Deus. Dessa maneira, Descartes tentou provar a existência de Deus racionalmente. No entanto,
percebe-se que São Tomás de Aquino, anteriormente a ele, já formulara um postulado bem próximo desta idéia em
seu tratado ontológico conhecido como as Cinco Vias, esta seria a terceira: a causalidade.
O sintagma mais conhecido de Descartes é: Cogito, ergo sum, do latim para a Língua Portuguesa seria Penso,
logo existo. “(...) considerei de modo geral o que é necessário a uma proposição para ser verdadeira e certa, pois,
uma vez que acabava de encontrar uma que eu sabia ser exatamente assim, pensei que devia saber também em
que consiste essa certeza. Tendo percebido que nada há no eu penso, logo existo que me dê a certeza de que
digo a verdade, salvo que vejo muito claramente que, para pensar, é preciso existir, julguei que poderia tomar
por regra geral que as coisas que concebemos muito clara e distintamente são todas verdadeiras, subsistindo
apenas alguma difi culdade em notar bem quais são aquelas que concebemos distintamente”. (Descartes, 2000).
Não se poderia provar a existência humana apenas pela observação empírica, pois poderia estar sendo confundido
pelos sentidos. Portanto, somente por meio da razão é que se poderia ter certeza da existência. Como o ser humano
é falho e imperfeito, não poderia se criar, pois, por ter a função de criador, se criaria um ser perfeito. Se a criação
não procede do homem, então quem foi o criador Supremo? Dessa maneira, a teoria cartesiana acreditava que a
discussão sobre a existência de Deus encerrar-se-ia.
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O pessimismo em Schopenhauer
A metafísica foi desenvolvida por vários defensores em diversos
momentos históricos, mas um grande pensador alemão surgiu
no século XIX com o nome de Arthur Schopenhauer. Este resgatou
as discussões sobre o tema da existência de um elemento movedor
responsável pelo andamento do processo de evolução. Contudo,
sua teoria representou um cisma na ordem já existente ao conceber
o estabelecimento de uma força metafísica capaz de gerir todo o
comportamento humano, chegando a um resultado bastante pessimista.
Essa tal força não foi associada a Deus tampouco já havia sido discutida
com tanta intensidade. A velha contenda sobre o elemento metafísico
primeiro concedia à consciência a verdadeira responsabilidade pelas
ações da razão. No entanto, para Schopenhauer, a consciência seria
apenas o pano de fundo para nossa razão, pois dentro dela reinava a
vontade consciente ou inconsciente, a força vital de fato, persistente;
de ocorrência espontânea ou, simplesmente, a vontade do desejo ardente. Schopenhauer dizia que aparentemente
a consciência dirigia a vontade, porém afi rma que a lógica está inversamente proporcional. Afi nal, não se quereria
algo porque se encontrariam motivos para sua ocorrência, porém, encontrar-se-iam motivos, porque a desejariam.
Por vezes se elaboram fi losofi as e teologias para justifi carem a existência da vontade e disfarçarem estes desejos.
Por isso, Arthur chama o homem de animal metafísico, pois os demais animais desejam sem a metafísica. Ele
ainda afi rma: “Nada é mais provocante, quando estamos discutindo com um homem usando razões e explicações
e fazendo todos os esforços para convencê-lo, do que descobrir, no fi nal de contas, que ele não quer compreender,
que temos que nos entender com a vontade dele”. (Durant, 2000). Por isso que, segundo ele, a razão lógica seria
inútil nesse caso, pois o poder de convencimento, utilizando a razão, entraria em confl ito com o interesse do
interlocutor. Para seu convencimento, seria necessário apelar para seu interesse pessoal, seus desejos ou suas
vontades.
Muitas vezes essa ocorrência se dá inconscientemente, visto que a dependência da situação na qual o
indivíduo estará inserido é que ditará seu comportamento. A luta pela existência não se daria pela expressão da
refl exão tampouco pela razão, mas pela vontade de viver. “A vontade é o único elemento permanente e imutável da
mente; é a vontade que, através da continuidade do propósito, dá unidade à consciência e mantém em conexão todas
as idéias e todos os pensamentos, acompanhando-os como uma harmonia contínua”. (Durant, 2000). Portanto, a
vontade caracteriza-se como a efetiva tônica do pensamento.
