Silenciosamente angustiante; um silêncio ensurdecedor, que parece cortar-nos a alma sem piedade, expondo visceralmente a nossa existência, permeada de valores duvidosos e exógenos. Como somos pateticamente medíocres, fracos e acomodados; como é duro ver Julie, protagonista de 'A liberdade é azul', em seu silêncio , ser aquilo que tanto desejamos e tememos ser : livres.
Retirada abruptamente de uma cômoda e banal realidade, Julie perde seu marido e filha em um acidente de carro. Tenta matar-se , mas não consegue, é fraca, fraca ? Não, na verdade ela mostra uma força que poucos têm , lançando-se a mais solitária das buscas : a liberdade. Um flautista lhe diz que é preciso agarra-se a algo, mas ela percebe que não precisamos fazer nada : amigos, lugares, lembranças, bens; tudo são amarras, que nos impedem de 'ser', e condicionam-nos a padrões vazios, autômatos, secos de subjetividade.
O azul , neste filme simboliza, perpassa o significado burguês de uma falsa democracia libertária do capital; o Bleu, aqui, representa a liberdade individual, a transcedência do ser , a busca da própria identidade, de uma verdade particular. Ao mergulhar na piscina, Julie se liberta de tudo que a corrompe, e consegue encontrar-se; lá, ela está protegida, fora do alcance dos outros e ao alcance de si mesma.
A música , ou melhor, o êxtase de ' A liberdade é azul' , surge numa melodia que se alterna entre a calmaria e a exaltação. Ela aparece nos momentos de descoberta de Julie, quando a tenção se converte numa mão que a desnuda do véu das certezas imediatas; como diz Nietzsche, ' A crença em certezas imediatas é uma ingenuidade moral'. Julie se liberta dos valores morais, do bem e do mal; ela liberta-se de uma Julie que não passava de uma casca , criada aos anos para protegê-la de si e enquadrá-la na sociedade.
O que se percebe, então, é que Bleu incomoda tanto por mostrar as nossas fraquezas e medos, como abdicamos de nossa 'humanidade' em favor do fácil, do convencional, do pronto. Como estamos imbecilizados!
Como estamos distantes de nós mesmos, como somos mesquinhos, apegados a bens materiais. Quem somos ? Hoje, quem consegue encontrar-se, separar o que é próprio do que foi imposto. Quem consegue ser livre como Julie. E, mais importante, quem quer ser livre-e-solitário como Julie ? O medo parece nos impedir de responder essa pergunta...O que nos tornamos ? Máquinas: STOP, A VIDA PAROU OU FOI O AUTOMÓVEL ? '. Seres frios, de sentimentos condicionados, que obedecem às normas de amar, sentir, ser. Quem somos nós humanidade? Humanos ? Construtores de nossa realidade, ou apenas personas , que encenam um grande teatro e vivem uma farsa? Mas uma vez nos calamos , ao contrário de Julie, não temos coragem para responder..