O amor, a partir dessa tônica, surgiria inicialmente pelo coração e não pela mente. Nesse caso, a vontade
não raciocinaria, seria apenas sentida. Muitas vezes a escolha por meio da vontade se contrapõe ao que diz a razão,
embora parta essencialmente da vontade. Pode-se perceber essa idéia pela recompensa proposta pelas religiões. Em
geral, partem por meio da excelência da vontade ou do coração, entretanto, jamais por meio das excelências da razão
ou da compreensão. Talvez esse ponto seja chave quanto à afi rmativa de que há difi culdade de associação entre fé e
razão.
Schopenhauer ainda desenvolve um sistema de pensamento que se aprofunda na comparação entre vontade
e razão para evidenciar a superioridade daquela. Por mais que o intelecto trabalhe, sempre necessitará de um
descanso; a vontade não exigirá repouso. “O intelecto precisa de sono, mas a vontade trabalha até mesmo durante
o sono. A fadiga, como a dor, tem a sua sede no cérebro; os músculos não ligados com o cérebro (como o coração)
nunca se cansam. No sono, o cérebro se alimenta; mas a vontade não requer alimento algum”. (Durant, 2000).
Segundo Arthur Schopenhauer, há uma diferenciação física e metafísica entre a vontade e a razão, todas podem ser
evidenciadas pela observação de ordem prática.
“Vamos à pergunta de David Hume – ‘o que é causalidade?’ -, responderemos: a vontade. Assim como
a vontade é a causa universal em nós mesmos, assim o é nas coisas; e, a menos que compreendamos a causa
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como vontade, a causalidade continuará sendo apenas uma fórmula mágica e mística, sem signifi car realmente
coisa alguma. Sem esse segredo, somos levados a meras qualidades ocultas como ‘força’ ou ‘gravidade’, ou
‘afi nidade’; não sabemos o que essas forças são, mas sabemos – pelo menos um pouco mais claramente – o que
é a vontade; digamos, então, que repulsão e atração, combinação e decomposição, magnetismo e eletricidade,
gravidade e cristalização são vontade”. (Durant, 2000).
Portanto, assim como os pensadores que o antecederam construíam uma teoria que apresentasse uma causa primeira
para a explicação das manifestações naturais, Arthur estabeleceu a vontade como essa força absoluta que move
as relações naturais do universo. No entanto, se a vontade é o verdadeiro motor imóvel da humanidade, e se o ser
humano é um ser imperfeito, está-se à mercê das conseqüências dessa imperfeição pelo apetite voraz da vontade
existente em cada um, sobretudo, por que a vontade parte de uma relação individual, então, podendo, inclusive, se
contrapor a outros interesses. Então, conclui-se que, se o mundo é vontade, deve ser um mundo de sofrimento.
Em tese, a própria vontade indica necessidade, e o que ela pretende, pois, será sempre maior do que a sua
capacidade. Conduzirá, então, o homem a um processo cíclico e perpétuo ao caminho da desgraça absoluta. Seria
aproximadamente como um viciado em drogas no seu processo de dependência química. E mesmo que se satisfaça
um desejo, virão outros nove que não se conseguiram satisfazê-los, pois a estimativa proporcional encontra-se
nessa escala. O desejo é infi nito e sua efetivação é extremamente limitada. Seria, como uma esmola concedida a um
mendigo, mantém-no vivo hoje para que ele possa morrer amanhã. “Enquanto nossa consciência estiver tomada
por nossa vontade, enquanto nos entregarmos à multidão de desejos com suas constantes esperanças e temores,
enquanto estivermos sujeitos a ter vontade, nunca poderemos ter felicidade ou paz duradoura”. (Durant, 2000). O
desejo satisfeito conduz com maior freqüência à infelicidade do que à felicidade, pois suas exigências muitas vezes
confl itam com o bem-estar pessoal do interessado, que o prejudicam. A vida fora caracterizada como má porque a
dor é o seu estímulo e sua realidade fundamentais. O prazer seria meramente uma interrupção temporária da dor.
“Aristóteles tinha razão: o homem sábio procura não o prazer, mas a liberdade em relação à preocupação e à
dor”. (Durant, 2000). Não se poderia deixar de comentar outro aspecto no pessimismo de Schopenhauer, afi nal,
partindo de seu ponto de vista, fi caria fácil explicar o motivo pelo qual se caracterizou a vida como má, visto que
tão logo o sofrimento desaparece temporariamente, o tédio se lhe aproxima tanto que ele necessariamente exige
distração, isto é, mais sofrimento. Como se fosse a relação entre o céu e o inferno. Se atribuíram todo o sofrimento
e tormento para o inferno, o céu passa a ser um lugar bastante tedioso.
O pessimismo de Arthur passa a ser decorrente de toda sua teoria acerca da vontade e de suas conseqüências.
Afi nal, é perceptível que toda espécie luta pela matéria, pelo espaço e pelo tempo das outras. Seria o confl ito de
classes em Karl Marx, contudo bem pior pelo fato do confl ito se instalar na individualidade do homem.
Mesmo no ambiente extremamente pessimista, Schopenhauer percebe uma alternativa frente ao caos natural
que se instalou na existência. Para os jovens, fi ca difícil entregar-se ao pessimismo em virtude de ser um momento
em que a vontade de lutar é um prazer. Isso ocorre porque os jovens ainda não perceberam a intensidade dos
confl itos. A ingenuidade encobre a dinâmica da vida, portanto, afasta todo o pessimismo que poderia surgir, pelo
menos temporariamente.
Outra possibilidade de fuga seria a insanidade mental, pois Arthur dizia que a loucura vem como meio
de evitar a recordação do sofrimento. “É uma ruptura salvadora do fi o da consciência; só podemos sobreviver
a certas experiências ou temores esquecendo-nos deles”. (Gaarder, 1999). A loucura aparece como uma
possibilidade de libertação do desejo. Todavia, o suicídio é a verdadeira saída, pois o pensamento e a imaginação
derrotariam o instinto. “A vida ri do suicídio e sorrir para a morte”. Não haveria a possibilidade de vitória alguma
sobre os males da vida enquanto a vontade não estiver inteiramente subordinada ao conhecimento e à inteligência.
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Hegel e Marx e o homem como princípio de
Conforme a essência da fi losofi a marxista, a análise histórica das
estruturas sociais é imprescindível para que se possa chegar ao
conhecimento mais aproximado da realidade; principalmente em
um contexto onde o homem é apresentado como o movedor dessas
estruturas as quais, contraditoriamente, extirpam sua liberdade.
Portanto, para se falar de Hegel e Marx, deve-se, sem dúvida, percebe
contra qual contexto lutavam. Afi nal, embora Marx criticasse Hegel
sobre seu desempenho idealista e conformista, ambos buscaram a
harmonia social a fi m de que todos fossem tratados com o mesmo
princípio da igualdade. Para tanto, deve-se considerar a Revolução
das Luzes como desenvolvimento científi co materialista, contudo,
que via na grande maioria da população seres humanos incapazes
de assumirem um papel revolucionário, cuja premissa política seria
a de modifi car a situação social. Todavia, os iluministas diziam que
somente reis preparados para o governo totalitário efetivariam plenamente as transformações necessárias para se
chegar à justiça social de fato. Tais reis soberanos fi caram conhecidos posteriormente como déspotas esclarecidos.
Esse tipo de materialismo mostrou-se bastante ingênuo no que se refere à efetiva possibilidade de mudança.
Entretanto, não havia ocorrido uma idéia que se contrapusesse à dos iluministas até a subversiva introdução do
pensamento hegeliano, capaz de inverter toda a ingenuidade da qual a fi losofi a se revestira.
Hegel desenvolveu seu pensamento colocando em evidência as contradições existentes nas formulações
estáticas, sobretudo, o racionalismo, pois elas acreditavam que as leis eternas explicavam por si apenas a procedência
do processo histórico. Ou seja, eram capazes de justifi car os acontecimentos vivenciados pelo mundo em todas as
épocas da história. Hegel não concebia a possibilidade de existirem leis eternas, uma vez que tudo se encontrava
em constante evolução. Para ele, as leis não poderiam ser eternas, visto que o espírito evolui com o comportamento
sócio-cultural. Além de evoluir a partir de pensamentos especulativos, estes ditavam, por meio de conceitos, o
comportamento frente a diversas questões, busca-se, então, a formulação de novos postulados baseados na crítica
das já estabelecidas. Hegel afi rma que esse tipo de comportamento é evolutivo e percebe que, através dessa busca,
chega-se à razão absoluta, uma espécie de espírito do mundo. Na seqüência, há um exemplo, extraído do livro
Transformando o mundo, de como Hegel concebia a evolução dialética:
• “Tese: sociedade burguesa, exploradora;
• Antítese: classe trabalhadora, explorada pela burguesia;
• Síntese: sociedade comunista, resultado do confl ito entre a tese e a antítese e da
integração entre seus aspectos essenciais”. (GADOTTI, 1989).
A evolução dialética de Hegel visa justamente construir um esquema responsável pela dinamização da
história em uma eterna procura pela verdade. A evolução dialética funciona da seguinte maneira: há uma linha de
pensamento já existente, chamada de tese; de acordo com a necessidade histórica, é confrontada por um pensamento
contrário, que visa conservar os pontos positivos do conceito criticado, a negação da tese é chamada de antítese;
surge, então, a síntese a fi m de acomodar os pontos mais relevantes tanto da tese quanto da antítese, assim, a síntese é
o novo pensamento mais aproximado da verdade. Essa teoria difi culta especulações acerca dos conceitos absolutos,
portanto, concede ao pensamento a incapacidade de tornar-se verdade irrefutável. Assim como ele, posteriormente
outro o questionará decisivamente no decorrer do processo evolutivo, isto é, da evolução dialética. Esse é o processo
da busca pela idéia absoluta. É certo que, partindo dessa lógica, o espírito absoluto nunca poderá ser alcançado, por
isso, deve considerá-lo relativamente inexistente, pois não pode contradizer-se como um postulado absoluto.
Marx estava de acordo com Hegel no que se refere ao caráter dinâmico da história. A dialética hegeliana,
para Karl Marx, surgiu como a grande diferença entre as fi losofi as, de um lado, bastante conformistas, de outro,
introdutoras da antítese. Esse foi o ambiente que caracterizou a perspectiva fi losófi ca da época. A fi losofi a deixaria
o caráter meramente reprodutivo e passaria a exercer seu verdadeiro papel transformativo dentro do processo social.
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Entretanto, Marx criticou seu mestre no que se refere ao modo através
do qual se introduziria a mudança social na evolução dialética. Marx
acusou Hegel de esquecer quem é o verdadeiro agente da mudança,
aliás, não percebeu no homem o ser movido pelo processo de produção.
Hegel afi rmava que a evolução das idéias se fazia necessariamente
absoluta para posteriormente descer em auxílio ao homem em sua
luta pela libertação da opressão. O homem deveria contar com a razão
absoluta para posteriormente iniciar o confl ito, cuja culminância seria
a reorganização da estrutura social; já em Marx, a verdadeira mudança
partiria sempre da ação humana dentro de um processo eminentemente
revolucionário. Portanto, em Hegel, percebe-se um idealismo capaz de
conceder à idéia o papel exclusivo e responsável pelo impulso inicial
rumo à transformação do pensamento e, por conseguinte, pela conquista
das estruturas sociais. Isto é, poder-se-ia esperar pela ação direta do
espírito absoluto, pois este seria encarregado de nutrir os entes humanos
da percepção da verdade a fi m de que pudessem agir sobre as estruturas
econômicas responsáveis pela alienação. Em Marx, a modifi cação das
estruturas sociais parte do contato do homem com a base econômica, pois
é a partir do meio de produção que se adquire o conhecimento pleno e,
por meio dele, poder-se-á adquirir consciência de si mesmo. “(...) o marxismo não é uma teoria científi ca como as
outras, não visa simplesmente descrever ou explicar, mas visa transformar a realidade, visa uma transformação
revolucionária. Trata-se portanto de compreender a realidade para transformá-la revolucionariamente a partir
de um ponto de vista de classe, do ponto de vista das classes dominadas”. (LOWY, 1988).
Embora haja divergência entre Marx e Hegel, não se pode negar a admiração daquele à dialética hegeliana.
Então, afi rma-se que, tanto em Marx como em Hegel, a hipótese fundamental da dialética é que nada é eterno, nada
é absoluto. Tudo o que existe na vida social está em constante evolução, tudo está à mercê do fl uxo da história. De
fato, essa questão pode ser observada e constatada empiricamente pelo homem, conforme se explicita no fragmento
abaixo, uma alternativa dialética de como se vê o mundo: “Pela primeira vez na história da fi losofi a, precisamente
na obra hegeliana, a dialética adquiriu formulação consciente e sistemática”. (Marx e Engels, 1989). “Através
desta especifi cação da tese do “mundo invertido”, Marx reaproximou-se ainda mais de Hegel, estabelecendo com
ele uma paz parcial e encontrando nele a única concepção adequada para reestruturar a realidade burguesa a
nível abstrato”. (FLICKINGER, 1986).
As mudanças profundas, que ocorrem no processo histórico, podem comprovar a veracidade da afi rmação
de que tudo fl ui, inclusive o pensamento. Portanto, uma análise dialética é eminentemente responsável pela
constatação das contradições internas da realidade. Marx observou plenamente isso quando buscou comprovação
para o processo dialético dentro da história. As contradições internas do processo sócio-econômico na Idade Antiga
resumem-se na dialética entre escravos e senhores; na Idade Média, os suseranos e os vassalos; na Idade Moderna,
a nobreza e a burguesia; na Idade Contemporânea, os capitalistas burgueses e os proletários. Paradoxalmente
Hegel ainda engessou a evolução dialética com a gestação da evolução das idéias em busca do espírito absoluto,
distanciado da vida empírica, aliás, longe do ser humano, ator do processo social. Karl Marx humanizou a razão
absoluta conferindo ao homem o caráter essencial no processo de transformação social, sobretudo, quando buscou
aproximar-se da análise histórica para constatação do papel revolucionário na luta pela libertação. No momento em
que o homem modifi ca sua relação com os meios de produção, modifi ca automaticamente as relações sociais. Essa
observação de Marx baseou-se na análise histórica, onde o homem ocupa o lugar central como o sujeito ativo do
processo. “Observa-se que o conceito de práxis em Hegel, ou seja, a idéia da autoconstrução humana através da
própria atividade dos homens que tem no desenvolvimento das formas sociais do trabalho a sua base histórica,
assume um conteúdo, por assim dizer, invertido”. (FILHO, 1986).
Hegel não se esquecera da transformação material, para ele, isso era secundário e derivado da evolução das
idéias.
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Primeiramente se chegaria à idéia absoluta, por meio da antítese, depois essa idéia viria ao homem e o impulsionaria
à transformação material. Segundo Marx, Hegel havia invertido a ordem da estrutura. Aquele conferia a afi rmação
de que o homem necessita das relações materiais para poder chegar às espirituais, ou seja, o homem necessita comer,
beber, dormir, estudar, antes que se possa imaginar qualquer coisa. Essa inversão, para Marx, seria comprovada por
meio de uma análise da história da economia; da maneira como o homem relacionava-se com o mundo para dele
extrair sua subsistência. Por isso, critica-se qualquer expressão de crença no destino ou do homem como predicado
de qualquer realidade, afi nal, o verdadeiro responsável pela evolução da história, segundo Marx, é o próprio homem.
Ele não pode ser refém de qualquer tentativa de inação ou simplesmente ser subjugado pelas estruturas sociais.
Portanto, Marx desmistifi cou a concepção de Hegel de que tudo possui origem no pensamento, pois,
segundo este, o impulso transformador teria de partir da evolução das formulações intelectivas para que se pudesse
chegar à transformação social. Com isso, opôs-se à teologização das idéias como se fossem externas à natureza e
estivessem prontas em uma dimensão metafísica. Excluiria simplesmente a associação natural dos acontecimentos
de sua natureza como produto dos processos econômicos, políticos e culturais. A crítica a Hegel manifesta-se como
um ateísmo do pensamento teológico-idealista, conseqüentemente, o desprezo da materialização em seu maior
expoente ativo, o homem.
Se Hegel iniciou a crítica à fi losofi a, pelo fato desta não conseguir sair da condição estática de apenas
tentar explicar aquilo que já havia ocorrido ou simplesmente reproduzir a argumentação das especulações, Marx
autodenominou-se antifi losófi co, pois as expressões fi losófi cas eram bastante conservadoras para contribuir com
a transformação social. Posteriormente Marx observa o papel ideológico da fi losofi a na ação contributiva para
a conservação do sistema social, ou seja, eminentemente a serviço de um grupo social a fi m de se perpetuar no
usufruto dos benefícios econômicos. “Uma idéia-base que caracterizava os Jovens Hegelianos era a crítica da
fi losofi a, que eles não entendiam como um sistema de idéias prontas e defi nitivas, mas, sobretudo como um
programa de ação para ser realizado e não apenas estudado. Essa tese se opõe a um dos princípios fundamentais
do pensamento de Hegel:as idéias têm mais densidade, mais conteúdo do que o real que existe e, quando são boas
(capazes de convencer nossa Razão), acabam necessariamente se concretizando”. (GADOTTI 1989, 30).
Para Hegel, a fi losofi a deveria atingir o objetivo de interpretar o mundo no combate a meras especulações
conceituais, sobretudo, mediante seu poder de superação pelo processo de dinamização da evolução e pela
perseguição da idéia absoluta; o contato com o espírito do mundo inseriria o homem no processo, mesmo que
secundariamente. E de fato é evidente que a fi losofi a deve reconhecer a superação da tese, além de anunciar a
ascensão da síntese através da dialética. Pois ela contesta justamente aquilo que se pode nomear de princípio de
identidade, ou seja, afi rma-se que uma coisa não é aquilo que ela é, mas também a possibilidade do outro, aquilo que
ela não é. Ora, se a realidade é efetivamente dialética, uma coisa sempre deve ser também sua negação.
Embora Marx tenha sido formado pela escola hegeliana, fugiu da infl uência idealista tornando-se um
pensador introdutor em sua época, de um marco distintivo no pensamento fi losófi co. Criou sua própria linha de
raciocínio evidenciando um corte epistemológico entre as idéias utópicas e o materialismo científi co. Abandonar
a ideologia e abraçar o pensamento fi losófi co científi co é o pressuposto efetivo de um corte epistemológico. E
Marx soube introduzir uma antítese, inclusive ao seu pensamento inicial, sem apresentar uma síntese no verdadeiro
sentido hegeliano. O que ocorreu na realidade foi que o jovem Marx fi rmou a base de seu pensamento de acordo
com a perspectiva revolucionária, no sentido de romper com o racionalismo, tanto de Hegel quanto do Iluminismo,
sobretudo, econômico, e o criticou efusivamente de modo que, por meio da percepção das contradições, chegou a
uma linha autônoma e verdadeiramente científi ca. Pode-se observar toda cientifi cidade de seu pensamento através
da análise do desenvolvimento no decorrer da evolução histórica, principalmente, constatada no século XX.
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Referência Bibliográfi ca
DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Escala, 1998.
DESCARTES, René. As paixões da alma. São Paulo: Escala, 2000.
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FILHO, Adelmo Genro. Marxismo, fi losofi a profana. Porto Alegre: Tchê!, 1986.
FLICKINGER, Hans-Georg. Marx e Hegel: o porão de uma fi losofi a social. Porto Alegre: LPM/CNPq, 1986.
GAADER, Jostein. O mundo de Sofi a. São Paulo: Cia. das Letras, 1999.
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LÖWY, Michael. Ideologias e ciência social. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 1988.
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